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Cena de árvores caídas em São Paulo foi comum nesta quinta-feira (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Repórter de ESG
Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 14h15.
Última atualização em 11 de dezembro de 2025 às 15h09.
Árvores caídas, faróis desligados, milhares sem luz e estragos em infraestruturas. Este foi o retrato de São Paulo após a passagem de um ciclone extratropical que deixou um rastro de destruição e expõe uma nova realidade climática no Brasil.
O fenômeno, que começou a afetar a região Sul no início da semana, e se intensificou ao passar pelo Sudeste, atingiu seu ápice na capital paulista na quarta-feira, 10, com rajadas de vento que chegaram a 100km/h e foram consideradas recordes.
André Castro Santos, geógrafo e diretor técnico da LA CLIMA, explica que este tipo de evento extremo não era comum no Brasil e o último registro de grandes proporções aconteceu há mais de 20 anos.
"Agora, estamos tendo uma série deles e terão mais. Os ciclones serão 'novo normal' e as cidades precisam estar preparadas", destacou.
Durante a COP30, um tornado devastador no Paraná já ligou o alerta: é preciso investir em resiliência e adaptação climática.
Segundo o especialista, o ciclone extratropical é chamado assim por se formar abaixo da linha do Trópico de Capricórnio — é tecnicamente uma zona de baixa pressão, com ar quente subindo em espiral devido ao movimento de rotação da Terra.
"O aquecimento global faz com que tenha mais energia no sistema da Terra. Os gases de efeito estufa retêm o calor e isso intensifica esses fenômenos", explicou.
O geógrafo detalha que é justamente na borda do ciclone onde o vento está mais forte, por causa do movimento circular que faz o ar percorrer uma distância maior na mesma velocidade.
Este ar em movimento também carrega umidade, especialmente quando passa pelo oceano, o que pode resultar em chuvas intensas nos dias seguintes e com possíveis novos impactos.
A capital paulista foi particularmente afetada por uma vulnerabilidade estrutural: a fiação elétrica externa nas ruas.
"É por isso que sofremos tanto com o vento, a árvore cai em cima do fio e aí a transmissão elétrica fica toda prejudicada", apontou André.
A solução, segundo o especialista, passa por medidas como enterrar a fiação — algo comum em diversas cidades do mundo.
"Quando regiões mais periféricas contarem com o fio enterrado, vamos entender que o negócio está sendo levado a sério", afirmou o especialista.
Paradoxalmente, os bairros mais arborizados são geralmente os mais 'nobres' e foram os mais afetados pelas quedas de energia.
Mas o especialista reforça: a solução não é retirar árvores, pois este ecossistema natural é essencial para resfriar os centros urbanos garantindo conforto térmico e sombra em meio ao concreto.
Para André, há um desafio político para que se invista mais efetivamente em adaptação: a invisibilidade dos resultados.
"A mitigação, a exemplo da transição energética ou mesmo quando você coloca um ônibus elétrico, é algo visual e 'bonito'. Já as medidas de adaptação não trazem essa visibilidade. Você está evitando algo que ainda não aconteceu", frisou.
Por outro lado, essas ações para tornar as cidades mais resilientes são urgentes: a própria tradicional garoa paulistana desapareceu, substituída por eventos extremos.
O geógrafo também destaca que São Paulo carrega problemas históricos de planejamento urbano. A cidade foi construída ignorando seus rios, muitos dos quais foram enterrados — como o que correria sob a Avenida 23 de Maio.
Nestes casos, outros eventos extremos como tempestades se tornam um grande problema e podem levar a inundações.
Além disso, a impermeabilização massiva com asfalto impede a absorção natural da água, que escorre para pontos mais baixos.
"Com as mudanças climáticas intensificando as chuvas, esses desafios tendem a se agravar", disse.
Diferentemente de eventos climáticos anteriores, que afetavam principalmente as periferias, o ciclone desta semana atingiu toda São Paulo.
Ao menos 12 parques da capital e da Região Metropolitana foram fechados temporariamente, seguindo protocolos de segurança que preveem o fechamento quando há ventos acima de 40 km/h.
Pelo menos 2,2 milhões de pessoas ficaram sem luz — recorde do ano no estado —, provocando 1.327 chamados para quedas de árvores e afetando 198 voos nos aeroportos de Guarulhos e Congonhas.
Além dos prejuízos com energia elétrica e voos cancelados, a infraestrutura urbana sofreu danos generalizados, expondo a fragilidade da cidade.
O Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) emitiu alertas meteorológicos em nove estados das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste.
Os números corroboram o alerta. Segundo estudo divulgado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica durante a COP30, os desastres climáticos causados por ciclones, frentes frias e ondas de frio no Brasil aumentou 19 vezes nas últimas três décadas.
As ondas de frio representam 54% dos casos (218 registros), seguidas por ciclones (38%, 156 registros) e frentes frias (8%, 33 registros).
"A superfície do mar mais quente, em um estado que chamamos de oceano febril, libera mais calor e umidade, alimentando e intensificando esses sistemas e provocando ventos e chuvas cada vez mais fortes", explicou Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Unifesp e integrante da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).