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Como fazer a retificação de nome e gênero para pessoas transsexuais

A identidade e a expressão de gênero, quando retificada, não é constituída pelo Estado. Trata-se de um reconhecimento de direito: é a pessoa trans, como cidadã, no comando da sua vida

Bandeira do orgulho transexual (nito100/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2022 às 08h00.

*Por Daniela Freitas

O direito a felicidade é um princípio implícito na Carta Constitucional de 1988 e positivado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento que garante, desde 2018, que as pessoas transgênero requeiram em cartório a retificação de nome e gênero, independentemente de cirurgia de redesignação ou realização de tratamentos hormonais.

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É importante deixar claro que a identidade e a expressão de gênero, quando retificada, não é constituída pelo Estado; não é o Estado que determina o gênero e o nome da pessoa transgênero. Trata-se, simplesmente, de um reconhecimento de direito: é o cidadão no comando da sua vida.

A constituição de uma identidade pertence exclusivamente à personalidade da própria pessoa, que, ao assinar o requerimento extrajudicial, manifesta publicamente que o gênero constante em seu registro de nascimento não coincide com a sua identidade auto percebida e vivida.

Trata-se de uma grande vitória da sociedade como um todo, afinal o movimento LGBTQIA+ levanta pautas sociais que enobrecem o diálogo pela educação, conscientização, resistência na luta por direitos, respeito e representatividade, entre inúmeros outros benefícios que seria impossível tratar sem lugar de fala.

No entanto, como advogada especialista em registros públicos, posso garantir que o reconhecimento do direito para fins de cidadania vai muito além dos limites individuais das pessoas acolhidas pelo regramento, o qual garante sua identidade e expressão de gênero.

Processos e valores para solicitação de retificação

Qualquer cartório de registro civil pode receber a documentação e encaminhar, de forma totalmente digital, para a serventia onde foi lavrado o assento de nascimento da pessoa.  Mas, de forma geral, a melhor forma de recorrer é diretamente no cartório onde foi lavrada a certidão de nascimento do indivíduo.

O custo a ser pago para o Registro Civil de Pessoas Naturais na cidade de São Paulo para fazer a retificação de nome e gênero é de R$ 162,74 (cento e sessenta e dois reais e setenta e quatro centavos). Caso o solicitante prefira enviar a documentação por outra serventia, o valor a ser pago será dobrado, pois ambos os cartórios serão responsáveis por qualificar o requerimento e a documentação.

Além deste valor, o requerente precisará apresentar certidões de protesto do local de residência dos últimos 5 anos. A cidade de São Paulo conta com dez cartórios de protestos, por exemplo, portanto seriam dez certidões ao custo de R$ 15,80 (quinze reais e oitenta centavos) cada. O que ocorre é que cada cidade tem um número de cartório de protestos diferente, e o valor das certidões e da retificação pode mudar dependendo da alíquota de ISS aplicado ao município.

Documentação

O procedimento requer que todos os documentos pessoais, inclusive passaporte (se houver) sejam descritos e apresentados em cópia. Os documentos a serem apresentados são os seguintes:

Não é possível alterar o sobrenome no mesmo procedimento. O provimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 73/2018 visa, exclusivamente, a retificação de prenome e gênero, baseado no artigo 58 da lei 6.015, conforme decidido na ADI 4.275, fundamentado pela dignidade da pessoa humana.

Motivos e provas para solicitação não são obrigatórios

Não cabe ao Cartório, por qualquer dos seus prepostos, questionar os motivos ou solicitar qualquer prova, seja médica, psicossocial ou documental que comprove o gênero com o qual a pessoa transgênero se identifica. Nenhuma informação sobre a retificação de nome e gênero deve constar em certidões, nem tão pouco o nome e o gênero alterados, salvo por solicitação da própria pessoa ou por determinação judicial. Nesta situação, deverá constar todo o conteúdo registral.

Direitos e deveres após retificação

Após a  emissão da certidão retificada, o solicitante deve, imediatamente, providenciar a alteração nos demais registros de documentos pessoais que direta ou indiretamente tenham relação com a sua pessoa. No entanto, caso tenha filhos, a averbação da certidão de nascimento destes dependerá de concordância de ambos os pais ou dos filhos, se maiores de 18 anos.

A questão da retificação de nome e gênero não se encerra com o cumprimento da lei. Existe um universo de questões legais, sociais e de saúde pública envolvendo gênero que se desencadeiam a partir do reconhecimento da cidadania da pessoa trans. Como exemplo, podemos refletir sobre questões previdenciárias, a idade mínima para se aposentar, laços familiares anteriores à retificação, responsabilidades e direitos que envolvam terceiros, e outras questões sobre as quais a sociedade precisa evoluir para que exista equidade de gênero.

A questão da parentalidade anterior a mudança de nome e gênero envolve o direito de família, afinal um filho que nasceu em uma unidade familiar homem e mulher pode ter retificado o seu registro para uma unidade familiar onde os dois genitores tenham o mesmo sexo, e mesmo que o provimento do CNJ preveja que precisa haver concordância de ambos os genitores, a questão não se encerra com a negativa do outro genitor, afinal, direitos e garantias do menor podem estar em jogo, assim como o próprio exercício da parentalidade.

É impossível exercer o poder parental sem o registro civil atualizado do menor, desta forma a tríade fica entre a vontade do antigo cônjuge que se mostra intolerante, a segurança e os direitos do menor que tem os dois genitores vivos, presentes e dispostos a compartilhar os direitos e deveres como pais e mães, independente de seus nomes e gêneros, e o direito à autodeterminação da pessoa trans.

Uma grande conquista da pessoa trans foi a nova categorização pela OMS (Organização Mundial de Saúde) da transexualidade, que antes era considerada doença mental e, desde 2019, passou a ocupar o rol da “Saúde sexual”,  classificada como “incongruência de gênero”.

A manutenção da transexualidade no rol da OMS garante o acesso às intervenções como cirurgias e terapias, cobertas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), para aqueles que assim precisem. No entanto, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, ninguém mais precisa se submeter a cirurgia de redesignação ou tratamentos hormonais, se não for de sua livre vontade, para ter direito a sua personalidade, incluindo o nome e o gênero com o qual se identifica.

*Daniela Freitas Gentil é advogada especialista em serventia extrajudicial.

 

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