Economia

Por que os recordes de arrecadação do governo Lula não animam mais o mercado?

O resultado divulgado na última terça-feira aponta um crescimento real (após descontada a inflação) de 10,46% em maio na comparação com o mesmo mês do ano anterior, e chegou a R$ 202,979 bilhões

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 29 de junho de 2024 às 06h05.

O novo recorde da arrecadação do governo Lula não anima mais o mercado como antes. Nos dois primeiros meses de 2024, os resultados foram vistos como extremamente positivos por agentes econômicos. Hoje, o cenário é diferente.

Para economistas consultados pela EXAME, a questão é simples: o trabalho realizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad junto ao Congresso para aprovar medidas que aumentassem a arrecadação é insuficiente para que o governo atinja as metas fiscais. A leitura, inclusive citada pelo Copom em ata divulgada na última terça-feira, é que um ajuste fiscal com foco nas despesas é necessário. 

O resultado divulgado aponta para um crescimento real (após descontada a inflação) de 10,46% em maio na comparação com o mesmo mês do ano anterior, e chegou a R$ 202,9 bilhões. Foi o quinto recorde para o mês desde o início da série histórica da Receita, iniciado em 1995.

Segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o avanço de maio foi positivo em vista do receio do impacto das enchentes do Rio Grande do Sul. O resultado foi puxado, em mais um mês, pelo cenário macroeconômico favorável e pelas medidas encampadas pelo governo no ano passado.

"Havia certa apreensão com os dados desse mês, considerando que foi a primeira divulgação da arrecadação federal sob efeito das enchentes no Rio Grande do Sul. O aumento da arrecadação ainda tem um papel central em termos de melhora no resultado primário deste ano", disse o economista.

Sergio Vale, economista e sócio da MB Associados, avalia que o resultado positivo não muda o mau humor de analistas do mercado, que afirmam que os recordes da arrecadação são insuficientes para que o governo melhore as contas públicas.

"A preocupação e medo do mercado é que ficou muito claro que esse aumento da arrecadação não será suficiente para que o governo atinja as metas fiscais. Por isso que a arrecadação sobe o tanto que sobe, mas o motivo de comemoração não é o mesmo como no passado.", explica Vale.

O Boletim Focus, do Banco Central, estima que o déficit primário deste ano será de 0,7% do PIB — e a meta estipulada pelo governo é zerar déficit com uma banda de 0,25 percentual do PIB. Ou seja, o governo precisaria ter um déficit de até R$ 28,8 bilhões, nas contas da Instituição Fiscal Independente do Senado, para cumprir a meta.

O sócio da MB acrescenta que a percepção é de que o governo atingiu o "teto" e não tem mais medidas que aumentem a arrecadação. Por isso, a defesa do economista é que a Fazenda precisa mexer nas estruturas de gastos, como a alteração da vinculação dos gastos com Saúde e Educação com o aumento da receita.

"A percepção é que o governo precisa mexer na estrutura de gastos e alterar a composição de alguns gastos que são atrelados a receita. Como está faltando um discurso [do governo] sobre isso, o mercado comemora menos o aumento de arrecadação registrado nos últimos meses", explicou Vale.

Um dado que corrobora a preocupação dos economistas, também divulgado nesta semana, é o da dívida pública. No mês de maio, o valor chegou em R$ 6,912 trilhões, um aumento nominal de 3,10% em relação a abril, quando a dívida ficou em R$ 6,703 trilhões.

Lula promete discutir gastos, mas sem corte em despesas sociais

Nas últimas semanas, Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, sinalizaram que estão estudando formas de realizar um ajuste fiscal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o governo vai discutir o assunto, mas que não irá fazer nenhum ajuste fiscal “em cima dos pobres".

Uma das propostas discutidas pelo mercado para melhorar as contas públicas é o governo desvincular o salário-mínimo das aposentadorias. Tebet, porém, negou na última semana que o tema "passe pela cabeça” do presidente e da equipe econômica.

Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, afirma vê com ceticismo a possibilidade de um corte ou mudança estruturante dos gastos, mesmo com as sinalizações da Fazenda e do Planejamento.

"A equipe econômica parece isolada nessa agenda, uma vez que a maioria do governo, e do partido do presidente, é contra uma agenda de cortes", diz Neto.

O economista afirma que a falta de uma revisão geral pode comprometer o futuro fiscal do país. Em contrapartida, o especialista da Tendências cita duas medidas de curto prazo que poderiam dar um respiro ao governo: a revisão ou fim do abono salarial e mudanças de regras do seguro-desemprego.

"As condições atuais vão inviabilizar a execução orçamentária, provavelmente já em 2026. Sem uma ação estruturante, a dívida bruta vai continuar crescendo, o mau humor do mercado com o câmbio vai seguir e a dificuldade da queda da taxa de juros vai aumentar", diz o economista.

 

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