Uber Chip: conexão para o motorista, receita para a Surf (Germano Lüders/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 6 de março de 2024 às 06h15.
Eis uma conta que envolve milhares e milhares de pessoas. No Brasil, quase 2% da população ocupada no setor privado trabalha por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso dos motoristas de aplicativo de transporte de passageiros, como Uber e 99, são 778.000 pessoas. Para esses trabalhadores, fazer as contas de receitas e despesas funciona como o cálculo de um empreendedor: é preciso estimar os gastos (por exemplo, o custo com o veículo, gasolina, alimentação e com a internet, por exemplo) e o quanto sobra no fim do mês.
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Por isso, gerou polêmica e apreensão entre motoristas de aplicativo o projeto do governo federal para regulamentar a profissão. No plano do governo, a ser aprovado (ou não) no Congresso, há previsão de uma remuneração mínima de 32,09 reais por hora trabalhada, tempo de trabalho máximo por dia de 8 horas (com possibilidade de extensão para 12 horas diárias, a ser negociada via sindicato) e contribuição previdenciária.
Na opinião de motoristas, a remuneração não supre todos os custos mensais do profissional. Há também receio de que as plataformas ajustem os ganhos aos trabalhadores para pagar apenas o mínimo exigido pelo governo — em outras palavras, que façam do piso anunciado um teto de remuneração.
"Agora as plataformas vão poder baixar o valor da tarifa, e quando formos reclamar, vão dizer que estão cobrindo a obrigação de pagar 32 reais por hora dirigindo", diz Eduardo Souza de Lima, motorista de aplicativo desde 2016 e presidente da Associação dos Motoristas de Uber de São Paulo. "E esse é outro ponto, o valor é por hora dirigida. Quando estiver parado, você não ganha."
A EXAME estipulou custos mensais que um motorista de aplicativo tem na cidade de São Paulo para ver se o valor de 32 reais mensais é suficiente para os profissionais. O cálculo é uma simplificação de diversas possibilidades — desde a carga horária de um motorista, ao modelo do veículo escolhido (e consequente consumo), entre muitas outras variáveis.
No cenário de um veículo alugado, o motorista não tem custos como seguro, troca de óleo e manutenção. Nesse caso, o único custo envolvendo o carro é o da própria locação, que cobre os demais gastos. Em companhias como a Movida, as opções mais básicas partem de 2,3 mil reais e vão até 5,6 mil reais mensais. Considerando carros populares, como Mobi (categoria de entrada) e HB20 (um nível acima), a média de locação é de 3.000 reais.
Já para combustível, a EXAME levou em consideração que o motorista faça 3.000 quilômetros por mês na cidade de São Paulo em 26 dias de trabalho (uma média de 115 quilômetros por dia). Também estipulou que faça 8,5 quilômetros por litro com o preço médio da gasolina no estado, pelo levantamento da Agência Nacional de Petróleo (5,61 reais). O preço final, mensal, foi de 1.980 reais (para efeitos da simulação, arredondamos para 2.000 reais).
Soma-se a isso gastos com alimentação durante o trabalho e internet do celular, e dá-se o valor final de 6.090 reais.
GASTO MENSAL
Gasolina* | R$ 2.000 |
Locação de veículo** | R$ 3.000 |
Alimentação | R$ 940 |
Internet | R$ 150 |
Total | R$ 6.090 |
A proposta do governo federal é que o valor mínimo de trabalho seja de 32,09 por hora. Se o trabalhador fizer oito horas por dia, seis vezes por semana, terá ao final do mês cerca de 6.675 reais. Nesse caso, sobraria pouco mais de 600 reais ao final do mês mês.
A conta não leva em consideração a potencial extensão para até 12 horas de trabalho por dia.
No cenário de um veículo comprado, a EXAME fez um cálculo de financiamento de veículo. O cálculo estimou a aquisição de um carro de 72.000 reais, com uma entrada de 20% e uma taxa média de juros anuais de 25,5% (como é a média indicada pelo Banco Central). A parcela seria de 2.300 reais mensais.
Soma-se a isso os custos de gasolina, os mesmos do veículos locados, e manutenção (o que inclui seguro, trocas de óleo e filtros). Para Souza de Lima, presidente da Associação dos Motoristas de Uber de São Paulo, os gastos de manutenção mensais são de cerca de 500 reais. O mesmo se dá para uma caixa para pagamento de tributos e gastos adicionais, como trocas eventuais de pneus.
GASTO MENSAL
Gasolina | R$ 2.000 |
Financiamento do carro | R$ 2.300 |
Manutenção preventiva | R$ 500 |
Impostos, licenças e gastos adicionais | R$ 500 |
Alimentação | R$ 940 |
Internet | R$ 150 |
Total | R$ 6.390 |
A EXAME também conversou com motoristas de aplicativo para entender se os ganhos cobrem os custos. Para a maioria, o valor empataria ou sobraria pouco mais de 10 reais por hora.
"No meu caso, gasto cerca de 12 reais por hora com gasolina. Tenho um custo de manutenção de quatro reais por hora de manutenção e outro um real por hora de seguro", diz o motorista Gabriel Ayres. "Com isso, sobraria 15 reais por hora".
"Se rodar 16 quilômetros para fazer os 32 reais, vou deduzir 8 reais de etanol, 9 reais de aluguel, mais uns 4 reais para emergência. Vai sobrar no máximo 9 reais", afirma o motorista Renan Matheus da Costa. "Isso calculando um cenário bom onde se fazem 2 reais por quilômetro, mas nem sempre é assim."
Para cada hora efetivamente trabalhada, será pago um valor de 24,07 reais, destinado a cobrir os custos da utilização do celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros. Esse valor é indenizatório e não compõe a remuneração.
Os trabalhadores e trabalhadoras serão inscritos obrigatoriamente no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com regras específicas para o recolhimento da contribuição de cada parte (empregados e empregadores):
1) Os trabalhadores irão recolher 7,5% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, 8,02 reais/hora);
2) Os empregadores irão recolher 20% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, 8,02 reais/hora);
As empresas devem realizar o desconto e repassar para a Previdência Social, juntamente com a contribuição patronal.
As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.
O trabalhador em aplicativo será representado por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. As entidades sindicais terão como atribuições: negociação coletiva; assinar acordo e convenção coletiva; e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.