Ciência

Resultados notáveis de vacinas geram várias perguntas

Dúvidas sobre produção, distribuição e, mais importante, capacidade da própria vacina ainda precisam de respostas

 (Athit Perawongmetha/Reuters Business)

(Athit Perawongmetha/Reuters Business)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 22 de novembro de 2020 às 14h49.

Última atualização em 23 de novembro de 2020 às 01h19.

Quando a Pfizer e a BioNTech relataram em 9 de novembro os resultados favoráveis de seu teste de vacina do coronavírus, a notícia despertou otimismo pelo planeta com a possibilidade de enfim haver luz no fim de um túnel longo e sombrio. Investidores correram para comprar ações – não só de fabricantes de vacinas, mas de uma série de empresas comuns que se espera que colham os benefícios tão logo a pandemia passe a ser vista do espelho retrovisor. No entanto, ainda há muitos entraves até que as vacinas entrem em uso amplo e a covid-19 para os livros de história.

Dúvidas sobre produção, distribuição e, mais importante, capacidade da própria vacina ainda precisam de respostas. A última fase do teste da Pfizer começou há menos de quatro meses, e não se sabe quanto tempo de proteção a vacina irá oferecer. “A pergunta-chave ainda é a questão do tempo”, diz Michael Kinch, especialista em desenvolvimento de medicamentos e vice-chanceler associado na Washington University, em St. Louis. “O tempo irá nos dizer se a imunização ainda é útil para a população em geral?”

Em um feito científico notável – obtido sem a pesquisa, desenvolvimento ou financiamento de produção da aceleradora de vacinas dos EUA conhecida como Operation Warp Speed (“Operação Velocidade de Dobra Espacial”, em tradução livre do inglês) –, Pfizer e BioNTech obtiveram resultados positivos quase 11 meses após a aparição da covid na China. Uma análise inicial dos dados do teste com mais de 40 mil voluntários indicava que a vacina apresentava mais de 90% de eficácia em prevenir a doença, segundo os parceiros. O provável sucesso da primeira vacina em um estágio avançado e em larga escala aumentou as esperanças de que outros testes, como os atuais da Moderna e a parceria AstraZeneca Plc e universidade de Oxford, também funcionem.

Embora o anúncio da Pfizer sinalize que a vacina da empresa pode ser a primeira a obter uma autorização de emergência dos EUA, outras estão apenas um pouco atrás na testagem. E como a demanda global pelas vacinas será muito alta, é provável que vacinas de várias empresas sejam necessárias para imunizar depressa grande parte da população mundial.

Não só isso, a vacina da Pfizer tem uma limitação prática notável: Precisa ser mantida refrigerada em ultrabaixos -70ºC até poucos dias antes do uso. Isso requer freezers especiais ou compressas de gelo seco, o que complica a distribuição. Imagina-se que a Moderna esteja apenas algumas semanas atrás no processo de testagem. A empresa vem trabalhando com a mesma tecnologia de RNA mensageiro (em inglês, abreviado para mRNA) que usa o corpo para produzir uma proteína-chave do coronavírus, estimulando o sistema imunológico a produzir anticorpos para combater o vírus. A Moderna diz que sua vacina pode ser mantida em freezers comuns; outras vacinas não precisam sequer ser refrigeradas.

A vacina da Pfizer também exige duas aplicações com três semanas de distância antes que uma proteção significativa passe a fazer efeito. Embora a maioria das outras vacinas em estágio avançado de testes também dependa de múltiplas aplicações, a da Johnson & Johnson pode funcionar após uma só dose, o que permitiria imunizar mais pessoas mais rapidamente. Os resultados de um teste da J&J com 60 mil participantes podem sair no fim do ano.

Quaisquer vacinas que consigam autorizações emergenciais terão estoques iniciais bastante limitados. A Pfizer vem dizendo que espera ter até 50 milhões de doses disponíveis neste ano, ou o suficiente para 25 milhões de pessoas, embora espere produzir até 1,3 bilhão de doses no ano que vem. Se a Pfizer conseguir dados cruciais para a vacina e receber uma autorização regulatória de emergência, um painel de médicos e especialistas em saúde pública reunidos pelos Centros Americanos de Controle e Prevenção de Doenças fará recomendações vitais sobre quem deve ser imunizado primeiro. A expectativa é que o grupo, chamado Comitê Consultor de Práticas de Imunização, faça recomendações assim que uma vacina receba autorização regulatória. Pessoas com risco elevado de infecção, como trabalhadores na área da saúde, ou sujeitas aos riscos mais graves da doença – idosos e quem tem doenças crônicas – provavelmente serão as primeiras da fila. Uma vez que estas recomendações estejam em vigor, as vacinações podem começar.

Quem recebe qual vacina também vai depender em parte de acordo que os governos fizeram com as empresas farmacêuticas. Os EUA concordaram em julho em pagar à Pfizer US$1,95 bilhão por 100 milhões de doses da vacina da empresa – o equivalente a US$ 39 por uma imunização de duas doses, preço que a BioNTech tem dizendo que pode se tornar valor de referência para os países desenvolvidos – uma vez que a vacina seja liberada, com a opção de comprar mais 500 milhões. A União Europeia assinou um acordo para comprar 200 milhões de doses, com uma opção de comprar outras 100 milhões. O Reino Unido fechou seu próprio acordo de fornecimento, enquanto o Japão e o Canadá também têm acordos com os dois parceiros.

A AstraZeneca e sua parceira, Oxford, concordaram em fornecer 100 milhões de doses de sua vacina ao Reino Unido, que será o primeiro país a ter acesso caso o imunizante funcione, disse em maio o governo britânico.

É provável que o custo de distribuir a vacina da Pfizer aumente temores já existentes de que os países mais ricos irão receber as melhores vacinas primeiro, apesar de um esforço apoiado pela Organização Mundial de Saúde chamado de Covax, que busca distribuir vacinas de modo justo em todo o mundo.

Também é uma escolha com a qual se depara hoje o mundo desenvolvido: pagar caro pela construção de uma infraestrutura de armazenamento abaixo de zero para o que parece uma aposta certa, ou esperar mais por uma vacina mais convencional que cultiva grupos de proteínas ou partículas virais inativas em células vivas e que pode ser distribuída pelas atuais redes de saúde.

“Se houver uma vacina à base de proteínas capaz de ofercer os mesmos efeitos de uma vacina de mRNA e caso seja preciso vacinar bilhões de pessoas todo ano, no longo prazo eu iria nas vacinas à base de proteína”, diz Ding Sheng, diretor do Instituto de Descoberta de Medicamentos de Saúde Global (Global Health Drug Discovery Institute, em inglês), que tem recebido financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates.

Mesmo os EUA, que vem alinhando centenas de milhões de doses por meio do programa Warp Speed, precisaria que seus seis fornecedores tivessem sucesso para o país chegar à imunidade de rebanho até junho, segundo a empresa de pesquisa Airfinity. Como o início das vacinações não vai acontecer da noite pro dia, máscaras, distanciamento, testagem e rastreamento de contato ainda serão vitais, diz Ohid Yaqub, professor-sênior na Unidade de Pesquisa de Políticas Científicas da universidade de Sussex. Como a tecnologia mRNA usada na vacina da Pfizer/BioNTech nunca foi usada em humanos anteriormente, as pessoas que receberem a aplicação terão de ser monitoradas. “Vai ser fundamental monitorar segurança e eficiência ao longo das próximas semanas e meses”, diz Kinch, o especialista da Washington University. “No pior dos casos, vamos descobrir em que precisamos focar no longo prazo.” —Com Riley Griffin e Naomi Kresge

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