Economia

Gutierrez, da UFRJ: juros altos, inflação e o difícil 2022 da economia

Desafios no Brasil e no mundo começam a ser precificados com a guerra na Ucrânia, mas um cenário de estagflação ainda não está desenhado, diz a economista Margarida Gutierrez, da UFRJ

Margarida Gutierrez, da UFRJ: "o dólar até está caindo agora, mas real não ficará eternamente se apreciando" (UFRJ/Divulgação)

Margarida Gutierrez, da UFRJ: "o dólar até está caindo agora, mas real não ficará eternamente se apreciando" (UFRJ/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 19 de março de 2022 às 15h06.

Última atualização em 19 de março de 2022 às 19h45.

Sem surpreender ninguém, tanto o Brasil quanto os Estados Unidos encerram a semana com juros mais altos do que começaram.

Para a economista Margarida Gutierrez, especialista em macroeconomia brasileira e internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a guerra na Ucrânia e os recordes no preço do petróleo pegam o mundo em um cenário que já vinha longe do ideal com o coronavírus. Ainda assim, Gutierrez aposta que nem o mundo nem o Brasil devem chegar ao cenário de estagflação — inflação descontrolada e economia estagnada — que se viu após os choques do petróleo nos anos 1970.

“O que acontece de diferente agora é que o Fed [banco central americano] ainda está com uma política de juros quase zerada. Ainda tem muita ‘gordura para queimar’”, diz. “E o Brasil teria de ter uma queda no PIB e uma subida de inflação brutal, o que por ora não está desenhado.”

Assine a EXAME e fique por dentro das principais notícias que afetam o seu bolso. Tudo por menos de R$ 0,37/dia.

Em terras estadunidenses, o Fed subiu na quarta-feira, 16, a taxa de juros para o intervalo entre 0,25% e 0,50% — e sinalizou outros seis aumentos neste ano. Por aqui, a taxa Selic subiu para 11,75%, e o fim do ciclo de altas que era esperado antes da guerra é agora incerto.

Falando à EXAME nesta semana, Gutierrez discutiu a tarefa dos bancos centrais pelo mundo de balancear juros e inflação, as semelhanças da estagflação clássica dos anos 1970 com os riscos atuais e os problemas particulares do Brasil em meio à crise. Leia abaixo os principais trechos.

 

É exagero discutir risco de estagflação? Como a senhora vê o uso do termo, aqui e lá fora?

Primeiro, temos de pensar o que é a estagflação: é uma inflação descontrolada com PIB estagnado ou caindo. Ainda não temos esse cenário. O termo ganhou força sobretudo nos anos 1970 para a economia americana, naqueles dois choques do petróleo, em 1973 e 1979. Agora, em 2022, o preço do petróleo chegou a subir mais de 40% nesse contexto de guerra, novamente podemos dizer que o petróleo é uma origem da discussão.

Mas, no caso do Brasil, está muito cedo para dizermos se o país vai viver estagflação. Avalio inclusive que parte relevante do contexto inflacionário recente acontece por causa da brutal subida do dólar nos últimos anos, e não só por questões clássicas de demanda e oferta. Pode até ser que alguns países do mundo vivam uma estagflação, mas o Brasil teria de ter uma queda no PIB e uma subida de inflação brutal, o que por ora não está desenhado.

No ano passado, o IPCA já foi um dos maiores desde o Plano Real. Não há riscos de a inflação não cair da forma como se espera, dos atuais 10% para perto de 6%?

Há muitos riscos na questão inflacionária. A maior ‘contribuição’ que a guerra está dando ao Brasil agora é o aumento do preço de commodities e petróleo, e o mundo inteiro está vivendo isso. Só que, no caso do Brasil, já há uma inflação fora da meta hoje [o teto da meta é de 5%], e esse choque global leva a mais pressões inesperadas.

O dólar até está caindo agora, mas o real não ficará eternamente se apreciando. Acredito que o real tende a se desvalorizar daqui a um, dois meses. E a resposta do Banco Central a isso será mais aumento de juros. Se quiser botar o juros na lua, o BC põe, mas, por outro lado, também joga a atividade econômica no chão. Então é um balanço que sempre se tenta buscar, e vai ser difícil.

Posto de gasolina em São Paulo: alta global dos combustíveis afeta o bolso dos brasileiros (Leandro Fonseca/Exame)

O que há de diferente nesta crise e na estagflação clássica dos anos 1970? Por que acredita que não chegaremos ao que ocorreu naquele momento? 

Se pensarmos qualitativamente, o cenário é parecido: choque de preço de petróleo que piora pressões inflacionárias. O que acontece de diferente agora é que o Fed ainda está com uma política de juros quase zerada. Vão ter de subir muito a taxa de juros para controlar a inflação, que bateu 8% e vai aumentar ainda mais com o petróleo. A resposta do Fed vai ter de ser forte, talvez ir a 2%, 3%, até 4%, em um período razoável.

A economia americana, no entanto, ainda está crescendo razoavelmente. O que aconteceu nos anos 1970 é que o juro americano chegou à casa dos 20% e o PIB teve queda, e mesmo assim a inflação estava em dois dígitos, daí o cenário de estagflação. Desta vez, não, ainda tem muita “gordura para queimar”. Naquele momento, o juro já estava em dois dígitos, hoje é quase zero.

O mundo está mais blindado contra choques do petróleo do que era nos anos 1970?

O mundo está em um caminho de transição energética, mas o petróleo ainda é crucial. A natureza do que está acontecendo, o choque de petróleo, são as mesmas coisas. Mas há diferenças importantes. Desta vez, a crise não é culpa da Opep [organização de países produtores], é uma questão mais política com a guerra na Ucrânia. Além disso, a produção de petróleo americana é hoje muito maior do que era, tem estoques reguladores, parte pode ser usada para amenizar o impacto do preço internacional.

O Brasil também, que era totalmente dependente da importação de petróleo. Hoje, ainda importa parte dos derivados, porque nas refinarias nacionais não se consegue fazer todo o refino. Mas é uma dependência muito diferente do que tinha há 50 anos. Claro que, apesar disso, há um impacto muito bruto dos combustíveis na inflação, e essa é a principal preocupação.

Putin: guerra na Ucrânia deve inevitavelmente desacelerar recuperação global pós-covid (Andrey Rudakov/Bloomberg/Getty Images)

Na questão de demanda, a crise chega aos EUA com o mercado de trabalho muito aquecido. Mas por aqui, a inflação já estava alta mesmo com o mercado ainda não tendo se recuperado. Isso torna a situação do Brasil ainda pior?

A economia americana de fato já estava crescendo a um ritmo veloz, estavam com quase pleno emprego, salários subindo. Mas eu diria que na economia brasileira também tivemos uma boa recuperação no mercado de trabalho, o nível de ocupação superou o pré-pandemia, e não só em empregos informais, também nos formais. Os números mostraram uma criação líquida de empregos, não é que estávamos com a economia parada no fim de 2021. Nenhuma empresa contrata mão de obra para deixar parada, havia toda uma expectativa de aumento da demanda.

Ao mesmo tempo, sim, tínhamos uma taxa de desemprego caindo, mas que ainda era 11%, não dava ainda para dizer que o mercado de trabalho estava a pleno vapor. Agora, essa crise vai obrigar o BC a subir mais os juros, isso pode tirar pontos do PIB e a inflação prolongada deve tirar gás da economia. Esse é um ponto super sensível para a economia brasileira.

O quanto a guerra vai atrapalhar o mundo na recuperação pós-covid? 

Certamente é sempre um problema para a aversão a risco, em primeiro lugar. A inflação é o primeiro canal em que isso se mostra, há uma desorganização das cadeias produtivas que já está se manifestando a nível global, está faltando tudo e paralisando uma atividade produtiva que ainda começava a se recompor. Isso agrava as condições de oferta.

E com essas sanções agora, a economia global vai ter uma recuperação muito mais lenta, tudo isso tira pontos do PIB. A guerra é um evento totalmente fora de ordem e entrou para complicar um contexto que já tinha muita incerteza e riscos, no Brasil e no mundo.

O Brasil é grande exportador de commodities, que estão com preço recorde. Em alguma medida, não deveríamos esperar que o Brasil fosse beneficiado? O que esperar para este ano dados os novos desdobramentos?

A economia brasileira é uma questão muito difícil, porque temos um adicional de incerteza chamado eleições. Isso ainda não está aparecendo nos principais preços, temos até dólar caindo, risco Brasil subiu um pouco, mas nada dramático. Mas ainda acredito que, quando o debate [eleitoral] começar e as incertezas ficarem mais evidentes, vamos ter esse risco precificado na economia brasileira.

Se as condições financeiras macro domésticas começam a piorar, juros futuros começam a subir, aí expectativas de inflação aumentam mais… e então isso cria uma paralisia no nível de atividade, na contratação de mão de obra, em decisão de investimento, todos esperando para ver o cenário Brasil e as eleições se tornarem realidade. Já havia essa questão antes da guerra, que agora é ainda mais um complicador para o Brasil.

Onde Investir em 2022? Faça o teste e descubra se você está preparado para encontrar as melhores oportunidades de investimento do ano.

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralCrise econômicaDesempregoFed – Federal Reserve SystemInflaçãoJurosUcrânia

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor