Economia

Lojistas têm perdas de até 90% na reabertura de comércio no Rio

Somente o Saara, tradicional ponto de vendas da cidade, registrou queda de 50% nas vendas do comércio

Consumidores caminham no mercado do Saara, no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)

Consumidores caminham no mercado do Saara, no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 27 de julho de 2020 às 06h47.

Última atualização em 27 de julho de 2020 às 15h36.

Há 42 anos à frente da tradicional Loja Vesúvio, na Rua da Carioca, Centro do Rio, o comerciante Armando Júnior, de 70, não lembra ter vivido fase tão difícil. Após ficar 145 dias fechado por conta da pandemia de covid-19, ele viu as vendas de guarda-chuvas e guarda-sóis caírem 90%. Ao lado, outros empreendimentos também lutam para manter as portas abertas. Mas a batalha não será fácil. Autorizadas a retomarem as atividades no fim de junho, as lojas de rua ainda não deram sinais de recuperação. De acordo com levantamento do Clube de Diretores Lojistas do Rio (CDLRio) e do Sindicato de Lojistas do Comércio (SindilojasRio), houve uma queda de 80%, em média, nas vendas nas primeiras semanas de julho em comparação com o mesmo período do ano passado.

— Está sendo bem pior do que eu imaginava. Os dois primeiros meses deste ano mostravam uma melhora no resultado, mas da reabertura para cá acabou de vez. Tive dias aqui com nenhum cliente, o dia todo sem nenhuma venda. Estou vendendo agora 10% do que vendi em janeiro — conta Armando, que herdou a Vesúvio do pai. — Estamos há 73 anos na Rua da Carioca, que hoje parece uma rua fantasma. Estamos todos no mesmo barco. Minhas lamentações não são diferentes das dos meus colegas.

Armando, que, nos últimos anos, precisou ir à Justiça para reafirmar a posse do terreno, agora está preocupado com o futuro da empresa.

— Desse jeito, vou fechar o ano no prejuízo. E não sei o que será de 2021.

Atualmente, há mais lojas fechadas do que abertas na Rua da Carioca. A cerca de 50 metros da Vesúvio, outra loja tradicional na região, com 98 anos de história, recebe cada vez menos clientes. Reaberta há duas semanas, o Rei das Facas calcula perda de 40% no faturamento no ano. O quadro de funcionários, de oito empregados, passou para quatro.

— Nós fechamos em março e só reabrimos no início de julho. As vendas estão ruins, não conseguimos reestabelecer. É uma pena ver uma rua tão tradicional e tão histórica para o Rio, como é a Rua da Carioca, viver um abandono como esse. A realidade que já era ruim, piorou com a pandemia. Hoje poucas pessoas circulam por aqui. Estamos recebendo os clientes mais antigos, que vêm para nos prestigiar. Eu trabalho aqui há quase 40 anos e estou preocupado — lamenta Eliezer Oliveira, funcionário do Rei das Facas.

Algumas lojas de instrumentos musicais retomaram as vendas. A maioria delas, no entanto, tem vendido menos da metade do que era inicialmente previsto para o mês.

O presidente da Sociedade de Amigos da Rua da Carioca e Adjacências (Sarca), Roberto Cury, afirma que das cerca de 2.500 lojas de rua existentes no Centro do Rio (sem contar a Saara), aproximadamente 1.800 ainda estão fechadas. E boa parte não voltará a funcionar. Para ele, a região histórica precisa de um forte investimento.

— O Centro está largado, um abandono que vem de anos. estamos desesperados e preocupados com o futuro.

Na Saara, queda de 50% nas vendas do comércio

Apesar de já viver uma crise nos últimos anos, a pandemia sepultou a esperança de retomada da Casa Turuna, conforme antecipado pelo colunista Ancelmo Gois, no jornal O Globo. A tradicional loja de tecidos, acessórios e fantasias foi fundada por dois portugueses há 105 anos e ficava na Saara. Logo após o último carnaval, os donos fecharam as portas.

— Eles enfrentavam uma situação difícil e já vinham demonstrando que a loja não seguiria funcionando. Na Saara, os nossos clientes principais são os trabalhadores que descem na hora do almoço ou que passam por aqui quando vão embora e acabam comprando alguma coisa. Com boa parte das pessoas trabalhando em esquema de home office, nós tivemos uma redução de quase 50% nas vendas — calcula o presidente do Polo Saara, Eduardo Blumberg.

O orçamento apertado e o desemprego são fatores que levam as pessoas a comprarem somente itens essenciais:

— Não esperávamos uma crise tão acentuada. O fraco movimento mostra que o consumidor segue preocupado com a doença e com seus reflexos. Por isso, ele sumiu — afirma Aldo Gonçalves, presidente do CDLRio e do Sindilojas.

Segundo ele, a dificuldade para os comerciantes acessarem as linhas de crédito do governo, o alto preço dos aluguéis e o acúmulo de impostos postergados somam-se à situação de crise vivida pelo setor. Ruas inteiras estão com lojas fechadas na Saara.

— Alguns ainda não conseguiram reestruturar a volta, enquanto outros buscam um ponto mais barato no Rio.

E a mesma situação se repete em outros bairros. Em Copacabana, Zona Sul, pequenos comércios ainda não retomaram o funcionamento. Em toda a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e na Rua Barata Ribeiro, portas fechadas e anúncios de "aluga-se". Comerciantes da região dizem que o movimento de clientes caiu em torno de 60% e que apenas as farmácias e os supermercados seguiram com o mesmo faturamento.

Dificuldades pré-Covid se intensificaram

A quebradeira de lojas e restaurantes no Centro do Rio já vinha sendo observada há alguns anos, depois do inicio de obras na região e, especialmente, após a implementação de mudanças no tráfego e acesso ao comércio, bem antes do desembarque do novo coronavírus no Brasil.

— A economia já estava enfraquecida antes da pandemia de Covid-19 ocorrer. O movimento de vendas do ano passado foi um fracasso. Nenhuma data comemorativa, nem mesmo o Natal, teve o resultado esperado. Se essa realidade não mudar rapidamente, milhares de negócios do setor não sobreviverão. O cenário é desanimador— afirma Aldo Gonçalves.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o comércio do Rio já perdeu quase 55 mil postos de trabalho com carteira assinada neste primeiro semestre. Além disso, a Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC) apresenta outro dado que preocupa ainda mais o setor: no país, o comércio deixou de faturar R$ 240,8 bilhões desde o início da pandemia de Covid-19.

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