Multinacionais pressionam traders de soja para preservação do Cerrado
Cultivo de soja é a principal causa de desmatamento na região; empresas exigem a divulgação de metas de preservação e restauração do bioma
Maria Clara Dias
Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 13h42.
Última atualização em 16 de dezembro de 2020 às 16h45.
Uma coalizão de grandes empresas assinou, na última semana, uma carta pública aos grandes comerciantes de soja para pedir pela definição de práticas de mitigação do impacto ambiental causado pelas suas cadeias produtivas no Cerrado. Receberam o manifesto as empresas ADM, Bunge, Cargill, COFCO International, LDC e Glencore, seis dos maiores comerciantes da commodity do mundo.
A principal causa do desmatamento no Cerrado é a expansão da agropecuária. A degradação do bioma fez com que empresas se unissem numa petição de práticas de combate à devastação e em prol de uma agricultura consciente na região, o chamado Manifesto do Cerrado. O documento, elaborado ainda em 2017 por organizações ambientalistas, foi endereçado a empresas que compram soja que vem da região, bem como investidores do setor. O Manifesto pede a adoção de políticas eficazes contra o desmatamento e também pela desassociação dessas empresas com áreas historicamente desmatadas.
Todas as 160 empresas signatárias do Manifesto do Cerrado também assinam a carta pública deste mês. Entre as companhiasestão gigantes como a Nestlé, GPA, Danone, Mondelez e Walmart.
Segundo o grupo responsável pela coordenação do Manifesto, as respostas ineficientes à uma petição enviada aos traders em novembro incentivaram os signatários a escreverem uma nova declaração. Na época, o pedido era para uma data limite para o fim do desmatamento e para a implementação de sistemas de rastreabilidade de fornecedores e métricas de transparência. De acordo com o grupo, cinco dos seis comerciantes de grãos responderam, mas nenhum apresentou suas definições.
Na nova carta, a pressão aumentou sobre as traders. “Esta carta final é uma cortesia para informá-lo que o Grupo de Coordenação de SoS agora entrará em contato com partes interessadas externas e com a mídia. Esta atividade continuará a ser intensificada desde o início de 2021 em um número cada vez maior de empresas, partes interessadas, mídia e ONGs, de acordo com suas ações em resposta”, escrevem as signatárias da coalizão na carta. As companhias voltam a pedir pela definição de prazos para a produção transparente e rastreável.
Procurada, a ADM disse que não irá se pronunciar sobre o assunto. Já a COFCO International não retornou até a publicação da reportagem. Em nota, as empresas Bunge, Cargill e LDC declaram que reafirmam o comprometimento com uma cadeia de abastecimento sustentável.
“A Bunge não adquire soja de áreas desmatadas ilegalmente, mesmo divulgando publicamente o número de fazendas em desacordo. A Companhia se dedica a uma cadeia de abastecimento sustentável e tem o compromisso público, desde 2015, de eliminar o desmatamento de todas as nossas cadeias de abastecimento até 2025, o prazo mais curto do setor. Esse compromisso se estende ao nosso abastecimento direto e indireto e até mesmo às áreas onde a conversão de vegetação nativa é legalmente permitida”.
“Podemos confirmar que a Cargill não fornecerá soja de agricultores que desmatam ilegalmente ou de áreas protegidas, e temos a mesma expectativa em relação aos nossos fornecedores. Com a implementação total do Código Florestal Brasileiro e a colaboração efetiva de todas as partes podemos alcançar um fornecimento de soja totalmente livre de desmatamento e conversão, que forneça proteção ambiental, prosperidade para o agricultor e para a comunidade”, diz.
"A LDC confirma o recebimento da carta e continuará a se envolver com outros participantes da indústria para abordar isso de forma construtiva e por meio de soluções coletivas, ciente da necessidade de trazer o resto da cadeia de valor para apoiar quaisquer medidas na prática. A LDC também acredita que a rastreabilidade do produto, como um facilitador para o monitoramento da cadeia de suprimentos, é um fator chave para a produção e abastecimento sustentáveis. Estamos empenhados em alcançar a rastreabilidade total e relatar regularmente e de forma transparente em nosso perfil de abastecimento de soja através do site da LDC."
Por que o Cerrado
O Cerrado é responsável pela produção de cerca de 60% da soja brasileira. Entre 2013 e 2015 o Brasil destruiu 18.962 km² da mata, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Isso significa que neste período, uma área equivalente à cidade de São Paulo foi desmatada a cada dois meses. O bioma já perdeu cerca de 50% da sua área original e é desmatado a uma velocidade cinco vezes superior à da Amazônia.
O grupo de signatários do Manifesto do Cerrado acredita que é possível cultivar a soja e incentivar a pecuária com impacto mínimo na vegetação, aproveitando os 38 milhões de hectares de terras já convertidas no Cerrado adequadas para a agricultura.