Economia

Zerar o déficit? Consultoria projeta que faltam mais de R$ 90 bi para 2024

Congresso deve votar nessa semana o orçamento para o próximo ano

Congresso Nacional (picture alliance/Getty Images)

Congresso Nacional (picture alliance/Getty Images)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 19 de dezembro de 2023 às 11h11.

O Congresso começa a discutir o Orçamento de 2024 sob olhar de desconfiança de analistas econômicos. No texto do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), as projeções enviadas pelo governo aos parlamentares dão conta de que algumas medidas aprovadas seriam capazes de arrecadar 168,5 bilhões de reais em 2024. Nas contas da consultoria econômica Tendências, porém, trata-se de — muito — otimismo. A estimativa da consultoria é que somente 42% desse valor — ou 72 bilhões de reais — se concretize. Ou seja, a discrepância nas projeções é superior a 90 bilhões de reais, e confirma a dúvida do mercado sobre a capacidade do governo de entregar o déficit zero. 

"O déficit zero pretendido pelo governo no ano que vem é altamente dependente da aprovação de medidas que permitam o aumento da capacidade arrecadatória do Estado", escreve Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências. "No entanto, as projeções consideradas pelo Executivo na PLOA 2024 são demasiadamente otimistas: algumas propostas já aprovadas possuem impacto superestimado, cuja metodologia ainda não foi explicada; enquanto outras propostas enfrentam entraves políticos maiores."

A projeção faz parte do relatório Cenários de Longo Prazo da consultoria, que traz três cenários para a economia no próximo ano: básico, pessimista e otimista. A estimativa de 72 bilhões de arrecadação com as medidas para o próximo ano faz parte do cenário básico — ao qual a consultoria atribui 65% de probabilidade de acontecer.

Para Ribeiro, os pilares do tripé macroeconômico seguem operantes de maneira técnica, ainda que com riscos maiores na questão fiscal, que será o "ponto sensível" enquanto o governo segue com dificuldade de fechar as contas. "Na nossa conta, estimamos uma taxa de sucesso perto de 40% do que o governo diz que vai conseguir arrecadar", afirma. "Nesse cenário, projetamos um resultado primário negativo de 0,7% do PIB, distante da meta."

"Dada a predominância de incerteza quanto à grande parte das medidas pretendidas, a Tendências incorporou no cenário básico para 2024 um impacto de R$ 72,1 bilhões (42% do montante na PLOA). Ao montante mencionado, somamos as receitas dos recolhimentos de IRPJ e CSLL sobre os preços de transferências, que o Executivo não considerou nas projeções oficiais da peça orçamentária, cujas novas regras foram sancionadas em lei no 1º semestre deste ano e que tiveram impacto estimado pelo Ministério da Fazenda de R$ 20 bilhões", diz trecho do relatório.

Dos R$ 168,5 bilhões previstos pelo governo, 58% se concentram na recuperação de créditos no CARF, após a nova lei que rege o conselho. "O valor incorporado pelo governo é bem mais elevado do que consideram os especialistas, ainda mais se compararmos com os montantes oriundos dos julgamentos favoráveis à União nos anos anteriores à mudança realizada no voto de qualidade", afirma Ribeiro.

Descompasso entre despesas e arrecadação

No relatório, a consultoria aponta que há incompatibilidade entre a atual realidade política, as projeções do governo para os seus gastos e a estrutura das despesas públicas. "No orçamento desenhado para 2024, o governo prevê aumento modesto das despesas obrigatórias, de apenas 0,1 p.p. do PIB – no entanto, as demandas econômicas e políticas da nova gestão colocam a previsão no campo meramente ilusório", destaca o documento.

Para a Tendências, algumas medidas pressionarão a parte das despesas do governo:

  • a política de valorização real do salário mínimo, que prevê crescimento nominal na ordem de 7,7% no ano que vem (3,0% em termos reais);
  • o reajuste salarial dos servidores;
  • a recomposição dos pisos constitucionais da saúde e da educação;
  • a ênfase dada aos investimentos no orçamento, representado pelas metas ambiciosas do Novo PAC.

E alerta para um risco estrutural para a sustentabilidade das contas públicas para os próximos anos. "O país apresenta parcela significativamente alta de despesas obrigatórias e gastos vinculados, cuja tendência foi agravada pela retomada da política de valorização do mínimo e a volta das vinculações dos gastos em saúde e educação, com o fim do teto de gastos e a introdução do NAF", assinala Ribeiro no relatório.

Na ponta do corte de custos, avalia a economista, medidas como um grupo para revisão de gastos, no âmbito do Ministério do Planejamento, focam na "realocação mais eficiente dos recursos" — o que não deve trazer contribuição relevante visando o equacionamento das contas públicas e a estabilização da dívida pública brasileira. "Adicionalmente, as resistências de grupos de interesse reduzem os ganhos efetivos de medidas que visam atacar privilégios e determinados gastos ineficientes", destaca.

Reforma tributária, precatórios e pressões sobre a meta

Segundo a Tendências, alguns riscos adicionais podem pressionar a questão fiscal.

Um deles é a reforma tributária do consumo aprovada recentemente que, apesar de não ter como foco o ajuste fiscal, deverá gerar aumento das receitas públicas no longo prazo, "sobretudo por meio dos efeitos positivos para eficiência econômica e expectativas para o PIB".

"Em contrapartida, a reforma também gerará, já a partir de 2025, pressões adicionais sobre as despesas primárias, devido à criação do Fundo de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, além da autorização para criação de dois outros fundos ligados ao desenvolvimento da Amazônia", afirma o relatório.

Sessão plenária do STF: ministros autorizaram em novembro o governo federal a quitar R$ 95 bilhões em precatórios em 2023 por meio de créditos extraordinários (Gustavo Moreno/STF/Divulgação)

Outro ponto sensível é o pagamento de precatórios (as dívidas, grosso modo) do governo federal. Em 2021, a PEC dos Precatórios instituiu um teto anual para a quitação dos valores, que fez surgir um estoque de cerca de R$ 95 bilhões nos últimos anos –"armando uma verdadeira “bomba” fiscal para 2027", nas palavras da consultoria.

Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a PEC inconstitucional e autorizou o Executivo a quitar esse valor por meio de créditos extraordinários — ou seja, sem comprometer as metas do governo. "O comprometimento do governo em resolver esta pendência deve ser visto de forma positiva. Por outro lado, o pagamento dos precatórios gerará forte efeito negativo imediato sobre as cifras do resultado primário, com potenciais efeitos para a trajetória da dívida pública, que já se encontrava em franca trajetória de expansão", diz Ribeiro.

Finalmente, toda a pressão sobre o gastos rivaliza com outra pressão, a de mudar a meta de resultado primário. Para 2024, essa meta é de zerar o déficit entre o que o governo gasta e arrecada. "Mas sabemos que a pressão para mudar a meta é muito grande. Há um alinhamento entre Congresso e governo no sentido de mais gastos dadas as eleições municipais", afirma a economista.

Some-se a isso o fato de que, ao mudar a meta, os gatilhos de ajuste de despesas previstos no novo arcabouço fiscal não seriam acionados — gerando mais espaço para os gastos. "Por mais que haja forte probabilidade de não cumprimento desta, não seria recomendável que o novo governo abandonasse precocemente a tentativa de déficit zero diante dos primeiros entraves. A manutenção da meta no atual patamar fornece suporte às tentativas da equipe econômica em elevar a capacidade arrecadatória do governo, assim como representa uma medida de resistência política às afirmações do presidente que vão contra às regras impostas pelo NAF", escreve Ribeiro.

Em suma, o ponto crucial, que colocará o novo arcabouço fiscal sob teste, será capacidade de gerar resultado primário superavitário e garantir a estabilização da dívida pública em horizonte de tempo razoável. "Esses pontos não se mostram prováveis no horizonte dos próximos anos", alerta a Tendências.

Votação do orçamento

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) convocou três reuniões nesta quarta-feira, 20, para votar o relatório-geral, do deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP). A expectativa é que o texto seja analisado em sessão conjunta do Congresso no dia seguinte (21), a partir das 10 horas.

Na semana passada, a CMO concluiu a votação dos 16 relatórios setoriais do Orçamento de 2024.

Nessa terça-feira, 19, o Congresso vota o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLN 4/23), aprovado na semana passada pela CMO.

Acompanhe tudo sobre:CongressoNovo arcabouço fiscalFernando HaddadArthur LiraRodrigo Pacheco

Mais de Economia

Se Trump deportar 7,5 milhões de pessoas, inflação explode nos EUA, diz Campos Neto

Câmara aprova projeto do governo que busca baratear custo de crédito

BB Recebe R$ 2 Bi da Alemanha e Itália para Amazônia e reconstrução do RS