Delfim Netto: reforma tributária não é sinônimo de menos imposto
Em debate na Amcham, especialistas defenderam manutenção da carga tributária, redução das despesas do governo e descentralização fiscal
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2011 às 13h27.
São Paulo - Discutida à exaustão por anos a fio, a reforma tributária no Brasil frequentemente é associada à redução na carga tributária, principalmente quando as opiniões vêm de empresários e representantes da indústria. Entretanto, para o ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, esta ideia "não é factível no Brasil".
Delfim participou de debate na Câmara Americana de Comércio nesta quinta-feira (18/11) e defendeu a opinião de que seria imprudente reduzir a arrecadação, sobretudo no momento em que o país acelera seu crescimento. O pensamento do economista toma o rumo oposto.
Para ele, o país deveria aproveitar o potencial de arrecadação que há nos consumidores que chegam à formalidade e ao sistema econômico. "Este estímulo deveria ser usado para incrementar a poupança interna", diz.
Durante o seminário, especialistas enfatizaram que, embora o momento não seja de alívio da carga tributária, chegou a hora de uma reforma. Bernad Appy, ex-secretário de Políticas Econômicas do Ministério da Fazenda, explicou que é preciso haver uma reestruturação do sistema de impostos do país.
No atual modelo de gestão fiscal, segundo ele, o crescimento econômico contribui para uma elevação natural do consumo. Este efeito, por sua vez, conduz a um aumento da carga tributária gerando uma confortável situação de "folga fiscal". Aí está o perigo, para o especialista. Nos últimos anos, esta arrecadação favoreceu o aumento de despesas correntes do governo, quando deveria ter potencializado os investimentos em infraestrutura e a poupança interna.
Por esta razão os economistas veem com reservas a sustentabilidade do crescimento explosivo da economia brasileira. "Se os gastos com a máquina pública não diminuírem, o governo vai perder massa de manobra para o desenvolvimento do país", diz Appy.
Ele encara com otimismo o momento de transição entre presidências. "Começo de governo é uma boa época para discutir questões como a reforma tributária. Dilma tem mais chance de fazê-la por partes do que tentar resolver o todo", afirmou o ex-secretário do Ministério da Fazenda.
ICMS
Delfim Netto afirmou diversas vezes que não acredita em uma gigantesca reforma tributária, a qual parece impossível de ser realizada. Para o ex-ministro da Fazenda, uma abordagem mais eficiente seria a de resolver "o que for possível, com foco em problemas pontuais". Além de encolher os gastos correntes do governo, isto significa também resolver distorções no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Atualmente, o ICMS é cobrado nos estados de origem da produção. Frequentemente, municípios brasileiros atraem indústrias para seu território oferecendo benefícios ligados ao pagamento deste imposto. “Isso dá origem à guerra fiscal que hoje está generalizada", diz Bernard Appy.
Esta prática, segundo ele, gera enormes distorções. "Por exemplo, um estado da União que é distante dos grandes centros econômicos usa incentivos para atrair uma indústria automobilística. Isto é incoerente. Ao mesmo tempo, você vê um estado como São Paulo incentivar a vinda de produtores de trigo que poderiam estar bem melhor adaptados em outro local."
Federalismo
Outra questão relevante na discussão sobre a reforma tributária foi levantada pelo professor da Fundação Getúlio Vargas Fernando Rezende. Para ele, todos os debates sobre o tema esbarram no nosso federalismo fiscal.
"Em qualquer federação do mundo, o que funciona é o regime de equalização fiscal. As disparidades econômicas são sempre grandes entre as unidades federativas. Qualquer que seja a repartição do poder tributário haverá diferenças no potencial de geração de receitas por meio da exploração dos tributos", afirma Rezende.
Ele diz que isso pode ser feito apenas se houver acordo político capaz de garantir que nenhum ente federal tenha orçamento menor do que um piso estabelecido. Este orçamento também deve estar de acordo com as responsabilidades que estas unidades vão assumir dentro da federação.
Segundo o professor da FGV, 2% da população brasileira vive em nos municípios com a maior capacidade de financiamento. Por outro lado, 20% do total de habitantes do país está nas regiões com a menor capacidade de arrecadação. Resolver o problema destas diferenças é urgente, na opinião de Rezende.
"Há possibilidade de discutir uma proposta diferente, que transformaria o regime de transferência de recursos em um de equalização fiscal de todos os estados. Para que esta equalização aconteça, entretanto, é necessário que haja uma fina sintonia entre os governos federal, estadual e municipal", afirma.