ESG

EXCLUSIVO: Michael Bloomberg fala à EXAME sobre guerra, ESG, favela e como acelerar as mudanças

O bilionário está preocupado com a lentidão da transição energética, não acredita em interrupção da agenda ESG e diz que boa parte da luta contra os riscos climáticos se dará nos países emergentes

Michael Bloomberg: "Quanto mais empoderarmos cidades, estados e empresas, mais rápido chegaremos a uma economia de energia limpa" (Alastair Grant/Pool/Getty Images)

Michael Bloomberg: "Quanto mais empoderarmos cidades, estados e empresas, mais rápido chegaremos a uma economia de energia limpa" (Alastair Grant/Pool/Getty Images)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 11 de outubro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 11 de outubro de 2022 às 12h05.

Michael Bloomberg está preocupado. Pelo Acordo de Paris, praticamente todos os países do mundo se comprometeram a chegar a uma economia carbono zero até 2050, com algumas metas programadas para 2030. Bloomberg, no entanto, está olhando para 2023. A transição energética, diz ele, precisa acelerar, e as empresas não estão progredindo tão rápido quanto poderiam. Os riscos dessa lentidão aumentam a cada dia que passa.

O bilionário, filantropo e ex-prefeito de Nova York entende que o problema é sistêmico. Se por um lado há a necessidade de reduzir as emissões para evitar os riscos climáticos, por outro, é preciso garantir que os mais afetados por elas não sejam, também, os mais prejudicados pelas externalidades decorrentes da transição econômica. Chegar a esse equilíbrio não é simples, e requer um olhar renovado para as inovações sociais e ambientais promovidas pela base da pirâmide, que passam despercebidas pelo mainstream econômico.

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Em meio a esse cenário complexo, uma guerra eclodiu na Europa. A invasão da Ucrânia pela Rússia adiciona mais um componente na equação: a dependência dos combustíveis fósseis. Para Bloomberg, a guerra evidencia os riscos econômicos e de segurança dessa dependência, que se somam às ameaças ambiental e de saúde pública do petróleo, já amplamente conhecidas e debatidas. É mais um motivo que leva o bilionário a demandar uma aceleração da transição para as energias renováveis.

Na semana da Assembleia Geral da ONU, que aconteceu em setembro em Nova York, a Bloomberg Philanthropies, sua organização filantrópica, sediou um evento focado em inovações sociais e ambientais oriundas e voltadas aos países em desenvolvimento: o Earthshot Prize Innovation Summit. O projeto foi idealizado pelo Príncipe William, e premia as melhoras ideias para combater as mudanças climáticas, o que inclui a superação da pobreza. A EXAME foi o único veículo de imprensa a participar do fórum, que reuniu celebridades, como o ator Matt Damon; outros bilionários, como o fundador da Microsoft, Bill Gates; e autoridades, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, e o ex-presidente do Banco Central da Inglaterra, Mark Carney.

Em suas aparições nos diversos palcos do evento, Bloomberg fez piadas – até bateu um papo com Oscar the Grouch, personagem resmungão do seriado infantil Vila Sésamo --, ressaltou por diversas vezes sua preocupação com a velocidade da transição energética e reconheceu que boa parte da luta contra as mudanças climáticas se dará nos países emergentes. Após o evento, Bloomberg aceitou responder algumas perguntas da EXAME. Essa é a entrevista:

A transição para a economia de baixo carbono está acontecendo. Não é a primeira vez que a humanidade enfrenta uma mudança na matriz energética e, sempre que isso acontece, surgem conflitos que terminam em guerra e miséria. O ESG surge, justamente, como uma maneira de pensar as mudanças econômicas de forma holística e evitar externalidades para garantir uma transição justa. Então, por que a Europa está em guerra?

A invasão da Ucrânia deixou claro que a dependência dos combustíveis fósseis é, não apenas um problema ambiental e de saúde pública, mas também um risco econômico e de segurança. Globalmente, não estamos progredindo tão rápido quanto poderíamos. Mais transparência e dados melhores vão nos ajudar a acelerar esse progresso e responsabilizar governos e empresas. Assim como acabar com subsídios e outras políticas que privilegiam os combustíveis fósseis. Também precisamos de parcerias mais fortes entre governos e o setor privado para identificar potenciais projetos de energia limpa e remover obstáculos que possam estar no caminho dos investimentos.

O mundo pós-pandemia seguirá globalizado, ou há uma tendência de retornar ao protecionismo e nacionalismo?

O aumento do comércio global é um dos principais motivos que fizeram a extrema pobreza desabar no meio século anterior à pandemia. O mundo nunca foi tão interconectado, e todos os grandes desafios que enfrentamos – do combate às mudanças climáticas à prevenção da próxima pandemia – requerem mais colaboração e cooperação. Ao mesmo tempo em que alguns governos nacionais recorreram a medidas protecionistas, outros grupos estão trabalhando em conjunto mais próximos do que nunca, especialmente as municipalidades. Cidades de todos os tamanhos, e em todos os continentes. Líderes municipais são avaliados por resultados, portanto, precisam fazer as coisas acontecer. Cada vez mais eles estão se unindo a redes, compartilhando ideias e estratégias e espalhando ideias que funcionam. Nossa fundação tem ajudado. Só para dar alguns exemplos, Fortaleza faz parte da nossa rede de combate a doenças não comunicáveis, que matam mais do que doenças infecciosas. Curitiba, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo são membros do C40, rede que aproxima cidades para combater as mudanças climáticas.

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As consequências das mudanças climáticas já podem ser sentidas. No mundo todo, eventos climáticos extremos, como secas e inundações, estão mais frequentes. O progresso das negociações climáticas globais, no entanto, parece seguir o mesmo ritmo há décadas: constante, mas lento. Como acelerar essas negociações e qual é o papel do setor privado nesse processo?

Após a ECO-92, no Rio de Janeiro, durante anos os governos nacionais eram os únicos com voz nas negociações climáticas, e pouco progresso foi feito em direção a um acordo global. Mas, em determinado momento, as cidades, os estados e as empresas fomentaram os avanços a partir do zero. Em Nova York, cortamos 13% das emissões em seis anos. Um número cada vez maior de cidades está agindo e, quando o fazem, mostram aos governos nacionais como o combate às mudanças climáticas e o crescimento econômico andam lado a lado. Mais e mais companhias estão progredindo na redução das emissões, também. Elas entendem os incentivos de agir e os riscos de não agir. Quanto mais empoderarmos cidades, estados e empresas, mais rápido chegaremos a uma economia de energia limpa. A ONU reconhece isso e encontrou maneiras para garantir que essas vozes sejam ouvidas nas negociações climáticas. O secretário-geral (Antonio Guterres) tem sido um grande defensor desse grupo, e eu tenho ajudado no meu papel de Enviado Especial da ONU.

Antes da invasão da Ucrânia, grandes investidores estavam fomentando a agenda ESG e direcionando recursos praticamente infinitos para as energias limpas. Agora, muitos falam em voltar para os combustíveis fósseis, inclusive o carvão. As emissões chegaram a níveis recordes. Trata-se de um reposicionamento em virtude de circunstâncias momentâneas, ou o financiamento da transição energética está sob risco?

O carvão está com os dias contados e a invasão da Ucrânia não vai mudar isso. As energias eólica e solar já são mais baratas que o carvão na maior parte do mundo e o preço das energias limpas continua a cair à medida que a tecnologia avança. A Bloomberg Philanthtopies, por meio da iniciativa Beyond Coal, ajudou a fechar dois terços das usinas a carvão dos Estados Unidos e metade da Europa. Vemos que é possível expandir o acesso a energia confiável e cortar emissões ao mesmo tempo, só não estamos nos movendo tão rápido quanto podemos. Para mudar isso, estamos trabalhando com os governos para aumentar a produção e energia limpa, incluindo o Brasil.

Dados melhores terão um papel importante para acelerar a transição. Ainda temos poucas informações sobre quanto as empresas emitem individualmente, por exemplo, e os dados que possuímos não são padronizados. Isso significa que os investidores não conseguem fazer comparações precisas e o público não pode cobrar o progresso das empresas.

Estamos trabalhando em algumas frentes para resolver isso. A Bloomberg ajudou a criar um comitê de líderes políticos e empresariais, por exemplo. Recentemente, esse comitê anunciou planos para lançar uma nova plataforma climática aberta, que estará disponível para investidores, reguladores, cientistas e o público em geral. Isso irá unir e padronizar os dados climáticos do setor privado pela primeira vez.

Ao mesmo tempo, a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) vem ajudando as empresas a medir os riscos e oportunidades que enfrentam a partir das mudanças climáticas. Empresários e investidores querem essas informações e os esforços são bem-recebidos. Cerca de 3.900 organizações endossam as recomendações da TCFD.

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Em nível local, muitas comunidades estão utilizando o poder da tecnologia para se organizar e promover mudanças. No Brasil, as favelas se tornaram um hub de inovação social, sendo chamadas de “a maior startup do país”. Como conectar essas forças locais de inovação e colaboração com o ecossistema das grandes empresas e investidores?

A filantropia tem um papel importante nisso. Nossa fundação criou uma competição, a Mayors Challenge, que convida cidades a propor novas ideias para grandes desafios. Diversas cidades brasileiras foram finalistas, e São Paulo ganhou o grande prêmio em 2016, com um programa que conecta pequenos produtores rurais a mercados e restaurantes, o que traz benefícios para o meio ambiente, a economia local e a saúde pública. Um dos critérios do prêmio é a possibilidade de replicar a ideia em outras cidades.

Também apoiamos o Earthshot Prize, criado pelo Príncipe William para estimular e apoiar a inovação no combate às mudanças climáticas. O primeiro grupo de vencedores está liderando novas abordagens para grandes problemas ambientais, da restauração de corais ao reflorestamento. Em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU, fizemos um seminário em Nova York para destacar os finalistas do prêmio e conectá-los a financiadores e oportunidades de escalar seus trabalhos.

Outra maneira de apoiar a inovação do zero é por meio da colaboração. Todos os anos, sediamos o Bloomberg New Economy Forum, conferência voltado à criação de parcerias entre fronteiras e os setores público e privado. Um dos líderes destacados pelo fórum é o Edu Lyra, CEO e cofundador da Gerando Falcões, organização focada no combate à pobreza no Brasil. Essa é uma oportunidade para apresentar o trabalho dele e de outros empreendedores e líderes do terceiro setor a uma audiência de líderes globais influentes.

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