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Da frota elétrica ao mercado global: como Manaus quer monetizar sua descarbonização

Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas será enviado à Câmara na próxima semana e capital dá pontapé inicial em bolsa de carbono que mira captar US$ 500 milhões até 2028

Manaus (Divulgação)

Manaus (Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 3 de dezembro de 2025 às 17h15.

Última atualização em 3 de dezembro de 2025 às 17h17.

Manaus está desenvolvendo um mecanismo financeiro inédito entre capitais brasileiras: transformar cada ônibus elétrico que circular pelas ruas, cada painel solar instalado em prédio público e cada rio despoluído em ativo econômico no mercado internacional de carbono.

O Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas, que será enviado à Câmara Municipal na próxima semana, é o instrumento legal dessa estratégia e propõe um modelo de negócio que permite à cidade amazonense "vender" sua transição sustentável e a transformar em uma agenda econômica. 

Segundo a prefeitura, um inventário técnico de emissões de gases de efeito estufa com metodologia reconhecida internacionalmente passa a garantir a rastreabilidade e credibilidade para negociar os créditos de carbono da urbanização "da mesma forma que projetos de preservação florestal já fazem há anos na Amazônia no mercado voluntário".

"Com base em dados precisos e verificáveis, queremos monetizar nossas ações de descarbonização. Manaus tem vocação para ser laboratório da nova economia climática, integrando floresta e urbano", destacou o prefeito, David Almeida.

Visando dar segurança a investidores e compradores de créditos, Manaus estruturou uma arquitetura legal robusta.

++ Leia mais: Belém e Manaus enfrentam ilhas de calor até 10 °C acima da temperatura da floresta amazônica

O plano climático será institucionalizado por lei municipal, garantindo continuidade independente de mudanças políticas. Atualizações técnicas poderão ser feitas por decreto, sempre baseadas em estudos qualificados, sem travar em disputas legislativas.

A cidade também integrou sua agenda climática a outros instrumentos estratégicos: o Plano Municipal de Bioeconomia e projetos com Banco Mundial, IFC e BNDES, dando um sinal ao mercado que "há governança de longo prazo".

O que vira ativo financeiro

Manaus identificou quatro frentes principais com potencial de gerar créditos de carbono certificados:

Mobilidade urbana - Ampliação da frota de ônibus elétricos, veículos movidos a biometano e renovação para padrão Euro 6. Cada tonelada de CO₂ não emitida em comparação com a frota diesel atual pode ser contabilizada e vendida.

Energia limpa - Expansão de painéis solares fotovoltaicos em prédios públicos, escolas, postos de saúde e na iluminação urbana. A geração distribuída reduz dependência da rede e gera créditos pela energia limpa produzida.

Gestão de resíduos - Captura e reaproveitamento de biogás em aterros sanitários e no tratamento de resíduos sólidos. O metano capturado é um gás com potencial de aquecimento 25 vezes maior que o CO₂ e vira crédito de alta qualidade.

Recuperação ambiental urbana - Revitalização de igarapés, nascentes e áreas verdes degradadas. Além de capturar carbono, esses projetos podem gerar créditos por restauração de ecossistemas.

Bolsa de carbono mira US$ 500 milhões

A estratégia de Manaus ganha escala com o lançamento recente da Bolsa de Créditos de Carbono da Amazônia, desenvolvida em parceria com a B3 e o Banco Mundial [grifar]com a meta de captar US$ 500 milhões até 2028.

A proposta criaria uma plataforma única que comercializa tanto créditos florestais (REDD+, conservação) quanto créditos urbanos (infraestrutura sustentável).

Na prática, isso significa que a mesma região pode "vender" a preservação da floresta e a descarbonização no centro urbano,  dobrando o potencial da transição para uma economia de baixo carbono e transformando Manaus em um hub da economia climática regional.

O mercado global de carbono movimentou US$ 949 bilhões em 2023 e deve crescer exponencialmente com a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece as regras para comércio internacional de créditos.

Até agora, mercados de carbono se concentram em grandes projetos industriais ou florestais de forma voluntária. No final de 2024, o Brasil aprovou seu mercado regulado, que deve começar a operar nos próximos 4 anos. 

Seca histórica acelera urgência do plano

A urgência do plano climático de Manaus não é à toa: a população já sente na pele os piores efeitos da crise climática. 

Em 2024, a capital enfrentou uma seca recorde, quando o Rio Negro atingiu um recorde histórico de baixa. A estiagem afetou 745 mil pessoas na bacia amazônica, com chuvas de 30% a 40% abaixo da média entre abril e setembro. Em julho, o Amazonas bateu recorde de focos de incêndio enquanto os níveis dos rios despencavam.

Agora, a cidade quer transformar essa vulnerabilidade em oportunidade econômica e não só como resposta aos eventos extremos.

Como vai funcionar

Para que um projeto urbano gere créditos negociáveis internacionalmente, precisa seguir protocolos rígidos:

  1. Adicionalidade - Provar que a redução de emissões não aconteceria sem o projeto;
  2. Mensuração - Quantificar exatamente quanto CO₂ foi evitado ou capturado;
  3. Monitoramento - Sistema contínuo de verificação;
  4. Certificação - Validação por auditores independentes reconhecidos internacionalmente;

O inventário de emissões é a base dessa estrutura. Especialistas reforçam que sem dados confiáveis sobre quanto a cidade emite hoje, é impossível comprovar reduções futuras. Sem a comprovação, não há crédito que se sustente no mercado.

Se bem-sucedida, o modelo pode servir de exemplo para outras cidades amazônicas financiarem sua transição sustentável e passarem a gerar receita própria por meio dos resultados de suas políticas ambientais.

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