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Austrália receberá primeiros refugiados climáticos do mundo em 2026

Tratado com Tuvalu inaugura nova era para soberania e migração em meio à emergência ambiental planetária

Tuvalu: com apenas 11 mil habitantes, o arquipélago do Pacífico é ameaçado pela elevação dos oceanos e testa nova definição de soberania. (Getty Images/Getty Images)

Tuvalu: com apenas 11 mil habitantes, o arquipélago do Pacífico é ameaçado pela elevação dos oceanos e testa nova definição de soberania. (Getty Images/Getty Images)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 14h04.

A Austrália se prepara para receber, em 2026, os primeiros refugiados climáticos oficialmente reconhecidos do mundo. Eles virão de Tuvalu, pequeno país insular do Pacífico com apenas 11 mil habitantes, cuja existência está ameaçada pela elevação do nível dos oceanos.

Um acordo bilateral assinado em 2023, o Tratado da União Falepili, permite que centenas de tuvaluanos migrem permanentemente para território australiano a cada ano, estabelecendo um precedente histórico que pode redefinir conceitos fundamentais de soberania nacional e cidadania num planeta em aquecimento

A primeira seleção foi feita por meio de um sorteio e contemplou um terço proveniente do próprio arquipélago e tuvaluanos que já vivem em outros países.

Um laboratório para o futuro

Localizada no meio do caminho entre a Austrália e o Havaí, Tuvalu tem sido vista como um teste prático para as respostas governamentais à emergência migratória causada pelas mudanças climáticas.

Tradicionalmente, o direito internacional exige que uma nação soberana tenha população permanente vivendo em território claramente delimitado.

Mas o arquipélago negociou um tratado inovador: mesmo perdendo seu território físico para as águas, manterá seu voto nas Nações Unidas e sua vasta zona econômica exclusiva - uma área rica em atum que sustenta o orçamento nacional.

Até agora, cerca de 25 países, incluindo Austrália e Nova Zelândia, reconheceram essa nova definição de soberania. Porém, a resistência permanece forte entre grandes potências pesqueiras, que questionam se Tuvalu poderia manter controle sobre suas águas territoriais caso perca o território físico.

A opinião legal internacional vem se movendo a favor dessa tese. Em junho, a Comissão de Direito Internacional da ONU declarou que Estados devem manter sua condição mesmo se submersos.

Contudo, frotas estrangeiras pagam aproximadamente US$ 30 milhões anuais em licenças de pesca, principal fonte de receita tuvaluana. E isso torna a disputa particularmente sensível do ponto de vista financeiro.

O contexto global da crise

Três em cada quatro pessoas vivem em países com exposição alta a extrema aos riscos climáticos. Na última década, desastres ambientais causaram cerca de 250 milhões de deslocamentos internos, o equivalente a 70 mil por dia.

Sejam inundações no Sudão do Sul e no Brasil, calor recorde no Quênia e no Paquistão, ou escassez de água no Chade e na Etiópia, eventos extremos em todo o planeta estão levando comunidades já frágeis ao colapso

Essas conclusões constam no relatório "No Escape II: The Way Forward" da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), lançado durante a COP30, em Belém.

Estudos realizados a partir de diversos episódios revelam que as áreas acima citadas enfrentam atualmente uma média de 100 dias de calor extremo por ano; com projeções de que esse número pode dobrar até 2050.

Paradoxalmente, enquanto as emergências se ampliam, a ajuda humanitária diminui. Até 2024, a Acnur recebia cerca de US$ 5 bilhões anuais dos países doadores. Em 2025, esse valor caiu para US$ 3,5 bilhões. Os Estados Unidos cortaram fluxos financeiros e outras nações os seguiram.

Mulheres e crianças são os mais afetados. Menores de idade representam cerca de metade dos refugiados, e 10% sofrem de desnutrição grave.  Menos de 50% frequentam escolas, comparado a quase 90% na população mundial.

Frequentemente, as famílias deslocadas são acolhidas em regiões tão expostas à crise ambiental quanto seus locais de origem. O caso sudanês ilustra a gravidade da situação. Após quase três anos de guerra violenta, pelo menos 12 milhões de pessoas foram forçadas a fugir.

Desse total, aproximadamente 4 milhões buscaram refúgio em países vizinhos. O Chade recebeu mais de 1 milhão nos últimos dois anos, apesar de ser um dos quatro países mais pobres do planeta.

Essas populações estão migrando para áreas altamente expostas a secas e inundações. Precisam de alimentos, remédios e abrigos, mas se encontram novamente em situação perigosa, visto que as comunidades anfitriãs enfrentam as mesmas vulnerabilidades ambientais.

Dilemas do tratado

Além da migração, o Tratado da União Falepili contém uma cláusula de segurança exigindo que Tuvalu busque aprovação australiana antes de firmar acordos militares com outros países.

Isso reflete a rivalidade entre Austrália e China no Pacífico. A cláusula gerou desconforto, levando a um memorando explicativo esclarecendo que o arquipélago pode suspender provisões ou terminar o tratado caso haja abuso.

Outros países insulares observam atentamente. À medida que as águas sobem, governos precisam pesar os benefícios de garantir a segurança de seus cidadãos no exterior contra o risco de esvaziar instituições nacionais e perder patrimônio cultural em casa.

Se a experiência de Tuvalu for bem-sucedida, pode abrir caminho para que outras nações insulares ameaçadas, como Kiribati, Ilhas Marshall e Maldivas, negociem acordos similares.

Uma questão que deixa de ser apenas sobre migração, para abranger própria sobrevivência da ideia de soberania numa era de emergência ambiental planetária.

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