"Os servidores mandam no país", diz Raul Velloso sobre aumento para STF
"Os servidores mandam no país e os poderes autônomos mandam no Orçamento", diz especialista em contas públicas
João Pedro Caleiro
Publicado em 10 de novembro de 2018 às 08h00.
Última atualização em 14 de novembro de 2018 às 16h22.
São Paulo - "Imagina se politico vai recusar a dar qualquer aumento; manda quem pode e obedece quem tem juízo".
É assim que Raul Velloso, consultor e especialista em contas públicas, interpreta o aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF ) aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (06).
Como o STF é a referência de teto para os salários do setor público, isso gera um efeito cascata sobre outros poderes, estados e municípios.
Consultorias do Legislativo calculam um impacto superior a R$ 4 bilhões. A medida, que ainda precisa ser sancionada, gerou polêmica e é mais uma pedra no sapato do governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL).
A equipe do presidente eleito tem se mobilizado para aprovar ainda nesta legislatura alguma parte da reforma da Previdência, vista por economistas como prioridade máxima do ajuste fiscal.
Nesta sexta-feira (09), Velloso conversou por telefone com EXAME. Veja os principais pontos:
Sobre a autonomia do Judiciário:
"Eles são um dos principais “donos” do país, como eu chamo; tem autonomia administrativa e financeira conferida pela Constituição. Cabe uma interpretação, e eles interpretam obviamente a favor deles, mas a rigor eles podem fazer o que eles quiserem.
Os servidores mandam no país e os poderes autônomos mandam no Orçamento. Eles estão nessa posição cômoda porque além disso, são eles que julgam e punem as pessoas e, principalmente, os políticos.
Imagina se politico vai recusar dar qualquer aumento; manda quem pode e obedece quem tem juízo. Seria preciso uma mobilização tão grande contra eles que se ocorresse, colocaria em risco a própria estabilidade do pais."
Sobre a troca de benefícios:
"Eles já vêm sinalizando esse aumento há muito tempo e oferecem em troca, o que também está sendo mal visto, que desistiriam do auxilio-moradia.
Se não fazem a coisa com clareza e transparência, acabam apelando para artifícios ou penduricalhos – que chamam tecnicamente de verbas indenizatórias.
Pode gerar uma grita, mas torna mais difícil identificar as verbas e valores. Eu sinceramente prefiro o jogo aberto."
Sobre o efeito cascata sobre os entes federativos:
"Eles teriam que tomar a iniciativa de chamar os poderes autônomos estaduais e propor que todo mundo seguisse o que eles fizeram, para que não houvesse impacto em lugar nenhum."
Sobre o impacto fiscal:
"A resposta deles [ao argumento da falta de recursos] é que estamos em crise fiscal há muito tempo. Se fosse por esse motivo, não dava aumento em nada pra ninguém.
Você acha que é isso que vai complicar a gestão fiscal? O buraco que vem ai pelo lado da Previdência é gigantesco e isso aí vai fazer coceira."
Sobre o timing da medida:
"Por que iriam esperar pra começar uma nova guerra com um novo governo que começa forte? É ingenuidade achar que ele ia esperar o Bolsonaro.
Eu também não vi nenhuma declaração muito forte em relação a isso nem dele nem dos homens dele. Tem um certo jogo acontecendo; essa decisão já foi tomada lá atrás e não vão aceitar recuar."
Sobre a ideia de fatiar a reforma da Previdência:
"Não seria difícil, porque o governo é novo, e é por lei ordinária. Dá para aprovar, o difícil é uma emenda constitucional ou lei complementar.
Isso que está sendo feito agora, discutimos em março com o Rodrigo Maia e a Fazenda foi contra porque queria emenda. Se pode fazer por medida infra, por que fazer emenda? É suicida."
Sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência:
"A PEC do governo morreu, e para mim acabou porque é ruim. Minha proposta seria fazer uma PEC que desconstitucionaliza tudo e depois faz uma lei complementar pra cada segmento da previdência. O número 1 seria do regime dos servidores.
Se fizer isso e combinar com medidas de gestão e outras medidas ordinárias, não vai precisar nem de outras PECs pois seria o suficiente pra fazer um senhor ajuste. A concepção está errada."
Sobre a capacidade política do novo governo:
"Eu acho que não falta traquejo político ao Bolsonaro e ele é o mais importante. O resto vai aprendendo ao longo do tempo.
Como você espera que o Paulo Guedes, que nunca exerceu na vida uma função pública, da noite para o dia vai adquirir traquejo politico? Ele vai levar na cabeça um tempão até aprender um pouco.
Estamos já cobrando muito de um governo cheio de novatos, e aproveitar as pessoas do governo anterior não garante, porque a estratégia da Fazenda desde o início do governo Temer foi totalmente equivocada.
Como vou considerar que manter a turma velha resolve e que os novos não podem aprender?".