Economia

Reformas e comércio explicam sucesso da Austrália, diz ministro

Em entrevista exclusiva para EXAME.com, ministro Steven Ciobo diz considerar possibilidade de um acordo de livre comércio entre Mercosul e Austrália

Steven Ciobo, ministro do Comércio, Investimentos e Turismo da Austrália (Governo da Austrália/Divulgação)

Steven Ciobo, ministro do Comércio, Investimentos e Turismo da Austrália (Governo da Austrália/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 8 de março de 2018 às 15h30.

Última atualização em 8 de março de 2018 às 17h30.

São Paulo - "Não apoiamos medidas protecionistas e acreditamos que barreiras só servem para promover baixos níveis de prosperidade".

A mensagem é de Steven Ciobo, ministro do Comércio, Investimentos e Turismo da Austrália desde fevereiro de 2016 no governo de centro-direita do primeiro-ministro Malcolm Turnbull.

Ciobo concedeu para EXAME.com a sua única entrevista para a imprensa brasileira durante uma breve passagem por São Paulo nesta terça-feira (06).

Daqui ele seguiria para o Chile, onde assinou com outros 10 países a nova versão do Tratado Trans-Pacífico (TPP) negociado inicialmente com os Estados Unidos mas repudiado por Donald Trump.

Além de defender o livre-comércio em meio a temores de guerra comercial, o ministro pediu um fortalecimento da relação entre Brasil e Austrália e mencionou a possibilidade de um acordo com o Mercosul.

Veja a entrevista:

A Austrália é um caso único: não experimenta uma recessão há 26 anos. Qual é o segredo?

Comprometimento contínuo com reformas. Os governos de ambas as orientações políticas reconhecem que reformas são críticas para enfrentar desafios e aproveitar oportunidades. Elas incluíram deixar o dólar flutuar, assim como reformar o mercado de trabalho e regulações.

Também colocamos muito foco em encontrar mercados para a Austrália, em particular através de acordos comerciais. Nos últimos anos, o governo do qual faço parte firmou acordos com economias do norte da Ásia como Japão, Coreia e China.

Atualizamos recentemente nosso acordo com Singapura, estamos negociando com Indonésia e Hong Kong, completamos um acordo com o Peru e negociamos com os países da Aliança do Pacífico e também da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP).

Também começaremos negociações com a União Europeia, e também com o Reino Unido assim que deixar o bloco. E com o tempo, veremos se podemos fazer algo com o Mercosul.

A Austrália tem uma relação mais forte com os países da Ásia-Pacífico, especialmente agora com o novo TPP. Por que o Brasil entrou na sua rota?

Nossa relação de investimento mais forte na América do Sul é com o Brasil. Com US$ 3,3 bilhões de comércio bilateral, é o nosso principal parceiro na região, ainda que claramente com pouco peso. É uma relação que podemos desenvolver muito mais, assim como com as outras economias sul-americanas.

É parte da razão pela qual concluímos o acordo com o Peru, além do que já tínhamos com o Chile. E com o TPP também teremos com México, e negociando com a Aliança do Pacifico seriam os três mais a Colômbia.

Acho que com o tempo, um acordo com o Mercosul fará sentido. Brasil e a Austrália são, em alguns sentidos, competidores no agronegócio, mas também há oportunidades para compartilhar conhecimento e capital considerando a semelhança dos nossos climas e nosso foco em produtos agrícolas.

Como o governo australiano avalia a retomada da economia brasileira e o cenário político?

Esta é minha primeira visita ao país então não posso falar muito sobre o passado. Mas o que eu posso dizer, após falar com empresários brasileiros e de empresas australianas que investem aqui, é que eles estão animados com o futuro, otimistas com a oportunidade de crescer e abertos para investimentos.

Qual é o impacto na Austrália das tarifas sobre aço e alumínio anunciadas recentemente pelos Estados Unidos? Há planos de retaliação?

Vamos adotar uma política de “esperar para ver” até sabermos exatamente o período e os produtos e países afetados. Ao longo dos anos aprendi a não reagir a manchetes.

Mas o impacto sobre a Austrália é menor do que sobre o Brasil, porque a exposição das nossas exportações aos EUA é menor que a brasileira.

Não apoiamos medidas protecionistas e acreditamos que barreiras só servem para promover baixos níveis de prosperidade.

O cenário global parece desafiador para entusiastas do livre comércio. Você avalia que a globalização está em recuo?

Historicamente, posições nacionalistas foram e voltaram, e marcaram presença desde que a Austrália virou um país. Não é como se esta retórica fosse inédita, mas o que importa é o que acontece de fato.

Mas o debate é bem-vindo: aprecio discutir como garantir que os benefícios de liberar o investimento e o comércio não fiquem concentrados em um estrato da sociedade. Você alcança isso com uma política interna forte, e é onde está o foco da Austrália.

E fico encorajado pelo movimento de muitos países, talvez melhor exemplificado pelo TPP 11, que estão comprometidos com a liberalização, reconhecendo que a história nos ensina que isso tira as pessoas da pobreza, promove crescimento e ajuda a criar empregos.

A Austrália também tem se beneficiou muito do crescimento da China. O alto endividamento chinês e a possibilidade de uma desaceleração preocupam?

Uma das concepções erradas sobre a Austrália é que somos muito dependentes da China. Isso é falso. A exposição comercial da Austrália à China é muito menor do que a exposição do México ou do Canadá aos EUA, por exemplo.

Parte do meu papel é desfazer estas concepções erradas sobre a economia australiana. Outro exemplo: no Brasil, a agricultura como porcentagem do PIB é de 25% a 30% contra 2% a 3% do PIB na Austrália.

A economia australiana é desenvolvida, madura, diversificada, aberta e receptiva ao investimento. Tudo isso junto garante que ela possa absorver choques externos melhor do que outras economias, o que nos leva de volta ao porquê de termos o recorde entre países desenvolvidos.

O Brasil, com seu tamanho e número de atrações, recebe uma fração dos visitantes da Austrália. O que podemos aprender em estratégia de turismo?

Bom, a principal coisa que eu diria é que mais brasileiros precisam conhecer a Austrália (risos).

Também expresso minha gratidão às dezenas de milhares de brasileiros que decidiram estudar lá, e acredito que eles lhe diriam que é um destino muito seguro e receptivo.

Continuamos investindo pesadamente na infraestrutura do turismo, como hotéis e transporte público, e facilitação para passageiros em aeroportos. O Brasil pode estimular estes aspectos que funcionaram muito para a Austrália.

E quais são os próximos passos para a relação entre os dois países?

O próximo passo é provavelmente, com o tempo, ver se é possível um acordo de livre comércio entre Mercosul e Austrália. Vamos ver o que acontece com o acordo com a EU, que vai servir como referência e ponto de partida.

Quero continuar a promover o investimento nas duas direções; os fluxos de pessoas são fortes e isso é excelente. Os brasileiros são muito bem-vindos na Austrália, onde se sentirão acolhidos e seguros.

Isso também vale para quem quiser trabalhar e ficar na Austrália?

A Austrália tem uma das populações que crescem mais rápido no mundo. Não é fácil ficar no país de forma permanente; nosso sistema de imigração é baseado no mérito e não pedimos desculpas por isso. Mas como disse, temos uma das populações de imigrantes que mais crescem, em base per capita.

Acompanhe tudo sobre:AustráliaChinaComércio exteriorGlobalizaçãoMercosulProtecionismoreformasTurismo

Mais de Economia

Lula se reúne com ministros nesta quinta e deve fechar pacote de corte de gastos

Equipe econômica acompanha formação de governo Trump para medir impactos concretos no Brasil

Pacote de corte de gastos ainda está em negociação, afirma Lula

Copom eleva Selic em 0,5 pp, para 11,25% ao ano, e sinaliza novas altas de juros