Ala militar do governo ganhar poder nas reuniões do Orçamento
Ministro Luiz Eduardo Ramos, deve passar a integrar a Junta de Execução Orçamentária, responsável pelas principais decisões do Orçamento
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 12h29.
Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 12h30.
A revelação de que a ala militar do governo estava se articulando para ganhar maior poder de decisão nos assuntos orçamentários em detrimento da equipe econômica ampliou a preocupação com a pressão dentro do governo por aumento de gastos.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, deve passar a integrar a Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado responsável pelas principais decisões do Orçamento e que é hoje formada apenas pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Walter Braga Neto.
Segundo apurou o Estadão com integrantes do Planalto e da área econômica, a mudança estava em discussão no governo com a justificativa de que haverá mais envolvimento da área política do governo na definição sobre a divisão dos recursos do Orçamento. A chegada de Ramos seria para haver um "desempate" nas questões.
O diagnóstico entre os técnicos da área econômica do governo, porém, é de preocupação. Com a inclusão, os ministros militares do Planalto passariam a ser maioria na JEO, com poder de fazer prevalecer suas decisões ante as posições do ministro Guedes e sua equipe.
O colegiado toma as principais decisões sobre recursos no governo federal, inclusive sobre a liberação de emendas que fazem parte das negociações políticas com parlamentares para a aprovação de pautas de interesse do governo no Congresso.
Segundo apurou o Estadão, a inclusão da Secretaria de Governo atende à articulação política do governo, necessária quando se trata de Orçamento, mas pode abrir brechas para a entrada de outros ministros na JEO.
Nos últimos meses, a JEO foi palco de atritos entre os ministros por conta da elaboração da proposta de Orçamento de 2021 e da divisão dos recursos.
Um ponto que gerou fricção foi a pressão por mais dinheiro para o Ministério da Defesa, inclusive com a proposta de adiar o Censo marcado para 2021, com o objetivo de irrigar recursos para a área militar.
Outro tema de embates foi a divisão de recursos para o chamado Plano Pró-Brasil de investimentos ainda em 2020. Guedes queria limitar os gastos a R$ 4 bilhões, mas a conta acabou ficando em R$ 6,5 bilhões, como revelou o Estadão, para contemplar todas as demandas dos ministérios da Infraestrutura, do Desenvolvimento Regional e do próprio Congresso.
O Planalto reclama que Guedes não liga para o cálculo político e tem atrapalhado nas negociações. Já os técnicos da área econômica veem com grande preocupação as mudanças, que podem incentivar aumento de gastos e novas concessões.
Em conferência, na quarta-feira, o ministro Guedes disse que está agora "enquadrado em um regime de comunicação política regular, acabou meu voluntarismo". A área econômica vê, porém, como positivo para a pauta econômica a maior articulação política do governo com as lideranças dos partidos, sem a dependência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Distorção
Não é de hoje que a Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, queria integrar a JEO. A pasta vinha buscando seu assento há algum tempo, justamente por entender que precisa ter poder de voto para deliberar sobre as emendas parlamentares.
O ingresso da pasta, porém, é visto como uma distorção no desenho da junta orçamentária, hoje calcado em dois pilares: o de limites técnicos (orçamentários e financeiros), defendido pela Economia, e outro das demandas de política pública, incorporado pela Casa Civil.
Depois que a reportagem foi publicada no estadao.com, a Secretaria de Governo confirmou em nota que o ministro Luiz Eduardo Ramos deve passar a compor a JEO, mas alegou que “apenas em função consultiva”, não como membro decisório.
No ano passado, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub garantiu lugar privilegiado nos momentos decisivos da divisão do bolo de recursos do Orçamento de 2020.
Nas reuniões finais da JEO para bater o martelo sobre o projeto de Lei Orçamentária do ano que vem, Weintraub participou como convidado e pôde fazer uma pressão corpo a corpo por mais dinheiro. Com isso, conseguiu aumentar em R$ 5 bilhões os recursos previstos no Orçamento. Como revelou à época o Estadão, a participação de muitos técnicos e ministros de fora da JEO nas reuniões incomodou a área econômica, dada a sensibilidade dos temas tratados nos encontros.