Viagem por aplicativo: motoristas estão mais seletivos com corridas (Germano Lüders/Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 24 de novembro de 2023 às 06h08.
Última atualização em 24 de novembro de 2023 às 13h01.
Solicitar um carro de aplicativo, como Uber e 99, vem se tornando mais difícil nos últimos meses. Antes, com alguns cliques, um veículo aparecia em poucos minutos. Agora, a chance de ter um pedido sem resposta ou cancelado se tornou mais comum. Mas por que está tão difícil? A resposta é simples: motoristas são bons de conta, e estão insatisfeitos com os seus ganhos.
Os condutores não têm poder para definir o preço das corridas, que seguem algoritmos das plataformas. Assim, eles não podem repassar aos clientes aumentos de custos com combustível e manutenção. Com isso, passaram a ficar mais seletivos e a fazer contas antes de aceitar viagens. Se acharem que não vale a pena, preferem ficar parados ou rodarem sem passageiro até aparecer um pedido melhor.
Ao mesmo tempo, foram criados aplicativos para motoristas que avaliam o valor das viagens, para indicar quanto o profissional ganhará por minuto ou hora de trabalho, e que sugere se aquela viagem vale a pena ou não. A resposta vem em segundos.
Em agosto, a Uber entrou na Justiça contra um deles, o StopClub, que recusava corridas desvantajosas automaticamente. A empresa americana obteve uma liminar que determinava o bloqueio do app, em agosto, mas o veto foi derrubado em setembro, por uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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Profissionais ouvidos pela EXAME, sob anonimato, disseram que, em São Paulo, o ideal é tentar faturar ao menos em torno de R$ 50 por hora de trabalho, excluída a taxa do aplicativo. Esse dinheiro, além de ser uma renda pessoal, é usado para custear gastos como combustível e manutenção do carro.
Há também contas por quilômetro, como ganhar ao menos 2 reais por km rodado. "Com o litro da gasolina a 5 reais, não vale a pena trabalhar 20 minutos para ganhar 10 reais", diz um motorista, que comenta que buscar passageiros mais distantes também reduz ganhos. "Se preciso rodar 2 km para fazer uma viagem de 2 km, saio no prejuízo."
Da mesma forma, corridas muito demoradas são evitadas. De manhã cedo, tem sido difícil encontrar motoristas na zona norte de São Paulo que queiram ir para a zona sul, por exemplo, com temor de perder tempo nas marginais. Como a viagem pode levar mais de uma hora e custar em torno de 80 reais para o cliente, muitos motoristas preferem esperar trechos menos congestionados para ter um retorno melhor.
Outra queixa dos motoristas é que a taxa cobrada pela Uber por corrida, antes fixa, se tornou flexível, sem que o motorista saiba quanto ela é.
Por exemplo: uma corrida de 20 reais pode render 11 reais ao motorista, ou 15 -- ou até 21 reais, mais do que o valor da corrida. A variação é definida por um algoritmo, cujas regras exatas não são conhecidas pelos trabalhadores nem pelos passageiros. Há queixas também de que a Uber nem sempre repassa aos motoristas o aumento do valor das corridas em situações de preço dinâmico, quando há grande procura de usuários em um mesmo lugar.
"Em média, as empresas ficam com cerca de 15% do valor das corridas. Vai ter corrida que você está pagando 20, ele vai estar recebendo 10, mas pode ter corrida que você está pagando 8 e ele está recebendo 10. Isso depende muito do modelo de oferta e demanda", diz André Porto, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas como Uber, iFood e 99. Procuradas pela EXAME, as empresas disseram que se pronunciariam por meio da associação.
Porto avalia que a definição de um valor de remuneração mínima, em debate no Congresso, seria a melhor resposta (leia mais abaixo), e que limitar taxas traria problemas. “Isso faz parte do modelo de negócio de cada uma. A gente não pode simplesmente restringir porque vai estar podando a inovação das próprias plataformas”, afirma.
Em resposta aos motoristas que passaram a recusar corridas, os aplicativos criaram regras para tentar evitar isso, como punir quem rejeita vários pedidos em pouco tempo e deixá-los por um período sem receber demandas.
Para escapar disso, parte dos condutores passaram a aceitar algumas viagens que não querem fazer, e cancelá-las minutos depois. Isso faz com que usuários acabem esperando em vão e percam tempo até que um novo motorista aceite.
"Se eu aceito uma corrida enquanto estou terminando outra, fico sem receber novos pedidos ruins enquanto isso, que teria de cancelar. É vantagem para a gente, embora irrite o usuário. Mas é o jogo", afirma um motorista.
"Todo ecossistema precisa de regras. Você não pode permitir que o motorista logue na plataforma e fique logado só cancelando e cancelando, porque está prejudicando todo o ecossistema e a segurança daquilo", diz Porto, da Amobitec.
Nos últimos meses, as plataformas também fizeram alterações nos aplicativos, como criar categorias um pouco mais caras que a básica, como Uber Comfort e 99Plus. O app da Uber, por exemplo, sugere mudar a categoria da viagem para uma superior para aumentar as chances de aceite da corrida. Em outra mudança recente, a opção de cancelar um pedido ficou mais escondida: em vez de aparecer na tela inicial, fica oculta dentro do botão “informações da viagem”.
Há um debate em andamento na Câmara dos Deputados sobre novas regras para o trabalho por aplicativo. Um dos pontos em discussão é definir uma remuneração mínima aos motoristas. Em março, foi criada uma subcomissão na Câmara para debater o tema.
“Defendemos o mínimo de 2 reais por quilômetro rodado e 10 reais a hora mínima de trabalho. O trabalhador não pode estar na rua sem um ganho para sustentar o trabalho dele”, diz Leandro Cruz, presidente da Fenasmapp, que reúne sindicatos de motoristas por aplicativo.
As empresas, por outro lado, consideram que o valor líquido mínimo ganho por hora seja de 6 reais, número proporcional ao salário mínimo mensal nacional. A proposta atual da Amobitec prevê valor mínimo de 21,22 reais por hora trabalhada para os motoristas, e de 12 reais para entregadores de moto, para que eles possam custear os gastos de manutenção dos veículos. “Com um mínimo legal, a gente garante uma remuneração mínima adequada ao trabalhador e, ao mesmo tempo, permite que os modelos de negócios tenham competição entre si. A remuneração por quilômetro rodado travaria os modelos de negócios”, diz Porto, da Amobitec.
No entanto, um dos pontos sensíveis é o debate sobre a remuneração do tempo de espera: as empresas defendem que a remuneração deve considerar apenas o tempo em viagem, e desconsiderar o de espera por chamadas ou pedidos, no caso de entregadores.
Atualmente, a subcomissão e o Ministério do Trabalho estão debatendo o projeto de lei, que deve ficar para 2024, já que o ano de trabalho no Congresso já está em reta final. Quem espera por essas novas regras também vai precisar ter paciência.