saúde (Benoit Tessier/Reuters)
Nesta terça, 13, em Brasília, a Esfera Brasil realiza o Fórum: Saúde Brasil — Ecossistema de Inovação da Indústria Farmacêutica, um seminário sobre inovação em saúde, tema muito relevante no mundo pós-pandemia de covid-19 em que ingressamos e de grande importância macroeconômica. Mas por quê?
O crescimento potencial de uma nação, ou seja, o que pode ser produzido pela economia de forma sustentável e sem aumentar a inflação, é a soma do crescimento da força de trabalho (a população em idade ativa que está trabalhando ou procurando trabalho) e da produtividade dos fatores de produção. Como a saúde se insere nessa equação? Em ambos os termos.
O crescimento da força de trabalho depende do crescimento da população, da participação, das horas trabalhadas e, com impacto mais restrito em um mundo em que a globalização parece ter entrado em processo de reversão, da imigração. Foquemos nas duas primeiras variáveis pela ótica do Brasil.
O filósofo Auguste Comte disse que “demografia é destino”. Como discutido brilhantemente por Eduardo Giannetti em entrevista ao Valor no dia 1º deste mês, o Brasil teve um boom populacional com início nos anos 1950, em que a população triplicou em 45 anos, combinado com uma queda vertiginosa na taxa de fecundidade. Com isso, de uma pirâmide, hoje temos um quadro etário na forma de barril, caminhando para um cogumelo nas próximas décadas. Pelas projeções de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nossa população em idade ativa (14 a 65 anos) apresenta taxa de crescimento anual cadente e, em 2037, atingirá seu pico (Figura 1). Dessa forma temos apenas 15 anos de crescimento da PIA para potencializar nossa taxa de crescimento com uma melhora significativa na produtividade.
Outra oportunidade para o crescimento da força de trabalho é pelo aumento da taxa de participação da população. Ainda aquém do nível pré-pandemia (Figura 2), há espaço para elevação da taxa de participação em nossa economia, cujo mercado de trabalho apresenta recuperação cíclica robusta. No curto-prazo, apesar de não termos dados para o Brasil, a área de saúde é fundamental para reabilitação dos que sofrem com a covid longa. Nos EUA, trabalho do Brookings Institute estima que entre 2 milhões e 4 milhões de pessoas sofrem dessa condição, o que equivale a 1,2% a 2,4% da força de trabalho e US$ 170 bilhões em salários anuais.
Dada nossa demografia, a inserção dos jovens é fundamental, assim como a das pessoas na melhor idade — como em países desenvolvidos, sendo o Japão um exemplo incrível. Para isso, essas pessoas precisam estar saudáveis, com um papel fundamental para a adoção das melhores práticas na área de saúde, e o mercado de trabalho precisa se modernizar para incorporá-las.
Em relatório sobre a saúde na América Latina em 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que a principal causa de mortes na região são doenças cardiovasculares, que podem ser controladas, tratadas ou modificadas, como pressão alta, diabetes, colesterol, obesidade e sedentarismo.¹ O Brasil está um pouco melhor do que a média na América Latina e a saúde pública tem capacidade de lidar com boa parte desses problemas de forma eficaz e relativamente barata. O atendimento básico e o Programa Farmácia Popular são importantes para isso.
Mas não é apenas a quantidade de mão de obra que importa: sua qualidade é fundamental para o crescimento. O capital humano é o acúmulo de conhecimento e habilidades que os trabalhadores adquirem pela educação, o treinamento e as experiências de vida. Em países em desenvolvimento, investimentos na saúde da população são importantes drivers do capital humano. Para Wu e colaboradores, melhoras na saúde pública são fundamentais para aprimorar as habilidades da força de trabalho, sua eficiência e qualidade de vida.² Com isso, a mão de obra tem maior capacidade de se adaptar a mudanças tecnológicas e inovar.
Os gastos com saúde, combinados com hábitos mais saudáveis, ganhos educacionais e inovações farmacêuticas e médicas para o tratamento mais eficiente de doenças, têm sido importantes drivers do aumento da expectativa de vida e são altamente correlacionados com o PIB per capita. Para Wu e coautores, a saúde é a ponte entre o acúmulo de capital humano e o crescimento econômico.
O Brasil está próximo da linha de tendência desenhada na Figura 4, indicando que os gastos com saúde estão em linha com o esperado dado o PIB per capita do país. Porém, aqui também a qualidade é fundamental e, em relatório de 2020, a OCDE estima que, globalmente, de 20% a 30% dos recursos com saúde são desperdiçados, enfatizando que gastar melhor é tão importante quanto gastar mais na provisão desses serviços.² Vale notar que, com o envelhecimento da população, crescerá a demanda por serviços de saúde e os setores públicos e privados devem se preparar para isso.
Na pandemia, a parceria entre os setores público e privado foi fundamental para superação desse desafio. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) revolucionou a digitalização implementada na vacinação contra a covid-19. Digitalização, telemedicina, integração e gestão de dados médicos e a “internet das coisas” são tendências tecnológicas para o setor e, aqui, temos condições de continuar a evoluir. Além disso, há de se mencionar inteligência artificial e aprendizagem de máquina, com potencial de transformar a medicina, especialmente na área de diagnósticos.
No agregado, todavia, a tecnologia é o principal determinante do crescimento potencial da economia. O progresso tecnológico permite que se consiga aumentar e/ou melhorar a produção de bens e serviços dados níveis constantes de insumos.
A tecnologia pode estar enraizada no capital humano e/ou em novos equipamentos, máquinas e software. Além disso, a mágica na transformação desses insumos em produto chama-se produtividade total dos fatores. Aqui, quanto mais, melhor, o que aumenta o crescimento potencial da economia, os lucros das empresas e o retorno dos investimentos. Neste quesito, o Brasil está atrás dos peers e, dada nossa demografia, ganhos de produtividade serão a chave para nosso crescimento futuro.
A elevação do crescimento potencial é essencial para aumentar a renda e o padrão de vida da população. Mesmo que pequeno, o benefício é composto — mecanismo que Warren Buffett credita como sendo uma ferramenta primordial para acumular riqueza — ao longo do tempo. Assim, os setores público e privado precisam conversar e, trabalhando em parceria, encontrar formas de progredir em uma agenda em prol da produtividade, que levará a ganhos de PIB potencial, das taxas de retorno dos investimentos e do padrão de vida da população concomitante à redução das desigualdades — o relógio está correndo e temos 15 anos para avançar nesse objetivo.
*Economista-chefe e cientista de dados da Grimper Capital analisa a importância macroeconômica
1 OCDE (2020) “Health at a Glance: Latin America and the Caribbean 2020 — Identifying and tackling wasteful spending in Latin American and Caribbean health systems”.
2 Wu, C., T. Chang, C. Wang, T. Wu, M. Lin, S. Huang (2021) “Measuring the Impact of Health on Economic Growth Using Pooling Data in Regions of Asia: Evidence From a Quantile-On-Quantile Analysis”. Public Health, 31 de agosto.
3 Aghion e coautores encontraram que ganhos de expectativa de vida para pessoas até 40 anos são significativamente correlacionados com o PIB per capita, ou seja, tem consequências para a produtividade dos trabalhadores — Aghion, P., P. Howitt, F. Murtin (2010) “The relationship between health and growth: When Lucas meets Nelson-Phelps”. NBER Working Paper 15813.