Economia

A infra-estrutura é a locomotiva

Para o presidente do BNDES, bastará o setor público deflagrar os investimentos básicos e o setor privado irá atrás

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h30.

O economista Carlos Lessa, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), esteve no centro de várias polêmicas desde o começo do governo Lula. Primeiro vieram os desentendimentos com seu chefe, o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento. Depois, sua insistência na tese de que o banco deveria ser um "hospital de empresas". Nos últimos meses, Lessa tem evitado confusões e vem se limitando à hercúlea tarefa de tocar o BNDES, um dos maiores bancos de fomento do mundo. Leia a seguir sobre os planos do governo para a economia.

O nível de investimento preocupa?

Preocupa muito. Tenho mais de 7 bilhões de reais parados no caixa pois não há demanda. É fundamental esquentarmos os investimentos privados. Até agora, tivemos uma resposta positiva das pequenas e médias empresas e do setor exportador. Mas a demanda por novos projetos privados de grande porte não existe.

Como incentivá-la?

O investimento privado geralmente se move como uma segunda onda a partir de sinais dados pelo setor público. São as perspectivas de um mercado crescente que levam o empresário a investir. Se a economia cresce pouco, ele fica esperando. No máximo, investe em modernização, que é importante para cada empresa mas tem pouco efeito macroeconômico.

O governo tem de liderar o processo?

Sim. O primeiro alvo é a redução do custo Brasil. Temos uma logística muito mais cara que a européia e a americana. No porto de Paranaguá, no período de embarque da soja, forma-se um congestionamento de caminhões que chega até Curitiba. A agricultura brasileira suporta esse custo porque tem uma eficácia brutal. A soja deveria ser embarcada por sistemas ferroviários com carga e descarga automática dos vagões. A Grande São Paulo precisa de um ferro-anel.Hoje, as cargas atravessam a cidade e se misturam com o tráfego de passageiros. Quando olhamos a malha de rodovias, 75% das federais estão esburacadas. Em alguns casos, precisam ser totalmente reconstruídas.

O que mais está previsto?

Atualmente, mais de 20% das famílias que moram na zona rural não têm ligação com a rede elétrica. Temos de universalizar a rede. Nas metrópoles, o maior problema é o tempo de deslocamento residência--trabalho--residência. No Rio de Janeiro, a média é de 2 horas e meia. Precisamos investir no sistema de transporte sobre trilhos. Se o tempo de deslocamento diminui, amplia exponencialmente os terrenos edificáveis. Outro problema das cidades é o saneamento básico: 70% das doenças que chegam à rede pública de saúde são causadas pelas más condições sanitárias. Para aumentar a inclusão social e melhorar a alimentação de um terço da população, temos de desenvolver o transporte refrigerado de alimentos para atender o Nordeste.

O que é prioridade?

O presidente Lula pediu uma avaliação do que considerávamos importante em infra-estrutura. Estimamos que 400 000 empregos poderiam ser gerados apenas com a aprovação dos projetos de saneamento. Sabe por que não podemos aprová-los? Por causa do contingenciamento do FMI, pois os municípios e estados teriam de assumir o endividamento.

Isso pode mudar?

O país precisa renegociar com o Fundo. O acordo atual não permite mudança, mas ele está no fim. O novo acordo poderá ser diferente. Temos 12 milhões de desempregados. Não podemos continuar travados. O Brasil é um cavalo de corrida que está seguro pelo cabresto. Fernando Henrique Cardoso quebrou as regras e criou um programa de financiamento para subsidiar máquinas agrícolas e tratores. A produção de grãos cresceu 33% em dois anos e meio. Dêem-me autorização e isso explode. O Brasil pode crescer naturalmente 5% ao ano.

A estabilidade é pré-condição para o crescimento?

Não necessariamente. É possível crescer com inflação moderada, como mostrou a própria experiência brasileira nos anos 50. Entre a estabilidade e o crescimento há o investimento. Obras de saneamento e melhoria de estradas empregam muita gente. Elas passam a comprar roupas, comida etc. Toda a indústria se beneficia. O investimento é a verdadeira locomotiva do crescimento. Um país grande como o Brasil não é puxado só por exportação. O consumo é meritório num primeiro momento, porém, se permanecer apenas nele, há somente uma bolha de crescimento.

De onde virá o dinheiro para os investimentos?

Faz parte do imaginário comum achar que só dá para comprar algo com o recurso à mão. Mas muitas vezes é a decisão de crescer que gera os recursos. Calculamos uma necessidade de 330 bilhões a 400 bilhões de reais para três anos de governo. Isso representa 7% do PIB. Na história do Brasil, todas as vezes que o país cresceu os investimentos em infra-estrutura ocuparam um papel expressivo. Assim foi nos anos 50, no fim dos 60 e em quase toda a década de 70. A média era em torno de 8% a 10% do PIB. O volume que imaginamos, de 7%, é mesmo grande à primeira vista. Mas a dívida pública brasileira é da ordem de 52% a 53% do PIB. É servida a uma taxa de juro cujo piso é definido pela Selic, que hoje está em 24%. Se a taxa for reduzida em 2 pontos percentuais, já ganhamos o equivalente a 1% do PIB. Se for cortada em 8 pontos ao longo de três anos, no fim do período teremos o equivalente a 4% do PIB de recursos novos disponíveis para investir.

A regulação não é um problema?

Não há a menor dúvida. O meu fantasma favorito é a aviação civil, um setor que foi operado de maneira desastrada. A regulamentação acirrou um tipo de concorrência predatória entre as companhias. Elas começaram a voar com aviões praticamente vazios, em rotas superpostas. No caso das ferrovias, estabeleceram limitações de participação acionária que tornaram o esquema confuso. A tarifação de energia ficou com uma série de problemas que a ministra Dilma agora tenta resolver. É evidente que esses problemas atrapalham. Porém, o que mais inibe a decisão é não saber se o país vai crescer ou não.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Economia

Senado marca sabatina de Galípolo para 8 de outubro, dia em que indicação será votada no plenário

Lula diz que acordo com Vale sobre desastres em Minas Gerais será resolvido até outubro

Alckmin descarta risco de faltar energia no Brasil, mas reconhece maior seca desde 1950

Déficit fiscal chega a R$ 9,3 bilhões em julho, informa o Tesouro Nacional

Mais na Exame