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Governos não tomam decisões simples

A recusa das autoridades em admitir soluções simples para os problemas inferniza a vida do cidadão e cobra um preço insano em termos de crescimento do país

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 14h17.

É um fato bem sabido, já faz muito tempo, que há no Brasil uma extrema dificuldade para os governos tomarem decisões simples. Também se enrolam, claro, quando se trata de tomar decisões complicadas, mas aí já dá para entender - grandes problemas são grandes problemas, e é previsível que levem muito tempo, esforço e dinheiro grosso para serem resolvidos um dia. Não há, ao que parece, motivos mais evidentes para explicar essa resistência generalizada às soluções menores. Teses a respeito não faltam. A mais comum sustenta que existe uma má vontade genética, por parte de qualquer autoridade pública, em admitir que alguma coisa, qualquer coisa, possa ser simples; sugerir que a vida talvez não seja sempre como pensam é quase um insulto pessoal para os guardiães da grande, média e pequena administração nacional. Como acham que tudo é complicadíssimo, só se sentem à vontade pensando em saídas também complicadíssimas - e ainda não se descobriu nada melhor que isso para atrasar ou impedir que se faça aquilo que deveria ser feito. Seja qual for a explicação, problemas que há muito tempo já poderiam estar resolvidos, ou pelo menos atenuados, continuam a infernizar a vida de todo mundo. Continuam, sobretudo, cobrando um preço insano para o desenvolvimento do país.

Uma reportagem recente de EXAME sobre a Wickbold, indústria de pães de forma e outros alimentos fundada 70 anos atrás em São Paulo, mostrou que não há limites, realmente, no que o governo é capaz de fazer neste seu compromisso permanente com a complicação. Entre outras penas, a empresa tem de manter 426 livros contábeis, fiscais e trabalhistas, recolhe o ICMS em 14 dias diferentes do mês e convive com uma tabela de IPI que tem 14 357 aplicações diferentes e está sempre mudando; neste ano, só até o final de agosto, já tinham sido feitas 85 alterações. Corte-se dessa história a palavra "Wickbold" e coloque-se em seu lugar o nome de outra empresa brasileira qualquer - é quase certo que a situação vai se repetir, talvez para pior. É uma alucinação que não existe, possivelmente, em nenhum outro lugar do planeta. Será que não daria, por exemplo, para reduzir a 200 a quantidade de livros tidos como indispensáveis ou a 7 000 o número de aplicações do IPI? Já se ganharia a metade, e o governo ainda ficaria com muito livro e muita aplicação para se divertir. Infelizmente não dá. É claro que nem mesmo os administradores da máquina pública, talvez até por guardarem algum senso do ridículo, acham que uma coisa dessas está certa. Tente-se, porém, pedir que cortem um, apenas um, dos 426 livros; vão dizer que é "impossível". E as mudanças na tabela do IPI - não daria para fazer 84 em vez de 85? Também vão dizer que é "impossível". É o lema sagrado da administração brasileira: "Possível é nada".

A coisa toda parece especialmente sombria quando se leva em conta que a questão não está, como acontece com freqüência dentro do poder público, na penúria de meios tecnológicos para racionalizar os procedimentos. Não faltam computadores e sistemas de última geração à disposição do governo, mas o seu emprego é seletivo; servem para algumas tarefas, não servem para outras. Nas repartições que promovem o conjunto de atos dementes descritos acima, a era digital, definitivamente, não chegou. Também não há esperanças de que venha a ocorrer alguma melhora pela intervenção de um braço forte - alguém, lá no topo do governo, que se incomodasse com todo esse desvario e desse o sempre falado "soco na mesa", exigindo dos responsáveis uma solução para o problema, ou pelo menos para os seus aspectos mais grosseiros. Não haveria barreiras com a Constituição ou com as leis, pois grande parte das travas é de produção doméstica da própria burocracia; para removê-las, basicamente, basta mandar. Não seria, por exemplo, uma tarefa para a ministra Dilma Rousseff? Ela é descrita dia sim, dia não como a “ministra forte” do governo; além disso, é a mãe do PAC, a madrinha do pré-sal e sabe-se lá quanta coisa mais. Com essa força toda, não conseguiria algum resultado? Não se sabe quais são as opiniões da ministra quanto ao tema, mas, sejam quais forem, não vai fazer diferença; a máquina que produz aberrações na administração pública é indiferente a ministros fortes. Melhor nem tentar.

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É um fato bem sabido, já faz muito tempo, que há no Brasil uma extrema dificuldade para os governos tomarem decisões simples. Também se enrolam, claro, quando se trata de tomar decisões complicadas, mas aí já dá para entender - grandes problemas são grandes problemas, e é previsível que levem muito tempo, esforço e dinheiro grosso para serem resolvidos um dia. Não há, ao que parece, motivos mais evidentes para explicar essa resistência generalizada às soluções menores. Teses a respeito não faltam. A mais comum sustenta que existe uma má vontade genética, por parte de qualquer autoridade pública, em admitir que alguma coisa, qualquer coisa, possa ser simples; sugerir que a vida talvez não seja sempre como pensam é quase um insulto pessoal para os guardiães da grande, média e pequena administração nacional. Como acham que tudo é complicadíssimo, só se sentem à vontade pensando em saídas também complicadíssimas - e ainda não se descobriu nada melhor que isso para atrasar ou impedir que se faça aquilo que deveria ser feito. Seja qual for a explicação, problemas que há muito tempo já poderiam estar resolvidos, ou pelo menos atenuados, continuam a infernizar a vida de todo mundo. Continuam, sobretudo, cobrando um preço insano para o desenvolvimento do país.

Uma reportagem recente de EXAME sobre a Wickbold, indústria de pães de forma e outros alimentos fundada 70 anos atrás em São Paulo, mostrou que não há limites, realmente, no que o governo é capaz de fazer neste seu compromisso permanente com a complicação. Entre outras penas, a empresa tem de manter 426 livros contábeis, fiscais e trabalhistas, recolhe o ICMS em 14 dias diferentes do mês e convive com uma tabela de IPI que tem 14 357 aplicações diferentes e está sempre mudando; neste ano, só até o final de agosto, já tinham sido feitas 85 alterações. Corte-se dessa história a palavra "Wickbold" e coloque-se em seu lugar o nome de outra empresa brasileira qualquer - é quase certo que a situação vai se repetir, talvez para pior. É uma alucinação que não existe, possivelmente, em nenhum outro lugar do planeta. Será que não daria, por exemplo, para reduzir a 200 a quantidade de livros tidos como indispensáveis ou a 7 000 o número de aplicações do IPI? Já se ganharia a metade, e o governo ainda ficaria com muito livro e muita aplicação para se divertir. Infelizmente não dá. É claro que nem mesmo os administradores da máquina pública, talvez até por guardarem algum senso do ridículo, acham que uma coisa dessas está certa. Tente-se, porém, pedir que cortem um, apenas um, dos 426 livros; vão dizer que é "impossível". E as mudanças na tabela do IPI - não daria para fazer 84 em vez de 85? Também vão dizer que é "impossível". É o lema sagrado da administração brasileira: "Possível é nada".

A coisa toda parece especialmente sombria quando se leva em conta que a questão não está, como acontece com freqüência dentro do poder público, na penúria de meios tecnológicos para racionalizar os procedimentos. Não faltam computadores e sistemas de última geração à disposição do governo, mas o seu emprego é seletivo; servem para algumas tarefas, não servem para outras. Nas repartições que promovem o conjunto de atos dementes descritos acima, a era digital, definitivamente, não chegou. Também não há esperanças de que venha a ocorrer alguma melhora pela intervenção de um braço forte - alguém, lá no topo do governo, que se incomodasse com todo esse desvario e desse o sempre falado "soco na mesa", exigindo dos responsáveis uma solução para o problema, ou pelo menos para os seus aspectos mais grosseiros. Não haveria barreiras com a Constituição ou com as leis, pois grande parte das travas é de produção doméstica da própria burocracia; para removê-las, basicamente, basta mandar. Não seria, por exemplo, uma tarefa para a ministra Dilma Rousseff? Ela é descrita dia sim, dia não como a “ministra forte” do governo; além disso, é a mãe do PAC, a madrinha do pré-sal e sabe-se lá quanta coisa mais. Com essa força toda, não conseguiria algum resultado? Não se sabe quais são as opiniões da ministra quanto ao tema, mas, sejam quais forem, não vai fazer diferença; a máquina que produz aberrações na administração pública é indiferente a ministros fortes. Melhor nem tentar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito, diante das excelentes notícias que não pára de receber, que está num "momento mágico." Quem sabe assim, com mágica, se poderia esperar alguma coisa - porque, tirando isso, não se vê realmente outro jeito.

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