Mulher negra empreendedora (Vladimir Vladimirov/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 10 de dezembro de 2022 às 08h01.
Em 2015, Viola Davis se tornou a primeira mulher negra a vencer um Emmy de melhor atriz. Criada em 1949, a premiação foi um marco para a indústria do entretenimento e se tornou ainda mais emocionante graças ao célebre discurso da atriz: “a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem”.
A forte fala de Davis sintetiza bem, não só como as mulheres sempre foram marginalizadas no momento de ocupar uma posição de destaque perante uma sociedade machista e patriarcal, mas principalmente como essa realidade é mais complicada para mulheres negras, LGBTQIA+ e com deficiência, que ainda convivem com outras formas de discriminação estrutural que circundam o nosso social.
E se existe um setor que deixa essa realidade totalmente evidenciada é o do empreendedorismo. No último mês de novembro, comemoramos o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino e o Dia da Consciência Negra, porém o que se vê é uma lacuna gigantesca no protagonismo desses personagens dentro do setor.
Prova disso foi exposta pelo estudo “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”, produzido pelo Ethos, que apontou que as mulheres negras ainda são figuras raras nos cargos executivos e da alta liderança do mercado, ocupando apenas 1,6% dos espaços de gerência e 0,4% do quadro executivo dessas companhias. Isso quer dizer que entre os 548 executivos no estudo, apenas duas mulheres negras faziam parte do grupo.
É interessante notar ainda que, por outro lado, um estudo publicado pelo Sebrae, em 2018, revelou que as mulheres negras representam metade das empreendedoras no âmbito nacional, porém retratam uma maior proporção de informalidade e alcançam uma remuneração consideravelmente inferior em comparação com as empreendedoras brancas.
Esses dados expõem uma realidade complexa dentro do país, onde muitas dessas mulheres, na verdade, acabam não conseguindo encontrar oportunidades dentro do mercado de trabalho formal e partem para o empreendedorismo como uma necessidade - e não por oportunidade.
A motivação por trás desse cenário se dá principalmente por um fator: a discriminação. E no caso das mulheres negras, essa discriminação ocorre de forma ainda mais grave, já que envolve atravessamentos de gênero e também racial. Ou seja, a interseccionalidade destas duas características, também chamadas marcadores sociais, deixa os obstáculos ainda maiores.
O reflexo desse problema é facilmente detectado nos estudos que levantam informações sobre o mercado de trabalho. De acordo com uma pesquisa de 2014 da Universidade de Harvard e do MIT, homens têm 60% mais chances de obter sucesso em competições de pitch do que mulheres. Os pesquisadores identificaram ainda que, mesmo quando as oportunidades de investimento são idênticas, 68% dos investidores preferem aquelas apresentadas por vozes masculinas.
Como se já não fosse suficiente encontrar obstáculos de gênero, a mulher negra acaba ainda encarando dificuldades para financiar seu negócio graças às questões raciais. Um estudo publicado em parceria pelo Sebrae e FGV, em 2021, mostra que o número de empresárias negras que tiveram empréstimos negados é 50% superior em relação às empreendedoras brancas.
Todos esses dados evidenciam a necessidade de movimentos e transformações imediatas da sociedade, sobretudo no sentido de encontrar meios de fomentar a maior representatividade das mulheres negras no empreendedorismo nacional. Um primeiro passo importante nesse sentido é assegurar estímulos para que aconteçam ações intencionais afirmativas visando a potencialização de sua representatividade neste grupo.
Felizmente, o mercado começa a implementar práticas que assumam essa finalidade. Um exemplo disso são os casos de grandes empresas que criam programas de open innovation com foco em diversidade, priorizando parcerias com startups lideradas por grupos minorizados. Vale destacar também os movimentos que algumas companhias têm feito para fomentar o incentivo à diversidade, principalmente por meio da flexibilização nos critérios de cadastros e formas de pagamento de pequenos empreendedores, além de dar preferência para eles no momento de definir a contratação dos fornecedores.
Entretanto, por mais que essas ações sejam extremamente importantes para dar maiores oportunidades às mulheres negras no cenário do empreendedorismo, não basta apenas o mercado corporativo se engajar com o tema. É necessário também uma postura mais efetiva por parte do poder público no sentido de criar ferramentas de incentivo para contribuir não apenas na inserção, mas também na preparação das mulheres negras para o mercado.
Além disso, ações que encorajem o acesso ao crédito ou financiamento para essas empreendedoras, equilibrando uma balança que hoje se mostra ainda muito desigual, são fundamentais para estimulá-las a abrir seu negócio de forma consciente e por uma questão de propósito.
Somente com a iniciativa pública e privada remando na mesma direção, teremos chances de ver um número muito maior de mulheres negras liderando empresas nos próximos anos.
*Débora Montibeler é consultora especialista em D&I na Blend Edu, a principal HRtech e ESGtech especializada em diversidade e inclusão do Brasil. Com experiência na área de gestão da diversidade, psicologia e pesquisa de mercado, atua diretamente nos projetos de consultoria e treinamento da startup.