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Grécia: a crise íntima de Yanis Varoufakis

Ex-ministro das Finanças da grego oferece a chance de olhar pelo lado de dentro uma das crises mais importantes do século 21

GREVE GERAL NA GRÉCIA: uma crítica de Varoufakis é que, ao emprestar bilhões de euros aos gregos, os países da zona do euro estavam apenas salvando os bancos privados credores do país / Costas Baltas/Reuters
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Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2017 às 07h03.

Última atualização em 9 de dezembro de 2017 às 11h50.

Adults in the Room: My Battle with the European and American Deep Establishment (“Os adultos na sala: minha batalha com o establishment europeu e americano”)

Autor: Yanis Varoufakis

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Editora: Farrar, Straus and Giroux

555 páginas

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Alguns dos melhores documentários e livros sobre a história são aqueles que conseguem registrar em detalhes os momentos decisivos na vida de um país e também explorar as dimensões pouco acessíveis ao público. Um deles é o documentário Crise (1967), do diretor Robert Drew, que retrata um episódio de 1963 nos Estados Unidos quando o governador do Alabama, George Wallace, se recusou a permitir a matrícula de estudantes negros nas universidades, contrariando uma decisão da Suprema Corte americana. A postura o colocou em confronto com o presidente John F. Kennedy. O presidente acabou ordenando a federalização da Guarda Nacional do Alabama, tirando seu controle das mãos de Wallace, a fim de garantir que os estudantes negros pudessem completar a matrícula. O documentário Crise mostra o episódio de uma perspectiva privilegiada. Câmeras conseguiram registrar os bastidores de reuniões e do dia a dia tanto de Kennedy e do Procurador-Geral, Robert (Bobby) Kennedy, quanto do governador George Wallace. O diretor Robert Drew registrou momentos cruciais do episódio, como a reunião em que JFK e Bobby decidem intervir. Hesitante, o presidente pouco fala e concorda com a solução proposta por seu estafe; tudo devidamente registrado pelas lentes.

Esse é justamente o espírito do livro Adults in the Room: My Battle with the European and American Deep Establishment (“Os adultos na sala: minha batalha com o establishment europeu e americano”, numa tradução livre), de Yani Varoufakis, economista e ex-ministro das finanças da Grécia . No livro, temos a chance de olhar pelo lado de dentro uma das crises mais importantes do século 21: a quebra da Grécia. Embora os assuntos tratados por Crise e pelo livro de Varoufakis sejam diferentes, o livro tem o mesmo tom de urgência do documentário americano, relatando ações e percepções que já têm e terão impacto histórico.

Integrante do Syriza, partido de extrema-esquerda que ganhou as eleições gerais gregas em 2015, Varoufakis conta em detalhes as reuniões, conversas e altercações que teve com alguns dos mais importantes políticos, pensadores e tomadores de decisão da Europa e do mundo – do investidor George Soros à presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde. O ex-ministro conseguiu circular com razoável liberdade nos círculos da intelligentsia mundial.

Professor das universidades de Atenas e Austin, Varoufakis teve uma carreira acadêmica antes de se tornar o braço direito do primeiro-ministro Alexis Tsipras.

Talvez pensando nos historiadores do futuro, Varoufakis dedica diversas páginas a detalhar pequenas decisões e discussões que teve com Tsipras e outros líderes do Syriza. O leitor interessado na história recente da Grécia encontrará um relato minucioso de reuniões, debates e conversas em cafés e restaurantes de Atenas, Washington e outras capitais políticas, financeiras e intelectuais do mundo. Eleito para o parlamento nacional com 142 000 votos, o ex-ministro das finanças gregas garante que, desde o dia em que foi eleito, carregava sempre consigo uma carta de demissão. Segundo ele, a missiva dava-lhe “liberdade”, algo que seus inimigos viriam a “odiar”.

Em Adults in the Room, o leitor é levado por Varoufakis em sua jornada de 162 dias como ministro das finanças do país. A mobília do gabinete que ocupou, escreve, “tinha um ar de decadência, especialmente um sofá de veludo vermelho”. “Perfeito, pensei eu, para o ministério das finanças de um estado falido. A única exceção era uma mesa de reunião grande e retangular, que imediatamente adotei como minha estação de trabalho, bem longe da escrivaninha ministerial, que eu fazia questão de nunca usar.”

Um dos méritos do livro está na primeira parte, na qual o leitor entende os motivos que levaram o Syriza ao poder. A intimidade de Varoufakis com o modo de funcionamento da economia mundial joga luz nas estratégias usadas pelos países da zona do euro para resgatar a economia da Grécia. De acordo com ele, o país mediterrâneo foi usado como desculpa para salvar os bancos europeus, debilitados pela crise de 2008 e sua atuação irresponsável nas finanças mundiais comprando títulos pouco confiáveis.

A crítica de Varoufakis é que, ao emprestar bilhões de euros aos gregos, os países da zona do euro estavam apenas salvando os bancos privados às custas da economia grega. Uma parte dos mais de 300 milhões de euros destinados à Grécia de fato foi para as mãos do Estado, cerca de 3% do total. O grosso do montante foi usado para pagar compromissos do país com bancos privados. E o custo desse dinheiro foram as condições impostas pela troika, a chamada austeridade.

As finanças da Grécia, afirmavam as autoridades europeias e mundiais, como o Fundo Monetário Internacional, só voltariam a ser sãs mediante cortes severos nos gastos do Estados, especialmente com benefícios sociais, como aposentadorias e outros programas de bem-estar social. Só assim, argumentavam os credores, o país recuperaria sua credibilidade internacional e se tornaria competitivo novamente. Caso a Grécia se recusasse a cumprir as condições impostas, havia uma ameaça sempre pairando: a saída da zona do euro, o Grexit.

Estraçalhado pela crise, o país não se encontrava em situação melhor no que diz respeito à política. Os partidos centristas, que antes se alternavam no poder, já não tinham mais força e eram vistos com desconfiança por serem submissos demais às condições dos empréstimos impostos à Grécia. Foi nesse vácuo que o Syriza e Varoufakis ultrapassá-los e vencer as eleições de 2015.

Alicerçados numa plataforma voltada aos direitos sociais e determinados a não fazerem os cidadãos gregos pagarem pelos erros do mercado, o partido de extrema-esquerda venceu as eleições, mas não conseguiu formar maioria suficiente para governar sozinho. Lendo Adults in the Room, fica-se com a impressão que a maior parte dos problemas que o governo de Alexis Tsipras teve nasceu da necessidade que o Syriza teve de negociar com outros atores dentro e fora da Grécia para garantir que alguma coisa seria feita para recuperar a economia.

Varoufakis dedica a maior parte do livro a descrever em detalhes os acontecimentos de seu mandato como ministro das finanças. As conversas públicas e privadas, as risadas e olhares desconfiados; mensagens de texto, e-mails e bilhetes. Em alguns momentos, é possível esquecer que se está lendo as memórias de um político e acadêmico. Em outros, minúcias extensas fazem o leitor se perder, em meio a tantos nomes, datas e instituições envolvidas. Isso não quer dizer, no entanto, que não haja lição no final de tudo (e do livro).

Segundo seu relato, Varoufakis não conseguiu vencer a batalha dentro do próprio governo, ao propor que Tsipras tentasse negociar uma reestruturação da dívida grega. No final, viu-se isolado em todas as frentes, até mesmo por seu líder, o primeiro-ministro eleito. “Meu erro”, diz Varoufakis a respeito de Tsipras, “foi não perceber outras coisas que estavam no pacote [além de suas qualidades]: seu plano B, que inevitavelmente anularia meu trabalho; sua frivolidade; sua tendência à melancolia; e por último seu intenso desejo de mostrar a um mundo cético que ele não era uma estrela cadente”.

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