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Erradicar os lixões, missão impossível?

Atualmente 60% dos resíduos coletados são depositados em aterros sanitários, o que assegura uma enorme redução nos impactos negativos que os resíduos poderiam causar ao meio ambiente e à saúde pública

Lixão no Distrito Federal (Marcello Casal Jr./ABr/Agência Brasil)

Lixão no Distrito Federal (Marcello Casal Jr./ABr/Agência Brasil)

Publicado em 15 de novembro de 2023 às 08h31.

A sociedade brasileira gera cerca de 80 milhões de toneladas de lixo por ano. Cada um de nós descarta cerca de 380 quilos de resíduos, em média, anualmente. Nas grandes aglomerações urbanas e nas pequenas e médias comunidades do interior, vemos que esses rejeitos são regularmente coletados nas portas de nossas casas, edifícios e empresas. Mas quase ninguém se pergunta aonde vai parar essa gigantesca massa de restos e detritos, nem qual é o tamanho da ameaça ao meio ambiente e à saúde pública se ela não tiver uma destinação ambientalmente adequada.

É assustador, mas cerca de 40% de todos esses resíduos ainda vão parar em lixões, nos quais não há nenhum controle ambiental ou sanitário. Sem qualquer tratamento, o lixo em decomposição se torna fonte de doenças, contamina o solo, lençóis freáticos e os rios. Além disso, a deterioração dos resíduos libera na atmosfera grande volume de metano (CH4), poderoso gás de efeito estufa. Estima-se que existem atualmente no Brasil cerca de 3 mil lixões e a eliminação dessas chagas deve estar no centro da política de saneamento básico da União, Estados e Municípios.

Considerando-se o que há de mais avançado na tecnologia, o destino ambientalmente mais adequado para o lixo é o aterro sanitário. Os aterros sanitários são complexas obras de engenharia, previamente submetidos à aprovação dos órgãos ambientais, que impermeabilizam o solo, tratam o chorume e permitem a disposição segura dos resíduos. Neles também é possível a captura do gás metano e sua transformação em biometano, que substitui fontes fósseis de energia e contribui para a descarbonização da economia.

Atualmente 60% dos resíduos coletados são depositados em aterros sanitários, o que assegura uma enorme redução nos impactos negativos que os resíduos poderiam causar ao meio ambiente e à saúde pública.

O Estado brasileiro tem mandado sinais trocados em relação ao manejo ambientalmente inadequado dos resíduos sólidos. Por um lado, leis como a Constituição Federal, a Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei de Diretrizes para o Saneamento Básico e a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelecem direitos e obrigações para a gestão de resíduos considerando sua relação com o meio ambiente, a política urbana e a saúde pública. Por outro lado, vem surgindo uma miríade de textos legislativos que desconsidera completamente as características de mitigação ambiental do setor de resíduos.
Como primeiro exemplo, posso citar o Projeto de Lei do Senado n.º 412/2022, que busca regulamentar o mercado de créditos de carbono no Brasil e tem a louvável intenção de reduzir emissões de gases de efeito estufa sob uma perspectiva econômica. Este projeto de lei promove uma lógica inversa quando mistura aterros sanitários e cimenteiras no conjunto de segmentos econômicos regulados.
Nosso setor contribui para uma expressiva redução dos danos causados à saúde e ao meio ambiente pelo descarte irregular de resíduos e, dessa forma, seria lógico o direito a créditos de carbono proporcionais a esse serviço de mitigação prestado à natureza e à sociedade. Note-se a injustiça, a gestão adequada de resíduos reduz as emissões de gás de efeito estufa que o lixo gerado por terceiros produziria se não fosse tratado em nossos aterros sanitários; no entanto, no texto do projeto de lei, o setor pode ser impelido a comprar créditos de carbono, aumentando o custo da gestão dos resíduos.
Outro exemplo se encontra nos textos preliminares da Reforma Tributária, pois traziam o risco de elevação da carga de impostos do setor, o que nos levou a fazer um enorme esforço de persuasão e convencimento para mostrar que esse cenário iria provocar um aumento nos custos de nossos serviços para os municípios e para os contribuintes. Se o serviço ambientalmente adequado no manejo dos resíduos ficar mais caro, a consequência inevitável será a sobrevida dos lixões, que poderão até ter seu uso incentivado. Por isso, preconizamos que nosso setor, que faz parte do sistema de saneamento básico brasileiro, seja enquadrado na mesma alíquota que o setor de saúde.

Com o apoio do Senado Federal, que já sinaliza considerar o setor de resíduos de maneira diferenciada, esperamos que esse debate seja aprofundado nas próximas etapas da tramitação para que a contribuição ambiental e social dos aterros seja reconhecida.

A falta de clareza nas instâncias formuladoras pode impor penalizações injustas ao nosso setor ao tratá-lo como se fosse uma indústria poluidora, obrigando-o a comprar créditos de carbono ou condenando-o à mesma carga tributária de atividades prejudiciais à natureza e à saúde. Isto traria mais custos para a proteção ambiental e incentivos para o descarte irregular em lixões.

Diante de adversidades como essas, é inevitável perguntar: erradicar os lixões é missão impossível?!

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