Economia

Análise: Fazenda não joga a toalha, mas mercado e parte do governo apostam em déficit fiscal em 2024

Ministro da Fazenda e secretário do Tesouro têm sinalizado melhora da arrecadação em janeiro, mas riscos fiscais seguem altos, segundo analistas

Fachada do Ministério da Fazenda (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)

Fachada do Ministério da Fazenda (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 17 de fevereiro de 2024 às 10h40.

O Ministério da Fazenda tem se esforçado para não jogar a toalha e reconhecer que abandonará a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024. O ministro Fernando Haddad e o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, têm afirmado publicamente que a arrecadação de janeiro surpreendeu e registrou uma alta real. Dados preliminares divulgados pela Folha de S. Paulo apontam que as receitas do primeiro mês do ano totalizaram R$ 280 bilhões, um crescimento de 6% acima da inflação — sugerindo uma tendência que poderia atenuar o resultado ao longo do ano. O mercado, entretanto, continua com a estimativa de rombos nas contas públicas até dezembro.

Os analistas ouvidos mensalmente pela Secretaria de Política Econômica (SPE) projetam que o governo entregará um déficit primário de R$ 83,9 bilhões em 2024. Os dados constam do boletim Prisma Fiscal de fevereiro, divulgado na sexta-feira, 16. Para 2025, a expectativa do mercado é de déficit de R$ 79,7 bilhões. O arcabouço fiscal estabelece como meta para o ano que vem um superávit equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano — algo próximo de R$ 50 bilhões.

Nos bastidores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a discussão não é se a meta fiscal de zerar o déficit público em 2024 será alterada, como vem mostrando EXAME. Técnicos da ala política e da equipe econômica afirmaram à EXAME ainda em janeiro que o debate interno é quando essa mudança deve ser anunciada, como será comunicada à sociedade e ao mercado, além do valor em que as despesas ultrapassarão as receitas.

As discussões iniciais partem de uma previsão de déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que poderia chegar a até 0,75% da geração de riquezas no país, com base na banda prevista no novo arcabouço fiscal. A decisão final caberá ao presidente da República e depende do envio ao Congresso de um novo projeto para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Apesar do discurso otimista, o ministro da Fazenda também tem sinalizado publicamente que alcançar as metas de resultado primário não são uma tarefa exclusiva do governo e dependem, sobretudo, do Congresso.

Internamente, técnicos da Fazenda se queixam dos sinais trocados que o Legislativo envia à sociedade ao aprovar um orçamento com metas fiscais ambiciosas e, por outro lado, aprova projetos que aumentam gastos por incluírem renúncia de receitas.

Estimativas positivas para janeiro

As projeções do Prisma Fiscal apontam para uma superávit de R$ 68 bilhões em janeiro. O economista Fábio Torres, do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), é mais otimista, e espera um saldo positivo de R$ 79,7 bilhões.

"De acordo com dados do Siga Brasil, e ajustes feitos na nossa base de dados, estimamos que o governo central terá superávit de R$ 79,7 bilhões em janeiro, com R$ 280,4 bilhões de arrecadação bruta, R$ 238,3 bilhões de receita líquida, e gastos de R$ 158,5 bilhões. A pesquisa Prisma Fiscal indica superávit de R$ 69,8 bilhões, com a maior discrepância vindo de uma menor expectativa de arrecadação", afirmou em relatório.

Nas contas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o resultado positivo das contas públicas no primeiro mês no ano será de R$ 77,9 bilhões.

A confirmação de qualquer uma das estimativas ainda seria 3,3% menor que o superávit de R$ 82,5 bilhões de janeiro de 2023.

Riscos radar

Mesmo com os esforços de Haddad e Ceron para não alterar a meta fiscal no início de 2024, há vários riscos no radar.

A começar, na avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU), pelas receitas superestimadas, projetadas em 19,2% do Produto Interno Bruto (PIB), e pelas despesas subestimadas, como as da Previdência Social.

Além disso, não há clareza de que o Congresso aprovará a reoneração da folha de pagamentos e que acabará com o Perse, programa que desonera empresas do setor de eventos. Some-se a esse cenário a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), que trará uma renúncia fiscal de R$ 3 bilhões adicionais.

Para o economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB), a discussão fiscal no país é de baixa qualidade nos últimos anos -- e isso não é um problema exclusivo da gestão petista.

Segundo ele, há anos os ministros da Fazenda manobram para aumentar as receitas, sobretudo com arrecadações extraordinárias, e anunciar superávits artificiais. Para Ellery, essa receita resulta em fracasso.

“Não entendo por que o Haddad insiste em afirmar que o governo vai zerar o déficit público em 2024. Não se ganha credibilidade mentindo. Você ganha credibilidade reconhecendo a realidade e sinalizando que vai trabalhar na direção de equilibrar as contas públicas. O Brasil tem problema fiscal e o próprio governo admite isso", diz. "Resolver esse problema só pela receita não funciona."

A combinação, avalia Ellery, deve ser um aumento de receita, mas com um olhar para o corte de gastos. "Não é fácil cortar gastos, nenhum ministro ou presidente conseguiu, mas é necessário”, afirma.

Para o economista, a estratégia do governo deveria consistir em alterar a meta para um resultado de déficit mais crível, mais próximo das estimativas de mercado, do que insistir em um objetivo irreal.

“Déficit zero não vai acontecer e é necessário mais realismo, com um número crível”, diz. "O ministro tem um discurso e o governo e o Congresso fazem outra coisa."

Receita extraordinária

O economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, avalia que a arrecadação de janeiro deve registrar dados positivos, mas influenciada pela arrecadação extraordinária da tributação do estoque de recursos dos fundos exclusivos. Em 2023, o Congresso aprovou uma lei para tributar esses veículos de investimentos.

"Não dá para ficar otimista com isso porque essa receita não é recorrente e estrutural", diz.

Fora isso, lembra Barros, os outros itens da arrecadação não sugerem que esteja em curso uma mudança estrutural da receita. "A receita com Previdência já estava forte com o mercado de trabalho aquecido e com o crescimento da renda", afirma.

Além disso, a despesa pública cresce a dois dígitos, ressalta o economista da Ryo Asset, principalmente as obrigatórias, como transferências de renda e pagamentos de benefícios da Previdência.

"Não há alívio pelo lado da despesa, que é o que ancora o resultado fiscal. Não tem como ficar otimista com essa trajetória de gastos", diz. "Continuamos com um descasamento entre a dinâmica de gastos e de receita. É uma diferença importante de qualidade e não de composição. As despesas que crescem são obrigatórias, que comprometem o fiscal no curto e médio prazo. E o alívio de receitas vem de uma arrecadação temporária."

Resta saber se, a despeito das declarações otimistas, a Fazenda terá endosso político para manter crível a busca pelo déficit zero em 2024. Ao final, o que importa é saber se a trajetória dos gastos no Brasil se encaixa nas expectativas da classe política.

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