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A governança da vitalidade e do ânimo

A motivação é uma premissa da vida, ou algo que se esgota? Talvez as empresas devam trabalhar a vitalidade dos funcionários como uma energia renovável

O ambiente de trabalho deve oferecer aos colaboradores caminhos de preservação e renovação da vitalidade, que eles contribuem e agregam à empresa (Klaus Vedfelt/Getty Images)

O ambiente de trabalho deve oferecer aos colaboradores caminhos de preservação e renovação da vitalidade, que eles contribuem e agregam à empresa (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 27 de março de 2023 às 13h48.

Última atualização em 27 de março de 2023 às 14h14.

Hoje, aos que estão vivos em 2023, a vida traz a possibilidade de mudança, de melhoria. Em meio a tantas confusões passadas e presentes, precisamos reencontrar o fio da meada na direção do futuro, reencontrar o ânimo, reativar a vitalidade.

Já faz alguns anos que os climas andam estranhos: pandemia, guerras, agressividades, distanciamentos, instabilidade climática etc. Fala-se muito em revitalização, da cidade, da economia, das empresas, do Brasil. Muitos de nós vamos acumulando a sensação de que estamos exaustos, exauridos, numa epidemia de variados graus de burnout.

Essa sensação coletiva de exaustão foi captada por Byung-Chul Han em 2010, destacando os vários fronts de avanços e retrocessos hiperativados na era digital. O seu livro Sociedade do Cansaço alertava para uma perda de vitalidade coletiva, sem que então pudesse antever os anos tão cansativos que se seguiriam, multiplicando a desvitalização de tantos ânimos.

Querendo ou não, a vitalidade é um tema central da nossa estratégia de vida, uma condição sine qua non para a continuidade da vida. Assim ocorre na vitalidade do indivíduo, da família, da empresa, do país, do planeta.

Quando há a sensação de inação, estagnação, é o movimento, o exercício, que vai gerar a revitalização. Contudo, antes de iniciar o movimento, não sentimos ter a vitalidade física iniciadora. Mas precisamos ir encontrá-la, no que resta de nossa vitalidade emocional. É ali que pegaremos impulso no fundo do poço, botando o corpo em movimento e, com isso, colocando o motor da saúde física em ação novamente.

A fluidez da vitalidade

A vitalidade é fluida, um conjunto de fluxos de saúde física, mental e relacional. Ocorre assim também na vitalidade empresarial, no conjunto dos fluxos do “EESG”, fluindo entre as vertentes social, ambiental, econômica e de governança da empresa, com a ênfase adicionada por Sônia Consiglio.

Há décadas, passei a recorrer a sessões de acupuntura quando sentia um desconforto físico-motivacional. Numa viagem, fui atendido por uma médica chinesa idosa. Perguntou-me a dor, que descrevi. A sua síntese prescritiva me marcou: reequilíbrio do Chi, a energia vital. No histórico discurso de posse do ministro da Cultura Gilberto Gil em 2003, foi proposto acender o país com um “do-in antropológico”. Sim, de novo agora, é preciso harmonizar pontos energéticos coletivos.

Qual é a força que te move, que te faz dar a partida, se mover? O seu propósito, a sua motivação? Qual o seu ânimo, a sua “anima”, o seu sopro de vida, aquele que transformou um boneco de barro (um robô?) em uma pessoa? O sopro, a chama, que nos faz querer continuarmos vivos, reativando a chama da vitalidade que nos ativa a cada manhã. O que te anima a trabalhar, a se relacionar, a agir, a conviver?

Na pandemia, Maria Homem publicou o seu livro Lupa da Alma – Quarentena-Revelação. Abordando o desafio global de saúde mental, mostrou como a pandemia obrigou todos a refletirmos sobre a perspectiva do fim da nossa vitalidade, o fim da nossa vida, o fim da nossa vida como vivíamos. Cada um reagindo a isso à sua maneira, no seu momento de vida, no seu ritmo, mas todos reagindo simultaneamente, no mesmo tempo global.

Antes da pandemia, o mundo parecia acreditar que a vitalidade coletiva era dada como certa (taken for granted), como uma premissa no modo de vida coletivo. Trabalhava-se a vida útil toda, num emprego de horário integral fora de casa, até a chegada dos anos de aposentadoria, que antecederiam a chegada da morte idosa.

Porém, a pandemia bagunçou essa premissa globalizada e impôs uma pausa coletiva para reflexão sobre a finitude da vida, e um movimento coletivo de instabilidade quanto à continuidade vital. Vivemos hoje o rescaldo desse solavanco global, reaprendendo que a vida é uma combinação de movimentos e de pausas.

No contexto empresarial, essa situação confusa é multiplicada por um desencaixe entre as expectativas da atual geração C-Level e práticas e desejos das gerações millennial e Z. Está na pauta o quiet quitting ("desistência silenciosa") das novas gerações, em contraponto ao drive yuppie de tempos agora distantes.

Nessa atualização, é útil abrir os ouvidos para reflexões inovadoras das novas gerações. Em sua obra Como Descansar o Indescansável? Pequeno Manual de Autocuidado para Corpos Esgotados, Danilo Patzdorf alerta que “se não imprimirmos alguma resistência aos modos de viver capitalistas, nossa energia vital será impiedosamente drenada pelo trabalho, pelas telas e pelas dívidas.” Propõe uma análise inovadora quanto a “causas macropolíticas que compõem o corpo esgotado, o corpo sedentário, o corpo distraído e o corpo carente que nos habita no contexto globalizado-digitalizado das grandes cidades.”

Energia renovável

Talvez a empresa deva passar a perceber a vitalidade profissional como uma energia renovável e não mais como um combustível extraído de um colaborador, rumo a ser descartado e fossilizado. A relação com o trabalho não pode ser apenas extrativista da vitalidade, em troca da sobrevivência. O ambiente de trabalho deve oferecer aos colaboradores caminhos de preservação e renovação da vitalidade, que eles contribuem e agregam à empresa. Em tempo de ChatGPT, as pessoas não são e não querem ser tratadas como robôs.

A meta é a vitalidade raiz, sem confundi-la com a superficialidade das aparências fakes de vitalidade e ânimo, postadas em redes sociais ou aditivadas em excessos de suplementos, próteses e reposições.

Se a empresa é um coletivo de pessoas, há também empresas cansadas. Precisam de revitalização empresarial, de algum tipo de turnaround, que renove seu ânimo, atualize e reafirme a sua razão de existir, seu propósito. Muitas companhias ocupam o seu centro de decisões estratégicas com questões administrativas cotidianas, postergando as reflexões estratégicas que deveriam ser a prioridade para a sua vitalidade. A motivação da equipe é um tema estratégico na governança empresarial ESG.

O que acontece a nível pessoal e a nível empresarial, ocorre também na dimensão nacional. Todos precisamos de carinho e motivação. Nesse rumo, o animador-em-chefe da nação bem que poderia se inspirar no histórico discurso de posse do seu ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, e acrescentar: “Pessoas investidoras, pessoas poupadoras, pessoas geradoras de emprego, pessoas empreendedoras, pessoas consumidoras: vocês existem e são pessoas valiosas para nós”. Seria uma iniciativa animadora, para a retomada da vitalidade nacional.

*Luciano Porto é especialista em governança, atento à sua dinâmica nas relações empresariais, contratuais, familiares e ESG. Advogado e Conselheiro Independente IBGC CCA+.

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