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Indígena e mercado financeiro: uma combinação possível

Indígenas representam apenas 1% da força de trabalho das 500 maiores empresas no Brasil, e 0,1% da liderança. Executiva "c-level" com 25 anos de mercado, primeira geração de uma família Kaingang, Luciana Xarim conta sua história para a EXAME Plural

Luciana Xarim: "Tenho orgulho do que conquistei, mas não romantizo o fato de que ainda são poucos os setores em que conseguimos entrar, ficar e avançar" (Empresa/Divulgação)
EXAME Plural

Plataforma feminina

Publicado em 4 de março de 2024 às 14h01.

Última atualização em 4 de março de 2024 às 14h04.

Por Luciana Xarim*

Primeira geração de uma família indígena Kaingang nascida e criada fora da aldeia, mulher, filha de pai negro e mãe indígena que não chegou a completar o segundo grau. Ao fazer uma reflexão sobre que fatores contribuíram para a construção de minha trajetória profissional, não posso deixar de questionar como foi possível avançar tanto, contrariando as estatísticas, sobretudo em um segmento tão fechado como o mercado financeiro, onde cada interseccionalidade que compõe minha identidade consiste em um obstáculo. Mas, deu certo, e conto como.

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É importante lembrar que nós, indígenas, somos o grupo étnico com menor participação no mercado formal de trabalho. É entre nós que está o maior número de desempregados ou profissionais em postos informais, como mostrou, no ano passado, um estudo da FGV Ibre, com base em dados da Pnad Contínua IBGE 2022.Comecei a fugir dessas probabilidades quando ingressei em uma formação técnica em processamento de dados. Apaixonada por números e temas como desenvolvimento estratégico, minha formação evoluiu para um bacharelado em Estatística, pela Universidade de São Paulo (USP) e MBAs, em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em Investimentos & Private Banking pelo Ibmec e em Analytics Big Data pela Fundação Instituto de Administração (FIA).

Nunca pensei que pudesse ir tão longe, embora tenha ultrapassado a primeira das principais barreiras: o acesso a educação. Muitas vezes,duvidei de mim mesma e de minha capacidade. Os dados jogam contra. Ao olhar para o ambiente corporativo, indígenas representam somente 1% do quadro de funcionários das 500 maiores empresas brasileiras, conforme o Instituto Ethos. E ao olhar para as lideranças, esse número cai para 0,1%.

Até chegar ao cargo que ocupo hoje, como COO da Rede Mulher Empreendedora, foram 25 anos de experiência, em uma trajetória calculada – pois decidi e planejei como chegar onde queria. Também me permiti afirmar que ocuparia o espaço que almejava. Entre os muitos fatores que, acredito, contribuíram para essa construção, ainda destaco a necessidade de renovar, constantemente, a nossa capacidade de aprender, de desenvolver uma visão holística dos negócios onde estamos inseridas, e de estudar de tudo um pouco.

É preciso investir em conhecimentos que poderão nos diferenciar na multidão. Ser ética e sincera nas decisões, empática e respeitosa com as pessoas ao redor e fiel a si mesma, sempre se posicionando. Precisamos, também, contar nossas histórias. Não para mostrar que é fácil, mas para provar que é possível mudá-la.Em meu caso, antes mesmo das minhas escolhas, vieram as escolhas de minha mãe, que deixou sua aldeia por acreditar em um futuro melhor para os filhos a partir da educação.

Por fim, é preciso encontrar o espaço, qualquer espaço que quisermos. Tenho orgulho do que conquistei, mas não romantizo o fato de que ainda são poucos os setores em que conseguimos entrar, ficar e avançar. A título de curiosidade, a área de enfermagem, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), é a que mais registra o avanço de pessoas declaradas indígenas. Para além do esforço individual, é preciso contar com o olhar e a ação da iniciativa privada,com a oferta de vagas afirmativas e projetos de estímulo e apoio à educação. E, na esfera pública, com projetos de advocacy e políticas que tragam protagonismo a este grupo que represento.

Se pudesse voltar no tempo e deixar mensagem para mim mesma , eu diria: acredite e mova-se sempre de forma intencional, jamais perca sua essência e não deixe de plantar as sementes que germinarão os frutos que você espera colher no futuro e que podem mudar outros futuros.

Sigamos firmes. E sigamos juntas!

Luciana Xarim é COO da Rede Mulher Empreendedora. Indígena de etnia Kaingang, é também formada pelo programa Conselheira 101, que visa a inclusão de mulheres negras e indígenas em conselhos de administração.

AEXAME Pluralé uma plataforma que reforça a cobertura de diversidade, com olhar mais profundo para mulheres. Neste mês de março, que marca mundialmente a luta por direitos femininos, mais de vinte lideranças femininas no ambiente corporativo, no empreendedorismo e na filantropia aceitaram compartilhar em suas vozes, histórias, visões, questionamentos, respostas, desafios e oportunidades percebidas ao longo de suas próprias jornadas.

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