Museu das Favelas inaugura exposição sobre os Racionais MC's; veja imagens
Obra revela intimidade, memórias e processo criativo do grupo de maior impacto no rap nacional; entrada para exposição, que estreia nesta sexta-feira, 6, é gratuita
Repórter de ESG
Publicado em 5 de dezembro de 2024 às 18h15.
Última atualização em 6 de dezembro de 2024 às 09h24.
Após dois anos no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas, dedicado à valorização da cultura periférica, inaugura nesta sexta-feira, 6, sua nova casa no Largo do Pateo do Collegio, centro histórico de São Paulo. Além da mudança de local, uma nova exposição deve atrair os fãs de hip hop e rap.
A data também marca a abertura da mostra Racionais MC’s – O Quinto Elemento, que revela a intimidade, trajetória pessoal e processo criativo do grupo de maior impacto no rap nacional. A EXAME visitou a exibição e conversou com os integrantes Mano Brown, KL Jay, Edi Rock e Ice Bluesobre como as obras celebram e homenageiam os mais de 30 anos de história e música.
Logo no início da mostra, placas e letreiros inspirados nos do Metrô de São Paulo apresentam detalhes das rimas mais famosas do quarteto. Nelas, estão escritas frases como 'Vida Loka', 'Da Ponto pra Cá', 'Periferia é periferia em todo lugar', entre outras.
Os cartazes também remetem à estação São Bento, marco zero do rap na cidade. Era naquela região que, a partir da década de 1980, grupos se reuniam para performar breaking dance e batalhas de rima.Assim, em 1988, surgiu o Racionais MC’s.
De acordo com Eliane Dias, curadora e CEO da Boogie Naipe, produtora que gere a carreira dos Racionais, o trabalho de seleção das memórias vem sendo feito há uma década. No entanto, foi com a parceria firmada há um ano com o Museu das Favelas que o projeto tomou forma.
Para Dias, a exposição marca um reconhecimento dacultura periférica da cidade de São Paulo que, por muitos anos, foi invisibilizada. “Na favela, na periferia e nas margens existem artistas brilhantes e maravilhosos. Acho que não precisamos demorar tanto para reconhecer nossas obras como foi com a Carolina Maria de Jesus ”, afirma. Eliane se refere à aprovação pela Câmara dos Deputados para que a autora de Quarto de Despejo seja incluída no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria — 47 anos após sua morte.
“Tenho o privilégio de viver a história de Racionais de dentro para fora. O que seria de mim sem os Racionais? Como seria o Brasil?”, questiona Eliane.
O quinto elemento
Na visão de Eliane Dias, curadora da exposição, o “quinto elemento” retratado no título da mostra é o próprio Racionais MC’s, ou seja, a força da união dos quatro rappers.
Outro fator também une todos os integrantes: a África. A exibição conta com uma obra que retrata a ancestralidade dos quatro rappers do grupo: juntos, possuem 57% de DNA africano, de regiões como a Costa da Mina, o leste africano, Grandes Lagos e região Bantu.
A mostra ainda apresenta itens do acervo pessoal dos rappers que retratam sua infância e adolescência, como o kimono e faixas de jiu-jitsu de Ice Blue, discos de vinil de KL Jay, a bicicleta azul de Edi Rock e osescritos à mão que originaram Diário de um detento, de Mano Brown.
O olhar cuidadoso e íntimo de Eliane – que, além de curadora e produtora, também é esposa de Mano Brown desde 1994 – colaborou para representar a arte dos Racionais MC’s além das letras de resistência, mas como eram antes da fama, do dinheiro e do sucesso: quatro jovens pretos, favelados e brasileiros.
Essa proximidade de quem viveu a história do grupo tão de perto se reflete na exposição, que traz fotos de infância, retratos de família e cartas, como a que Mano Brown escreveu para sua mãe no começo da carreira.
“Mãe, fui para Minas fazer o show. Volto domingo à noite. Beijos, Pedro Paulo”.
A resposta dela foi:
“Você é o fruto do amor de Deus, e eu estou orgulhosa de ter sido escolhida para ser sua mãe. Sou feliz por ter você como filho. Obrigada, meu filho.”
35 anos de Racionais MC’s
Em entrevista,KL Jay expressou sua satisfação com a exposiçãono Museu das Favelas, um local estratégico, próximo ao centro da cidade de São Paulo. “A caminhada não é feita de uma vez, mas tijolo por tijolo, degrau por degrau. Eu acredito que tudo acontece no seu tempo, e chegou o momento de os Racionais terem um espaço assim, com toda essa logística, esse profissionalismo, essa competência, e perto de onde o grupo nasceu”, conta.
Para ele, a mostra consegue transportar o público de volta a mais de 30 anos. “É a história de quatro pretos brasileiros que já estavam juntos, ancestralmente falando, e se encontraram de novo”, explica.
KL Jay ainda conta que a exibição é um reconhecimento pelo trabalho dos Racionais MC’s enquanto artistas e ativistas, mas que a primeira valorização que os artistas receberam veio do público. “O reconhecimento maior, que existiu desde a primeira música, veio das ruas. Culturalmente, entrar nesse espaço é importante também, e influencia as próximas gerações”, afirma.
Ice Blue acrescenta que a história de resistência do grupo retratada nas obras não é apenas contra o racismo e a desigualdade social, mas também às seduções do dinheiro, da fama e do poder. “A gente saía dos nossos shows e ia pegar Metrô com a rapaziada. Os que vieram depois não tiveram essa humildade”, explica.
Ao fim da coletiva, KL Jay acompanhou parte do público que visitou a exposição em primeira mão na caminhada até a estação Sé do Metrô. Em direção à Linha 1-Azul, disse “Vou chegar mais rápido em casa”, enquanto sorria.
Para o grupo, a principal forma para se manter relevante após 35 anos de carreira é seguir discutindo a atualidade. “O Racionais conta a história com a arte, com a rima e a música. A gente procura falar do momento que a gente vive — só que parece que a gente passa pelas mesmas coisas em looping”, conta Edi Rock.
Quando perguntado sobre o que esperar dos próximos 35 anos, Mano Brown afirma que ainda vê muito racismo e disputas. “O verdadeiro racismo a gente só vai conhecer quando disputar os mesmos amores, os mesmos carros e perfumes. Eu vejo a raça muito atrasada em todos os setores”, explica. Para Brown, conforme a ocupação de espaços por pessoas negras aumentar, o racismo vai crescer proporcionalmente.
De acordo com o líder do quarteto, o que ainda falta para o desenvolvimento das favelas é o dinheiro na mão de quem importa. “Não é religião, não é filosofia, não é conhecimento. Esquece esse papo, é o dinheiro. Quem colocou essas ideias de que o dinheiro faz mal para nós é o branco dono de fazenda”, diz.
Veja imagens: Museu das Favelas inaugura exposição sobre os Racionais MC's
Os próximos passos do Museu das Favelas
A diretora do Museu das Favelas, Natália Cunha, contou em entrevista à EXAME que o Museu é um espaço do povo e para o povo, e contar a história de Racionais MC’s é retratar essa população. “Estar aqui nessa nova sede, no marco zero da cidade, é poder recontar a história das favelas de São Paulo”, explica.
A mudança, motivada pela transferência de órgãos estaduais para a região de Campos Elíseos, foi, para a diretora, uma aproximação com o centro histórico — e a possibilidade de conectar o Museu com ainda mais públicos.
“Conseguimos atingir uma exibição que é acessível, não só para o público que conhece e se identifica com a trajetória dos Racionais MC’s, mas de toda a população paulistana que pode não reconhecer as histórias da favela”, explica Cunha.
Além da mostra de Racionais, o Museu ainda conta com a exposição Marvel – O Poder é Nosso, realizada pela Preta Hub e a Marvel. Como mostra de longa duração Sobre Vivências, a mostra itinerante Favela em Fluxo.
A entrada para o Museu das Favelas é gratuita. O funcionamento é de terça-feira a domingo, das 10h às 17h, com permanência até 18h. O novo endereço é Largo Páteo do Colégio, 148.