Exame logo 55 anos
Remy Sharp
Acompanhe:

Mesmo quente, planeta seguirá existindo. A humanidade, não, diz cientista

Para Johan Rockström, que criou o conceito de Fronteiras Planetárias, as mudanças climáticas são um problema para os seres humanos, não para o planeta

Modo escuro

Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo: "A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança" (Global Climate Action Summit, Nikki Ritcher Photography/Wikimedia Commons)

Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo: "A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança" (Global Climate Action Summit, Nikki Ritcher Photography/Wikimedia Commons)

R
Rodrigo Caetano

Publicado em 12 de setembro de 2020 às, 10h54.

O planeta existe há mais de 4 bilhões de anos. Nesse período, passou por todo tipo de temperatura. Enfrentou um estado quente, sem calotas polares, e também uma era do gelo, com quilômetros de água congelada abaixo da superfície. Condições extremas impróprias para a vida humana. Já o ser humano moderno, bípede e com polegar opositor, está aí há cerca de 50 mil anos, quase uma fração insignificante de tempo.

Em toda sua existência, os humanos conviveram com a mesma configuração de temperatura, chuvas, nível dos oceanos etc. Ou seja, provavelmente, mesmo com uma elevação grande na temperatura global, a Terra continuará a existir. A humanidade, sem chance. “As mudanças climáticas são uma questão da humanidade”, afirma o cientista Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo. “Sabemos que, para viver com o mínimo de dignidade, precisamos que o planeta se mantenha em uma condição estável, similar à que temos desde o fim da era do gelo.” 

Rockström liderou um grupo de pesquisadores que publicou, em 2009, um estudo chamado Fronteiras Planetárias. O trabalho, atualizado seis anos depois, apresenta 9 critérios ambientais que tornam possível a vida humana. Esses critérios, ou fronteiras, funcionam em conjunto. Um desvio em qualquer um deles influencia nos demais. Mais importante ainda, o trabalho de Rockström determinou métricas de acompanhamento das fronteiras e um limite para elas. Se ultrapassado, as consequências serão desastrosas.   

Em entrevista exclusiva à EXAME, o cientista falou sobre a importância da agricultura para combater as mudanças climáticas e a liderança tecnológica do Brasil no setor; sobre políticos negacionistas, como os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos; e que a esperança, atualmente, está nas empresas. 

Confira os principais trechos da entrevista: 

Há 10 anos, o sr. deu uma palestra em que apresentava uma série de iniciativas que poderiam ajudar a salvar o planeta. Entre elas, citou o avanço tecnológico da agricultura na América Latina. Esses exemplos ainda são válidos? 

Ainda é absolutamente claro que, para termos a chance de estabilizar o clima global e, dessa forma, manter a biodiversidade, o suprimento de água, o ar limpo etc, precisamos não somente eliminar o uso de combustíveis fósseis, ou seja, fazer a transição energética, mas também realizar uma transição alimentar. Desde a palestra (concedida na plataforma TED), a ciência mostrou que a agricultura é a maior fonte de gases do efeito estufa. Algo em torno de 25% das emissões são provenientes do desmatamento para da produção de alimentos e da pecuária intensiva. Porém, temos uma série de exemplos práticos sobre como produzir comida de maneira sustentável, zerando as emissões e até “sequestrando” carbono. O Brasil e seus vizinhos latino-americanos têm sido pioneiros na adoção do que chamamos de agricultura conservativa. Por milhares de anos, aramos o solo para livrá-lo de ervas daninhas e abrir espaço para a agricultura. Mas, dessa forma, o solo perde matéria orgânica e fica exposto à erosão. Hoje, com tecnologia, é possível cultivar sem degradar a terra. O Brasil é um líder nessa transição de uma agricultura baseada na transformação do solo para um cultivo natural. Então, sim, ainda é um exemplo válido. 

Há um apelo econômico em alterar a forma como se produz alimentos. Afinal, o uso de tecnologia torna o cultivo mais eficiente. Porém, para equalizar as mudanças climáticas, é preciso mexer em outras formas de produção e consumo, que não apresentam os mesmos benefícios econômicos. A eletrificação dos transportes é um exemplo. Como promover as mudanças quando não há esse apelo econômico? 

É bem simples, na realidade. Basta colocar em prática políticas fundamentadas e testadas. Em primeiro lugar, temos de parar de dar subsídios para as coisas erradas. É um passo óbvio. Os combustíveis fósseis recebem 500 bilhões de dólares em subsídios diretos. Se incluirmos os indiretos, o valor ultrapassa 1 trilhão por ano. São incentivos para gasolina barata, diesel barato para transportar alimentos, usinas a carvão etc. Até mesmo os economistas mais radicais da Escola de Chicago odeiam subsídios. Então, vamos eliminá-los. Em segundo lugar, precisamos contabilizar o custo das emissões. Isso também é economia básica. Até os CEOs de Shell, Exxon, BP e Petrobras concordam que não é razoável permitir que se polua a atmosfera de graça. Mas, é assim que funciona hoje. Podemos extrair petróleo, queimá-lo e poluir sem pagar nada. Podemos destruir ecossistemas, derrubar a Floresta Amazônica e não pagar nada. Mesmo um economista focado apenas em crescimento do PIB e no mercado de ações, terá de admitir que é uma distorção de mercado não precificar esse custo. Agora, mesmo que a gente desconsidere isso tudo e continue subsidiando a cadeia fóssil, a transição terá de acontecer simplesmente pelo fato das energias renováveis serem mais as mais baratas e eficientes. 

Não há evidência de que é possível manter as condições de vida para 7 bilhões de pessoas fora da zona climática atual. A Terra vai continuar a existir, mas nós não teremos a mínima chance

Johan Rockström

O sr. costuma afirmar que o planeta não dá a mínima importância para o que está acontecendo. O que isso quer dizer? 

O planeta tem 4,5 bilhões de anos e já passou por um estado quente, sem calotas polares, e também por uma era do gelo, com quilômetros de água congelada abaixo da superfície, ou seja, condições extremas impróprias para a vida humana. As mudanças climáticas são uma questão da humanidade. Sabemos que, para viver com o mínimo de dignidade, precisamos que o planeta se mantenha em uma condição estável, similar à que temos desde o fim da era do gelo. Precisamos dessa configuração de chuvas, estações, oceanos etc. Se ficarmos dentro das fronteiras planetárias, há uma chance de manter essas condições. Caso contrário, arriscamos desestabilizar o planeta e elevar a temperatura em 2, 3 ou 4 graus Celsius. Para se ter uma ideia, da última vez em que tivemos uma temperatura 4 graus acima, foi há 5 milhões de anos. Era um outro planeta. Não há evidência de que é possível manter as condições de vida para 7 bilhões de pessoas fora da zona climática atual. A Terra vai continuar a existir, mas nós não teremos a mínima chance. 

Mas, estamos perto de desestabilizar o planeta nesse nível? 

Estamos perigosamente perto de uma elevação de 1,5 grau Celsius. Não seria um ponto de virada, mas provocaria danos severos à economia, com ondas de calor, secas e furacões, por exemplo. Ainda é incerto, mas há cada vez mais evidências de que, se ultrapassarmos 2 graus, nos próximos 30 anos, perderemos as florestas tropicais e veremos o nível dos oceanos subir 7 metros. Não seria do dia para noite, porém estaremos condenando as gerações posteriores a um processo imparável de mudanças climáticas. Entramos em uma década decisiva. As emissões globais precisam reduzir à metade entre 2020 e 2030. Se fizermos isso, temos a chance de estabilizar a temperatura em 1,5 grau Celsius. 

Entramos nessa década decisiva com lideranças que negam as mudanças climáticas, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. O sr. considera esse cenário político um fracasso de cientistas e ambientalistas?

É uma preocupação. Pela primeira vez na história da humanidade, corremos o risco de desestabilizar o planeta. Por isso, precisamos de colaboração global e de administradores planetários, que possam gerenciar as mudanças climáticas. O Acordo de Paris prova que isso é possível. Mas, você está certo, no momento em que mais precisamos de colaboração, temos o nível mais baixo de confiança entre os líderes. Resta apenas um líder climático atualmente, que é a União Europeia. Perdemos os Estados Unidos, não vemos muita coisa partindo do Canadá, a Austrália é incerta, Índia e China não se apresentam e o Brasil é uma preocupação. Agora, a comunidade científica tem se aproximado da iniciativa privada. Grandes empresas de todos os setores estão mais ativas politicamente, em muitos aspectos, bem à frente das lideranças políticas. A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança.

Últimas Notícias

ver mais
Presidente da Apex diz que Brasil pode ser protagonista nos acordos climáticos internacionais
ESG

Presidente da Apex diz que Brasil pode ser protagonista nos acordos climáticos internacionais

Há 5 horas
Hidrogênio verde: Organizações se unem para assinatura de acordo acelerador de mercado
ESG

Hidrogênio verde: Organizações se unem para assinatura de acordo acelerador de mercado

Há 7 horas
"Queremos chegar na COP30 liderando pelo exemplo", afirma ministra Marina Silva em Nova York
ESG

"Queremos chegar na COP30 liderando pelo exemplo", afirma ministra Marina Silva em Nova York

Há um dia
John Kerry: Espero que Lula cumpra as promessas feitas aos EUA
ESG

John Kerry: Espero que Lula cumpra as promessas feitas aos EUA

Há 2 dias
icon

Branded contents

ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

leia mais