OPINIÃO | Copom: ônus sem bônus
Na última quarta-feira, o comitê cortou a taxa de juro básica em 25 pontos-base, de 10,75% a.a. para 10,50% a.a.
Colunista
Publicado em 10 de maio de 2024 às 09h39.
Quando o BC é frouxo, atua como uma “pomba”. Quando joga duro é “falcão”. Na última quarta-feira, o Copom cortou a taxa de juro básica em 25 pontos-base, de 10,75% a.a. para 10,50% a.a. Até então, o juro vinha sendo reduzido a um ritmo mensal de 50 pontos-base.
Na classificação ornitológica do mercado, houve consenso que a última escolha pertence à família dos falconídeos. Ao reduzir pela metade o ritmo de distensão do torniquete monetário, não resta dúvida que o BC bicou como um carcará. É fácil entender o motivo.
O ambiente externo está mais nebuloso. Com o segundo trimestre perto da metade, não há sinal do esperado “pouso” da economia americana, suave ou não, a despeito do juro alto. O PIB pode estar crescendo mais de 4% a.a., o dobro do potencial de longo prazo, sem ociosidade.
A inflação resiste em um patamar desconfortável, reduzindo o raio de manobra das pombas americanas. O dólar, que está caríssimo, tende a se valorizar ainda mais. Juros mais altos nos EUA puxam os juros no resto do mundo, Brasil inclusive.
Além desse empecilho externo, o Copom tem motivos domésticos para se preocupar com a dinâmica dos preços, pois o enredo aqui é parecido com o americano. O crescimento vem surpreendendo favoravelmente e o mercado de trabalho encontra-se vigoroso, com a taxa de desemprego relativamente baixa e os salários crescendo com força.
São notícias boas, é claro, mas que lançam dúvidas sobre a tendência da inflação. O conjunto dos preços menos susceptíveis aos vaivéns de curto prazo, por exemplo, variam acima da meta. Além disso, o pano de fundo piorou com a última demonstração da falta de firmeza com que as metas fiscais são perseguidas no Brasil. As expectativas de inflação para 2025 começaram a subir.
Juntando tudo, não surpreende o fato de o BC ter tomado a decisão de jogar um pouco de água na fervura. Além de diminuir o ritmo da flexibilização monetária e redigir um comunicado mais cauteloso, o colegiado foi bem mais vago ao indicar os próximos passos. Se fosse só isso, a notícia já estaria servindo para embrulhar peixe na feira.
Aplicar um remédio amargo para segurar o ritmo de expansão da demanda agregada é sempre uma decisão difícil e custosa – mais ainda em momentos tristes como o atual. Dessa vez, porém, além do ônus natural e esperado, o BC corre o risco de não colher o bônus.
O placar da decisão foi o mais dividido possível: 5 votos pela moderação e 4 votos pela manutenção de um corte de 50 pontos. Do ponto de vista prático, 25 pontos-base a mais ou a menos na taxa de juro fazem pouquíssima diferença. O problema é o efeito potencial da decisão sobre expectativas.
Como o comportamento da inflação depende não apenas das condições econômicas do presente, mas também do que se espera para o futuro, o jogo da política monetária sujeita-se à credibilidade do BC. Com credibilidade, o custo de manter a inflação sob controle é mais baixo e vice-versa.
Em 2012, por exemplo, o presidente do Banco Central Europeu acabou com uma crise que ameaçava a existência do Euro no gogó, sem gastar um tostão. Disse que faria o que fosse necessário para preservar a moeda comum e deu certo. Era o Mario Draghi, mais ortodoxo do que rótulo de maisena.
Lula não aprova os rumos da política monetária no Brasil. Não existe coordenação entre as ações do BC e as demais iniciativas do governo. Assim, o placar dividido incomoda porque todos os “gaviões” do Copom foram indicados pelo governo anterior e as “pombas” pelo atual. Todos são competentes e não há nada que permita em princípio duvidar de seu compromisso anti-inflacionário. Entretanto, no jogo das aparências, a coisa ficou meio esquisita.
É sempre possível redigir atas embasando tecnicamente decisões separadas por 25 pontos-base. O problema obviamente não está na escolha do juro em si. O bombardeio de Lula ao BC e seu presidente vem alimentando há tempos a suspeita de que ele transformaria o Copom em uma gaiola de columbídeos. A suspeita ganhou corpo na quarta-feira.
Elogios ao Palmeiras feitos por corintianos são mais críveis do que os feitos por palmeirenses da mesma forma que são suspeitíssimas as frases que começam com “não é porque é o meu filho ...”. Se a decisão e o placar do Copom tivessem sido os mesmos, trocando as escolhas de cada grupo, o impacto seria positivo porque, nesse caso, o BC ganharia credibilidade.
Quando há assimetria de informação, só se ganha reputação agindo contra as aparências. Se indicado por Lula, até o saudoso Milton Friedman precisaria começar falando grosso.
Não é o fim do mundo, é claro, porque impressões e expectativas são importantes, mas o que vale mesmo é a realidade, que, cedo ou tarde, acaba se impondo. Como diria Gilberto Gil, a confusão foi desnecessária, mas dá para reverter o estrago potencial com papel, saliva e ações. A responsabilidade é do BC, principalmente a partir de 2025. Por ora, a medida teve só ônus sem bônus.