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Pandemia deve quebrar tabu de bancos centrais bancarem gastos do governo

Com forte alta de gastos públicos e risco de sobrecarregar a capacidade de financiamento dos mercados de títulos, cresce ideia do financiamento monetário

Pessoas com máscaras passam pelo Banco da Inglaterra em Londres em 23 de março de 2020 (Toby Melville/Reuters)

João Pedro Caleiro

Publicado em 21 de abril de 2020 às 08h00.

Última atualização em 21 de abril de 2020 às 08h00.

A economia em tempos de coronavírus quebra recordes na tomada de financiamento por governos e na concessão de empréstimos por bancos centrais. Logo será quebrado o tabu que separa essas duas práticas.

O chamado financiamento monetário se refere a governos que bancam gastos do orçamento com empréstimos do banco central. Aconteceu durante a República de Weimar na Alemanha e em países da América Latina. O risco é que os políticos usem isso para passar por cima da independência do banco central, despejando dinheiro fácil na economia e provocando inflação descontrolada.

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O rigor contra o financiamento direto se sustentou mesmo em diversas crises nas quais os bancos centrais de fato compraram muita dívida pública. No entanto, fizeram questão de aplicar essa tática de maneira indireta, adquirindo títulos no mercado secundário.

Em meio a uma pandemia que impõe exigências sem precedentes aos cofres públicos e pode sobrecarregar a capacidade de financiamento dos mercados de títulos, alguns especialistas em política monetária acham que é hora de romper essa barreira.

“Independência não significa ter que dizer não a um pedido de monetização direta”, explica Willem Buiter, economista-chefe do Citigroup que já trabalhou no Banco da Inglaterra. “Significa poder dizer sim ou não."

Cheque especial do governo

Agora, na visão de Buiter, a resposta que faz sentido nas economias desenvolvidas é “sim”.

Enquanto despejam dinheiro na luta contra o vírus, as autoridades “não precisam se preocupar com o mercado de dívida soberana”, avalia ele. Os bancos centrais podem simplesmente comprar dívida diretamente dos governos, eliminando intermediários, “ou simplesmente colocar crédito na conta do Tesouro”.

Na semana passada, o Banco da Inglaterra parecia estar implementando esta última opção quando funcionou como cheque especial do governo e instigou o interesse dos observadores de bancos centrais.

O mecanismo já foi utilizado em tempos de guerra e, mais recentemente, após a crise de 2008. É uma medida temporária, segundo representantes do governo britânico.

‘Vão fazer’

Mas a história recente da política monetária é repleta de medidas paliativas introduzidas durante crises que se mostram difíceis de reverter. E tendem a deixar as finanças do governo e do banco central mais entrelaçadas.

O banco central japonês, por exemplo, começou a acumular títulos do governo duas décadas atrás para combater a deflação. Atualmente, seu balanço patrimonial é maior do que o PIB, a instituição detém 43% dos títulos públicos em circulação e sua política de flexibilização quantitativa foi replicada em todo o mundo industrializado.

“O Banco do Japão enveredou por esse caminho no final da década de 1990 e todos nós seguimos seu exemplo”, afirma Russell Jones, sócio da Llewellyn Consulting, uma empresa de pesquisas de Londres. “Foi uma mudança progressiva. Estamos caminhando para o financiamento monetário explícito.”

Essa barreira pode ser quebrada em breve, segundo ele. Se a deterioração das economias continuar por causa da pandemia, “você verá bancos centrais que financiam diretamente seus governos, eles farão isso explicitamente, é só questão de tempo”.

A visão do economista-chefe da Bloomberg: “Na época da grande crise financeira, os bancos centrais podiam legitimamente argumentar que a compra de ativos era a busca de política monetária por outros meios, reduzindo os custos das captações de longo prazo para estimular a tomada de empréstimos pelo setor privado. Em 2020, não existe essa desculpa. Ainda não chegamos ao financiamento monetário de déficits fiscais. Mesmo assim, os governos serão os principais beneficiários das compras pelos bancos centrais.”

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