Apoio:
Parceiro institucional:
Usina de etanol da Raízen: empresa pretente ter toda a cana-de-açucar utilizada certificada internacionalmente (Germano Lüders/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 22 de setembro de 2020 às 06h50.
Há 50 anos, o economista Milton Friedman, Prêmio Nobel de economia e expoente da “Escola de Chicago”, cunhou a famosa frase “as empresas existem para dar retornou aos seus acionistas”. A máxima foi publicada em um artigo no The New York Times e, como consequência, estabeleceu os parâmetros da administração de empresas nas décadas seguintes. Pelo menos até o ano passado.
Em agosto de 2019, algo mudou no reino das empresas. O The Business Roundtable, grupo que reúne 150 CEOs das maiores companhias americanas, declarou, em carta aberta, o fim do reinado do retorno ao acionista como propósito das companhias. O shareholder (acionista) deu lugar a “todas as partes interessadas” (stakeholder). Desde então, questionar a doutrina de Friedman e celebrar o capitalismo de stakeholder, que coloca a geração de valor para todos em primeiro lugar, se tornou uma espécie de passatempo dos líderes empresariais e de gurus corporativos.
O que ninguém parece conseguir criar são parâmetros tão bons quanto o lucro para determinar se uma empresa está indo bem, ou não. “Há uma dificuldade em estabelecer os KPIs”, afirma Claudio Oliveira, vice-presidente de relações institucionais da Raízen, maior produtora de etanol do Brasil. Ele se refere aos “Key Performance Indicator”, ou, em português, indicadores-chave de desempenho, ferramenta de gestão utilizada para medir o sucesso das estratégias empresariais.
De fato, a carta do Business Roundtable não veio acompanhada de uma lista de KPIs. Há muita teoria a respeito desse novo capitalismo, mas nada de prática. Para resolver o problema, a Raízen decidiu refletir. Internamente, foi desenvolvido um plano para traçar as metas que devem orientar o trabalho dos executivos pelos próximos dez anos e definir as suas remunerações.
“Primeiro nós decidimos quais seriam as nossas prioridades”, explica Oliveira. “Em seguida, pegamos todos os questionários ESG, desde o Índice de Sustentabilidade da B3 (Ise) até o Dow Jones, e determinamos o que seria mais crítico sob a ótica do investidor. Por último, entrevistamos os clientes”. O resultado é um conjunto de seis metas que devem ser alcançadas até o final da década. Elas incluem desde questões de produção, como a redução das emissões e uso da terra, até aspectos sociais, como direitos humanos.
As mudanças aliam avanços em aspectos relacionados aos negócios da empresa com benefícios ao meio ambiente e à sociedade. A meta de reduzir a pegada de carbono em 10%, por exemplo, será obtida pelo aumento da produtividade, com processos agrícolas mais eficientes e redução no uso de insumos. Outra meta, de redução no uso da água, será alcançada também com melhores processos industriais e com o reaproveitamento do insumo, o que garante redução de custos. Em ambos os casos, o meio ambiente é preservado.
Para alcançar a meta de uso do solo, a empresa está alterando a maneira de contabilizar a produtividade das plantações. A indústria sucroalcooleira, normalmente, utiliza o indicador de tonelada de cana-de-açúcar produzida por hectare. “Nós achamos que não era um indicador adequado para nosso caso. Produzimos energia, não cana”, diz Oliveira. O parâmetro utilizado será o de energia gerada por hectare, medido em joules. O objetivo é aumentar esse índice em 15%.
Essa meta específica está ligada a uma parte importante da estratégia da Raízen. Para aumentar a energia gerada sem precisar de mais cana, a empresa confia em novos produtos, como o etanol de segunda geração (E2G), que pode ser produzido a partir de qualquer biomassa, ou seja, toda matéria orgânica utilizada na produção de energia, como bagaço de cana, resíduos agrícolas, sobras de eucalipto, entre outras. Com a mesma cana, ela extrai o produtos duas vezes.
Algumas metas dependem de fatores externos à empresa. É o caso do objetivo de ter toda a cana utilizada nas usinas certificada internacionalmente. As fazendas próprias da Raízen já possuem certificação Bonsucro, reconhecida no mundo inteiro. Não é o caso dos fornecedores. Para espalhar a ideia pela cadeia, a empresa conta com o programa Elo, que capacita os parceiros e tem 4 estágios de desenvolvimento. Atualmente, 96% dos fornecedores estão no programa, a maioria no estágio 2, alguns no 3 e poucos no 4. “Temos 4% que não conhecemos a fazenda”, afirma Oliveira. “Vamos ter de resolver isso.”
As metas de direitos humanos e ética também dependem de terceiros. A Raízen quer zerar qualquer violação. Segundo Oliveira, a ideia não é excluir fornecedores ou parceiros, mas trabalhar para que superem as dificuldades. “Nunca tivemos um caso extremo, de trabalho escravo. Mas, podemos encontrar um caso em que não há banheiro na zona de colheita”, explica o executivo.
Segundo Oliveira, esse jogo da sustentabilidade vem sendo jogado há anos pela Raízen. O que muda com as novas metas é a publicidade e o estabelecimento de números para guiar os trabalhos. “Definir esses parâmetros é um trabalho complexo”, reconhece o executivo. “Mas, vai ficar mais fácil”. Sair da lógica simples e matemática do lucro e entrar na barafunda de critérios lato-sensu do capitalismo de stakeholder exige certo trabalho.