Economia

Qual é, afinal, a diferença entre corte e contingenciamento?

Bloqueio preventivo é rotina, e novidade é a forma de comunicação e os conflitos do governo na área de educação

Protestos Educação: estudantes em ato contra corte de verbas (Adriano Machado/Reuters)

Protestos Educação: estudantes em ato contra corte de verbas (Adriano Machado/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 16 de maio de 2019 às 17h33.

Última atualização em 22 de julho de 2019 às 15h03.

São Paulo - "Tira a tesoura da mão, investe em educação!": o grito de ordem ouvido nas manifestações sugere que os cortes do governo Bolsonaro na área foram o estopim que levou milhares de pessoas às ruas de 241 cidades brasileiras nesta quarta-feira (15) .

Mas a gestão insiste em dizer que as verbas para a educação não foram cortadas e sim contingenciadas.

"Na verdade, não existe corte. O que houve é um problema que a gente pegou o Brasil destruído economicamente também, com baixa nas arrecadações, afetando a previsão de quem fez o orçamento e, se não tiver esse contingenciamento, simplesmente entro contra a lei de responsabilidade fiscal. Então não tem jeito, tem que contingenciar", disse ontem o presidente Bolsonaro em Dallas.

Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, disse também ontem, em coletiva de imprensa, que houve uma "confusão" entre os dois conceitos.

“O contingenciamento é guardar, é poupar. É como o pai que tem um salário e sabe que tem que comprar o vestido de 15 anos da filha em outubro, mas está em maio. Aí ele vê o que está entrando e o que está gastando e pensa ‘pode ser que não dê’. Então ele contingencia, protege o seu gasto. Isso é uma atividade responsável, é o que o governo está fazendo”.

Raul Velloso, economista especialista em contas públicas, define da seguinte forma: contingenciamento é a ameaça de corte, ou um bloqueio temporário para ver se será possível não cortar.

"O Orçamento no Brasil é meramente autorizativo, é uma peça de ficção. O Executivo pode gastar no limite que está lá, mas todo ano escreve um decreto definindo os limites de gasto por ministério, que tradicionalmente é menor do que aquele que está no Orçamento", diz ele.

Quando o desempenho da economia está decepcionando, as receitas são menores do que o esperado e os valores precisam ser revisados para baixo. Foi algo recorrente nos últimos anos, agravando a necessidade dos contingenciamentos para cumprir a meta de déficit primário - e o MEC não saiu ileso.

Em 2015, em meio a uma rápida deterioração das previsões para a economia, houve um contingenciamento de quase R$ 9,5 bilhões no MEC no começo do ano e de R$ 1 bi adicional em julho.

Em fevereiro de 2016, o MEC sofreu um contingenciamento de R$ 2,216 bilhões. Em março, novos bloqueios levaram o total para R$ 4,27 bilhões.

Em abril de 2017, houve contingenciamento de R$ 4,3 bilhões no MEC. Quatro meses depois, R$ 450 milhões foram liberados para as universidades federais.

Em março deste ano, foi a vez do governo Bolsonaro anunciar o seu decreto com bloqueio de R$ 5,8 bi em Educação, pouco acima dos R$ 5,1 bilhões bloqueados na Defesa.

Vale lembrar que os valores não afetam itens como salários e aposentadorias, que são obrigatórios por lei. Por isso, se concentram nas despesas de custeio e investimento, que ficam cada vez mais achatadas.

"A gestão orçamentária é burocracia financeira para fazer o gasto encontrar a receita, não tem nada a ver com discussão de ideias e de qualidade de gasto. Anúncio pomposo de contingenciamento é anunciar que eu vou matar o filho de alguém", diz Velloso.

Mas no final de abril, menos de um mês depois de assumir o cargo de ministro da Educação, Abraham Weintraub declarou que haveria um corte de 30% no orçamento de universidades federais que promovessem “balbúrdia” e tivessem desempenho acadêmico abaixo do esperado.

“A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, disse. Ele deu exemplos do que considera bagunça: “Sem-terra dentro do câmpus, gente pelada dentro do câmpus”

Ele citou a Universidade Federal da Bahia, a Universidade Federal Fluminense e Universidade de Brasília especificamente como alvos. As três melhoraram sua posição no principal ranking universitário internacional, o Times Higher Education (THE).

Depois, o ministro recuou e afirmou que o corte seria linear para todas as universidades federais, o que segundo reitores inviabiliza a continuidade das atividades.

O ministro passou então a destacar que o corte é sobre a verba de custeio e portanto mais próximo de 3% do orçamento total, usando inclusive chocolates em uma live no Facebook com o presidente. Mas o estrago estava feito.

O economista Joel Pinheiro da Fonseca, colunista de EXAME, escreve que o problema tomou proporções maiores pois o próprio núcleo duro de apoio ao presidente ligou a questão dos cortes a um contexto de ataque às universidades:

"Sim, há uma restrição orçamentária. Mas essa restrição serve como um pretexto conveniente para fazer aquilo que o governo sempre quis: secar a educação de recursos como arma da guerra ideológica – da caça às bruxas – que ele julga como sendo a coisa mais importante a se fazer no país".

Tanto Weintraub quanto seu antecessor Ricardo Vélez não tem experiência na área, apesar das promessas de Bolsonaro de montar um ministério com critérios técnicos.

Eles também demonstram simpatia pelas ideias do filósofo Olavo de Carvalho, considerado guru do bolsonarismo e responsável por uma série de atritos internos na equipe durante o início da gestão.

“Quando [um comunista] chegar pra você com papo de ‘nhoin nhoin nhoin’, xinga. Faz como o Olavo diz pra fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais”, disse Abraham na Cúpula Conservadora das Américas, realizada em Foz do Iguaçu em dezembro de 2018.

Entenda o conflito na Educação:

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