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Reforma trabalhista é "uberização" e tira direitos, diz professor

"O objetivo da lei não foi reequilibrar uma partida, mas fortalecer um lado enfraquecendo outro", diz Marcelo Paixão, economista e sociólogo

Construção civil: trabalhadores do setor tem dificuldade de organização (hxdbzxy/ThinkStock/Thinkstock)

João Pedro Caleiro

Publicado em 14 de julho de 2017 às 12h37.

Última atualização em 14 de julho de 2017 às 12h54.

São Paulo - A reforma trabalhista sancionada ontem pelo presidente Michel Temer traz mudanças profundas nas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Para empresários e grande parte dos economistas , é um marco positivo que expande ao invés de tirar direitos e vai diminuir a insegurança jurídica.

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Mas esta não é a visão de Marcelo Paixão, economista e sociólogo licenciado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) atualmente na Universidade de Austin, no Texas.

Ele diz que a reforma vai tornar mais vulneráveis as categorias com menor poder de pressão e aprofundar a "uberização" do trabalho. Veja a entrevista:

EXAME.com - O principal aspecto da reforma é possibilidade de que acordos coletivos entre sindicatos e empresas prevaleçam sobre o determinado por lei em alguns pontos. Essa flexibilidade não é positiva?

Marcelo Paixão - Quando falamos em reformas, existem vários caminhos; foi adotado um. Essa proposta supõe que as categorias profissionais tenham todas o mesmo poder de barganha, e não tem.

Determinados sindicatos ligados às maiores empresas vão ter maior capacidade de fazer valer seus interesses, mas há uma heterogeneidade muito grande mesmo no mercado de trabalho formal, e isso potencialmente aumenta o leque de assimetrias em um mercado já reconhecidamente assimétrico.

Uma legislação trabalhista tem que proteger o lado mais fraco, que é o do trabalho na relação com o capital. É por isso que a OIT, por exemplo, foi criada: para criar um padrão internacional e evitar que os países criem competição espúria pela redução do valor da força de trabalho.

A reforma tem um problema político: não passou pelo crivo da população e foi adotada por um governo que não foi eleito com este programa. Ela só leva em consideração uma determinada realidade e vai vulnerabilizar as categorias com menor poder de pressão, por isso que não acho inteligente.

Houve também o fim do imposto sindical, que sustentava essas entidades. Isso enfraquece esse lado da barganha ou vai gerar sindicatos mais comprometidos?

O fim do imposto sindical foi uma reivindicação histórica do novo sindicalismo. O imposto sindical sempre foi uma forma de tributação dos trabalhadores que dava aos sindicatos uma dimensão quase para-estatal, algo dúbio.

Sempre fui crítico a isso, pois contribuiu para manter sindicatos ilegítimos e fantasmas. Foi uma verdadeira fábrica de pelegos, usando a linguagem sindicalista.

Mas mesmo apoiando sua extinção, há uma realidade que vai ser modificada. É como tirar o produto da pessoa viciada, precisa de um período de transição.

Se é derrubado de uma hora para a outra e as instituições existentes não tem tempo para se preparar, vai reduzir o poder de barganha dos sindicatos diante dos interesses do patronato. No longo prazo, acredito que os sindicatos vão realmente ter uma preocupação maior em garantir sua legitimidade diante das suas categorias.

Isso vai significar superação da atual fragmentação que vem ocorrendo desde o inicio dos anos 2000, mas sou cético em relação a capacidades das categorias estruturarem sindicatos com algum grau de barganha.

Metalúrgicos, bancários, petroleiros, petroquímicos são categorias com tradição de organização maior, enquanto outras como comerciários e trabalhadores da construção civil vem demonstrando uma histórica dificuldade. Comerciários, por exemplo, são muito diversos e fragmentados, vai do pequeno comércio às grandes redes.

O objetivo da lei não foi reequilibrar uma partida, mas fortalecer um lado enfraquecendo outro. Mesmo algo positivo fica questionável.

Outro aspecto é a regulação de alguns contratos como de trabalho autônomo, intermitente e terceirizado. Isso não é positivo para gerar formalização?

Metade da população brasileira vive sem nenhum tipo de garantia. Essa ampliação da zona do contrato temporário que cria a figura do trabalhador autônomo com vínculos empregatícios, junto com a lei da terceirização, sinaliza a uberização, o modelo uber do trabalho no mundo.

Trabalha uma quantidade de horas e ganha pela hora. Se tiver doença ou outra coisa, problema seu. A formalização não é vara de condão, pode ocorrer com um padrão de proteção muito baixo.

O Brasil já é conhecido por ter poucos direitos do trabalho, vide número de acidentes do trabalho e resgates do trabalho escravo, por exemplo. Não é só no Xingu, é na construção nas cidades. É um país que não superou a memória de escravidão.

A figura do trabalhador autônomo com vínculos empregatícios tem o efeito trágico de tirar o direito e levar da justiça do trabalho para o direito contratual e civil. Passa a estabelecer subordinação onde os trabalhadores não podem barganhar nem no coletivo, pois são apenas prestadores de serviço.

Uma grande empresa é uma grande empresa, você conta nos dedos a quantidade em cada setor. Mas os trabalhadores são uma legião. A empresa barganha com cada um e impõe seus termos e direitos e uma relação de prestação de serviços não tem 13º salário, férias, etc.

Até pouco tempo havia um consenso na sociedade brasileira de que nosso grande problema era a desigualdade social. Nossos exemplos históricos mostram que o desenvolvimento econômico produzindo concentração de renda é equivocado e estamos insistindo de novo nele.

É uma tragédia, aprovada sem debate, por um Congresso em dias tenebrosos e um governo com acusações graves de corrupção. Não tinha legitimidade para ser aprovado.

Também houve um aperto nas condições de acesso à Justiça do trabalho, mas com aumento do teto de isenção. A ideia é desestimular o uso de quem não tem uma razão clara e dar mais segurança jurídica. Isso não é positivo?

O problema do acesso à Justiça transcende o trabalho. Só 4% dos homicídios são elucidados, por exemplo. Houve um aumento grande dos casos de emprego doméstico, porque ocorreu um grande esforço de formalização desse trabalho e as empregadas estão mais conscientes e procuram mais o que me parece óbvio: hora extra, carteira assinada, etc.

Se a Justiça está sobrecarregada, não é retirando direito que vamos resolver. Diria que é preciso ter mais juiz, reequipar o Judiciário e fazer com que os donos das grandes empresas respeitem as leis.

Muitas vezes o trabalhador vai de má fé, tem muitos que vão pedir o que não merecem. Mas com esse nível de informalidade e assimetrias, a maior parte é porque os trabalhadores se sentiram lesados. Reduzir direitos em nome de maior racionalidade é um contrassenso. O presidente diz que entramos no século XXI, mas eu diria que voltamos ao XIX.

Mas e sobre o nível de emprego, qual o efeito a ser esperado?

Se a legislação trabalhista fosse um empecilho para a criação de empregos, a economia brasileira não teria vivido os vários ciclos dos últimos 70 anos. Não acho que exista uma correlação entre reduzir direitos trabalhistas e aumento de emprego.

Poderíamos notar que o Brasil tem que competir com a Ásia, que produz mais barato. Longe de mim achar que o mundo é o mesmo de 40 anos atrás. Temos temos novas tecnologias, mas há várias formas de enfrentar. Pode crescer reduzindo direitos e produzindo muito barato, mas é incoerente com um mundo cada vez mais depende do conhecimento.

Com todos os equívocos das politicas adotadas desde 2010 e que sentimos até hoje, o fato é que quando estimulamos o mercado interno e distribuímos renda, há mais dinheiro circulando e mais horizonte de retorno pros empresários que investem na produção. O que garante é a existência de demanda efetiva, e medidas de concentração de renda não são coerentes com isso.

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