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O conceito do múltiplo uso da terra vem como provocação aos modelos de atividade única (Leandro Fonseca/Exame)
Diretor da Reservas Votorantim
Publicado em 27 de maio de 2023 às 08h01.
Última atualização em 31 de maio de 2023 às 19h15.
Quantas atividades são possíveis de serem desenvolvidas dentro de um mesmo hectare de floresta? É preciso discutir mais sobre isso e colocar luz à ideia inovadora de que fazer diversos usos de um território tornou-se uma opção para conciliar a conservação de áreas florestais com atividades econômicas, gerando receita com várias iniciativas acontecendo em um mesmo local.
A ideia de múltiplo uso da terra foi inspirada na Política Nacional de Recursos Hídricos, de 1997, que previa uma visão abrangente e integrada das possibilidades de utilização da água para evitar sua escassez. O modelo aplicado às florestas propõe o estudo dos territórios de maneira ampla – fauna, flora, hidrografia, relevo e condições sociais da região – visando identificar vocações que contribuam com a conservação. E como isso funciona? Com a sobreposição do maior número de atividades baseadas na natureza com potencial de geração de receita, mantendo a floresta em pé.
Hoje, os efeitos das mudanças climáticas criam cada vez mais pressão nas florestas, seja por aumento do número de queimadas, secas alongadas ou chuvas intensas que causam deslizamentos. Os esforços globais para frear o aquecimento do planeta trazem a reflexão sobre as formas de gerar valor e negócios com a biodiversidade na chamada economia verde e regenerativa, que têm como expectativa retornar recursos para proteger a floresta.
Sob esse prisma, o conceito do múltiplo uso da terra vem como provocação aos modelos de atividade única, mostrando que é possível gerar receita com a floresta em pé em diferentes frentes – um apelo econômico em relação ao avanço de questões como o desmatamento mesmo em áreas protegidas por lei, como o caso da Mata Atlântica, que mantém apenas 12% do seu território original. Essa floresta é uma das mais pressionadas pela proximidade urbana: concentra 70% da população brasileira e 80% do PIB nacional, sendo relevante, entre outros aspectos, nos altos níveis de biodiversidade e de carbono estocado por hectare, equivalentes aos da Amazônia.
Tais fatos reforçam a importância de se criar oportunidades de negócio na Mata Atlântica que sejam economicamente viáveis e necessariamente integradas às comunidades do entorno, proporcionando o senso de pertencimento e a geração de renda por meio de cadeias produtivas inclusivas, caso contrário, a pressão sobre a floresta não deve desacelerar. Só com a mobilização das comunidades ligadas ao território é possível criar as condições para o uso múltiplo da terra, pois ao promover a reconexão das pessoas com a floresta, e apresentá-la como uma fonte de renda, os territórios passam a ser percebidos de outra forma pela comunidade.
Há mais de dez anos, o Legado das Águas, área de Mata Atlântica sob gestão da Reservas Votorantim no Vale do Ribeira, em São Paulo, trabalha nesse formato – hoje já replicado em outros territórios e biomas. A reserva de 31 mil hectares conciliou atividades estruturantes como pesquisa científica e ações de desenvolvimento local para identificar e atuar em diferentes cadeias de negócios, como compensação de reserva legal; produção de mudas para restauração ecológica e paisagismo; implantação de projetos de reflorestamento; turismo sustentável; e a locação da área para o uso da beleza cênica em diferentes oportunidades. Novos negócios estão em desenvolvimento, como projetos de carbono por meio de mecanismos de pagamento de serviços ambientais e a bioprospecção dos ativos naturais.
Com seis biomas diferentes – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal –, o Brasil tem paisagens naturais diversas, com vocações e oportunidades de desenvolver as mais variadas atividades. Negócios que demonstrem a capacidade de destravar o valor da floresta em pé, garantindo sua conservação e ampliação, tão necessária diante de um desafio global de conter as ameaças climáticas.
*David Canassa é diretor da Reservas Votorantim, empresa da Votorantim, especializada em gestão de territórios e soluções baseadas na natureza para negócios tradicionais e da nova economia.