Volta de rastreamento de bebidas pode garantir R$ 15 bilhões em receitas extras
Em 2016, a Receita decidiu que o sistema de controle não seria mais obrigatório, alegando ser caro demais
Repórter colaborador
Publicado em 20 de agosto de 2024 às 11h54.
Última atualização em 20 de agosto de 2024 às 12h26.
Em julgamento realizado na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou irregular a desativação do sistema de controle de bebidas, conhecido como Sicobe, sistema de rastreabilidade na produção de bebidas da Receita Federal e da Casa da Moeda do Brasil. A ferramenta, fora de operação desde 2016, é tida como essencial no combate ao crime organizado e a práticas ilegais, como sonegação de impostos. Bebidas entenda-se água, cervejas, sucos e refrigerantes.
Segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) . o desligamento do sistema de controle fez com que a sonegação fiscal no setor aumentasse 292% desde 2016. No ano passado, o prejuízo estimado envolvendo sonegação, falsificação e contrabando de bebidas foi de R$ 78 bilhões, sendo R$ 59 bilhões apenas com sonegação fiscal.
Em termos de produção, o volume ilícito de bebidas saltou de 2 bilhões de litros em 2016 para cerca de 5,3 bilhões em 2022. Já o contrabando de bebidas mais que dobrou neste período, saindo de 13 milhões para 28 milhões de litros irregulares.
O sistema, que garante controle total dos volumes produzidos de bebidas por tecnologia embarcada nos envases das fábricas, deve garantir R$ 15 bilhões em receitas adicionais no ano, segundo cálculos feitos para a Casa da Moeda —que possui o contrato para operar o sistema com a multinacional suíça Sicpa.
Receita é contra o sistema
AReceita Federal é contrária ao sistema ao Sicobe. No ano passado, fez uma consulta pública sobre a viabilidade do Rota Brasil, um sistema alternativo de monitoramento que até agora não caminhou. Nenhuma alternativa foi sugerida até o momento.
Em 2016, a Receita decidiu que o sistema de controle não seria mais obrigatório. Uma das justificativas era que o método era caro para o orçamento do órgão. O valor anual para mantê-lo chegou a R$ 1,4 bilhão. A própria área técnica do TCU disse que o custo não representa nem 10% do que se arrecada no setor.
A Receita também apontou que o sistema não era eficiente.
A decisão foi questionada porque um ano antes uma lei federal determinava que empresas do setor tinham a obrigação de instalar equipamentos que permitissem a identificação do produto, embalagem e tipo comercial.
No ano passado, o TCU entendeu que a Receita Federal não poderia ter suspendido o Sicobe. A Receita, então, recorreu por meio da Advocacia-Geral da União.
A resposta ao recurso veio com a maioria dos ministros do TCU decidindo que o desligamento não poderia ter ocorrido por força de uma medida administrativa do Fisco, e sim por alteração legal.
O desligamento do sistema afeta os cofres públicos, pois perdem em arrecadação, e grandes grupos do setor, como Ambev e Heineken, sofrem com a concorrência desleal - com seus produtos sendo pirateados e mesmo com as pequenas cervejarias que não fazem a declaração tributária regular. Hoje, existe um verdadeiro "apagão" no setor, pois as empresas fazem apenas uma autodeclaração. Elas sabem o que produzem, mas não não têm ideia do quanto isso pode gerar em impostos. E também podem declarar o que quiserem, já que não há controle.
O TCU deu 60 dias para o cumprimento da decisão, prazo que pode ser reavaliado.
Avaliação do TCU
O ministro Vital do Rêgo, relator do caso, destacou em seu voto dados que indicam que a sonegação fiscal no setor de bebidas pode chegar a mais de R$ 10 bilhões por ano, enquanto os valores de evasão fiscal podem atingir R$ 45 bilhões.
No voto, o relator destacou que "o custo de não se ter o Sicobe é muito mais gravoso para os cofres públicos, em especial quando se observa, a partir de 2017, o nítido descolamento entre a curva de faturamento do setor de bebidas, em franca expansão, e a curva de arrecadação, estagnada."
O ministro, porém, disse que outras opções de identificação de bebidas podem ser discutidas. O ruim, para ele, é ficar num vácuo de legislação. "Quaisquer outras soluções passíveis de implementação e que atendam o objetivo legalmente previsto de controle de produção de bebidas podem e devem ser estudadas e colocadas à mesa” escreveu o ministro em seu voto. Ele citou, como exemplo, o projeto Rota Brasil, em discussão na Receita. “O que não se admite é que se negue vigência ao comando legal em discussão, cenário em que estamos hoje", escreveu.