A energia nuclear no mundo
China e Rússia impulsionam novos reatores, mas altos custos e atrasos impõem desafios
Colunista
Publicado em 10 de dezembro de 2024 às 16h41.
Os acidentes nucleares de Three Mile Island (nos Estados Unidos, em 1979), Chernobyl (na Ucrânia, em 1986) e Fukushima (no Japão, em 2011) marcaram a opinião pública e as decisões políticas sobre a energia nuclear. Por exemplo, após Fukushima, vários países europeus optaram por encerrar a operação de seus reatores – a Alemanha é exemplo disso.
Mais recentemente, porém, novos fatores contribuíram para reacender o interesse pelas nucleares. Primeiro, o aumento da demanda pela eletrificação; segundo, a percepção da importância da segurança energética para a segurança nacional; e, terceiro, o apelo das reduções de emissões e das metas climáticas.
A energia nuclear ressurge justamente pela sua capacidade de prover energia elétrica de forma confiável (atendidos os padrões de segurança), ininterrupta (exceto pelas manutenções) e com baixas emissões associadas. É um complemento bem-vindo à energia gerada por renováveis, que é variável por depender da disponibilidade de sol e de vento.
Por exemplo, recentemente a Microsoft assinou um contrato para recolocar em operação a usina de Three Mile Island, para atender seus data centers. O Japão tem reativado usinas que haviam sido paralisadas após Fukushima e a França, um país que historicamente é atendido por nucleares, busca renovar sua frota de reatores.
Apesar desta retomada, o que dizem os números sobre o status da energia nuclear no mundo? Quantos reatores estão ativos? Quantos estão sendo construídos, e por quem? Quanto investimento é realizado? Vamos nos debruçar sobre isto.
Qual é a participação da geração de energia nuclear no mundo hoje?
A participação nuclear na geração global de energia elétrica em 2023 caiu para 9,1%, comparado a 9,2% em 2022, estando também abaixo dos níveis de 2021 e 2019, segundo o relatório World Nuclear Industry Status Report 2024. No pico, em 1996, a energia nuclear representava 17,5% da geração de eletricidade mundial.
Nos últimos 20 anos, foram inaugurados 102 reatores, e outros 104 foram desativados. Desses, 49 inaugurações ocorreram na China, que não desativou nenhum reator. Fora da China, portanto, houve uma redução líquida de 51 unidades no mesmo período, o que equivale a uma perda de pouco mais de 26 gigawatts (GW) de capacidade.
Em meados de 2024, havia 408 reatores operando no mundo, totalizando 367 GW. Havia 59 reatores em construção, apenas um a mais do que no ano anterior, mas dez a menos do que em 2013, com cinco desses projetos abandonados.
Na mesma época, 13 países construíam usinas nucleares, três a menos do que em 2023. No ano passado, foi iniciada a construção de seis novos reatores, cinco na China e um na Rússia. No primeiro semestre de 2024, começaram quatro projetos: dois na China, um na Rússia e outro no Egito, estes dois últimos implementados pela indústria russa.
Quanto tempo leva para construir uma usina nuclear?
Mas a construção leva tempo, muito tempo. Dos 59 reatores hoje em construção, desde o início das obras levou-se em média 6 anos, com muitos ainda longe de serem concluídos. Pelo menos nove países enfrentam atrasos significativos, de vários anos. Exemplos extremos incluem o reator Mochovce-4, na Eslováquia, com entrada prevista para 2025, 40 anos após o início da construção, e o Bushehr-2 no Irã, previsto para 2028, 52 anos após seu início.
Em 2023, cinco reatores entraram em operação (Bielorrússia, China, Eslováquia, Coreia do Sul e EUA), além de outros quatro no início de 2024 (China, Índia, Emirados Árabes Unidos e EUA). Por outro lado, cinco reatores foram desativados em 2023 (três na Alemanha, um na Bélgica e outro em Taiwan), e um na Rússia no primeiro semestre de 2024.
Quantas usinas nucleares existem no Brasil?
No Brasil há duas usinas nucleares em operação, Angra I, com 0,64 GW de capacidade instalada, e Angra II, com 1,35 GW – ambas no estado do Rio de Janeiro. A construção da usina Angra III foi iniciada em 2010, porém foi interrompida diversas vezes, a mais recente delas em abril de 2023. Ainda é incerto o desfecho desta saga.
Quem são os maiores fabricantes de reatores nucleares no mundo?
De 2020 a meados de 2024, todos os 35 projetos iniciados no mundo vieram de empresas russas ou chinesas, estatais ou ligadas ao governo. Hoje, apenas China, Rússia e Índia têm mais de um projeto em andamento. A China tem 27 reatores em construção e continuou a gerar mais energia nuclear que a França, até então o segundo maior produtor de energia nuclear no mundo, pelo quarto ano consecutivo. Porém, não há projetos chineses fora do país.
A Rússia domina o mercado internacional, com 26 unidades em construção, sendo seis no próprio país e 20 em sete outros países (incluindo China, Egito, Índia e Turquia). Possui também papel crucial no fornecimento de combustível nuclear, incluindo a mineração de urânio, a conversão e a fabricação de combustível para reatores.
As sanções internacionais impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia tiveram pouco efeito até agora; na verdade, a participação russa no fornecimento de urânio natural e serviços de conversão para a União Europeia aumentou entre 2021 e 2023, e as exportações de combustível dobraram. Mas ainda há incertezas sobre o impacto destas sanções.
O know-how continua sendo um desafio na construção das usinas. Fora a Rosatom (estatal russa), apenas a EDF (estatal francesa) atua como contratante principal em projetos internacionais, como no Reino Unido, enfrentando atrasos e custos elevados. A falta de soluções escaláveis e fornecedores globais resulta em frequentes atrasos e estouros de orçamento.
Qual a vida útil de uma usina nuclear?
A idade média dos reatores em operação é de 32 anos, com dois terços operando há pelo menos 31 anos e mais de um quarto há mais de 41 anos. Com o envelhecimento, o descomissionamento é outro desafio. Dos 213 reatores desativados, apenas 23 foram completamente descomissionados, e somente nove liberados como áreas aptas à reutilização. Ou seja, ainda há pouca experiência prática neste tema.
Portanto, apesar das notícias sobre novos reatores e sobre a busca por contratos para data centers, hoje a trajetória da energia nuclear global é de declínio. Por exemplo, a participação percentual na geração de eletricidade cai desde 1996.
O que poderia mudar este panorama? Uma possibilidade é um grande crescimento da demanda por energia de data centers, que pode ser suprida por nucleares, como no caso da Microsoft. Outra possibilidade é a China assumir a liderança tecnológica, fornecendo soluções competitivas e implantando usinas em outros países. Porém, isto ainda é incerto.
Certo é que, em 2023, os investimentos em energias renováveis, além de hidroelétricas, alcançaram US$ 623 bilhões, contra US$ 33 bilhões investidos em projetos nucleares, de acordo com a Bloomberg NEF. Por sua vez, a China adicionou mais de 200 GW de capacidade solar e apenas 1 GW de nuclear.
Países com reatores existentes buscam estender sua vida útil, enquanto outros, como o Japão, reativam unidades. Nestes casos, porém, os grandes investimentos para a construção dos reatores já foram realizados, são custos afundados e talvez já amortizados. Para novas usinas, hoje os investimentos estão direcionados para energias renováveis.