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Tráfego de navios no Ártico ameaça "unicórnios do mar", alerta estudo

Dramático degelo na região facilita acesso de grandes navios às rotas de migração dos animais marinhos

Travessia conflituosa: cada vez mais navios utilizam rotas migratórias de baleias no Polo Norte. (Kristin Laidre/University of Washington/Divulgação)

Vanessa Barbosa

Publicado em 6 de julho de 2018 às 10h36.

São Paulo - Em agosto de 2016, um grande navio cruzeiro se aventurou pela primeira vez através da rota Northwest Passage (a Passagem do Noroeste), região no Polo Norte antes só acessível a navios quebra-gelo ou embarcações menores.

O feito foi possível graças a uma das transformações mais dramáticas em curso no mundo – o derretimento acelerado do gelo no oceano Ártico. Nos últimos anos, a cobertura gelada na região tem atingido mínimas históricas no final do verão e início do outono.

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Além de viabilizar o turismo, o fenômeno permite o acesso a vastas reservas inexploradas de recursos energéticos, como gás e petróleo, o que pode representar uma ameaça para os ecossistemas e a vida selvagem local.

Diante da tendência de degelo ao longo prazo associada às mudanças climáticas , o tráfego sazonal de navios de turismo e carga deverá aumentar -- e os riscos ambientais também.

Um estudo da Universidade de Washington e da Universidade do Alasca Fairbanks é o primeiro a considerar possíveis impactos sobre os mamíferos marinhos que usam esta região durante o outono e identificar quais serão os mais vulneráveis. O estudo foi publicado nesta semana nos Anais da Academia Nacional de Ciências.

Os pesquisadores analisaram 80 subpopulações dos sete mamíferos marinhos que vivem no Ártico e identificou seus riscos nas principais rotas marítimas, ou próximo a elas, em setembro, um mês em que o Oceano Ártico tem a água mais aberta.

Quarenta e duas destas subpopulações seriam expostas ao tráfego de embarcações. Os mamíferos marinhos mais vulneráveis, segundo os cientistas, são as baleias narvais, popularmente conhecidas como "urnicórnios do mar" por suas gigantescas presas, que podem chegar a 2,7 metros decomprimento.

Para determinar as espécies mais sensíveis, os pesquisadores cruzaram o grau de exposição -- como as rotas migratórias e áreas de alimentação -- com as características particulares de cada espécie. Durante o verão, por exemplo, as baleias narvais, migram por partes do Ártico que também atrai grandes embarcações.

"As narvais têm todos os traços que as tornam vulneráveis a distúrbios de navios - elas se prendem a áreas realmente específicas, são bastante inflexíveis sobre onde passam o verão, vivem em apenas cerca de um quarto do Ártico e estão bem no meio das rotas de navegação ", disse a coautora Kristin Laidre, cientista do Centro de Ciências Polares da UW Applied PhysicsLaboratory, em nota da entidade.

"Elas também confiam no som [para se deslocar] e são notoriamente sensíveis a qualquer tipo de perturbação", acrescentou.

Outros mamíferos considerados vulneráveis pelo estudo foram as baleias beluga e a boreal ou cabeça de arco (assim chamada por causa de sua boca em forma de arco). As morsas também se mostram ameaçadas vulneráveis porque algumas populações são relativamente pequenas e conhecidaspor viverem ao longo das rotas de navegação.

Por outro lado, entre os animais menos vulneráveis estão os ursos polares, por estarem a maior parte do tempo em terra durante o outono nórtico e não dependerem de sons para comunicação ou navegação.

Pontos mais críticos

Os pesquisadores também identificaram "pontos de interseção", passagens estreitas onde é mais provável que os animais e os navios se cruzem, como o Estreito de Bering, que separa os EUA e a Rússia, e o Lancaster Sound, no território canadense de Nunavut.

Essas regiões tinham risco de conflitos duas a três vezes mais alto do que em outras partes da rota marítima. Para os cientistas, identificar esses pontos pode ser útil no estabelecimento de estratégias para lidar com os efeitos potenciais.

Conciliar a preservação do habitat marinho e a expansão das atividades comerciais na região é um desafio urgente, tendo em vista intensificação das navegações no Ártico.

De acordo com o estudo, a Rota Marítima do Norte, principal travessia russa, contava com mais de 200 navios entre 2011 e 2016, todos de grande porte. Enquanto isso, outras 100 embarcações passaram pela Passagem do Noroeste durante esse período, sendo mais da metade de pequenasembarcações privadas, como iates para passeio turístico.

No plano das medidas de governança, a  Organização Marítima Internacional estabeleceu em maio deste ano as primeiras diretrizes internacionais para o tráfego de embarcações no Oceano Ártico. O código voluntário foi proposto pelos EUA e pela Rússia para identificar rotas seguras através do Estreito de Bering.

O novo estudo poderia ajudar a criar diretrizes futuras, priorizar diferentes medidas para proteger os mamíferos marinhos e identificar áreas que necessitam de mais estudos, segundo seus autores.

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