Ciência

Por que o espaço está arruinando a visão dos astronautas

Cientistas americanos podem ter descoberto porque mais da metade dos astronautas da Nasa voltaram à Terra com problema de visão

Espaço: os astronautas que fizeram longas viagens sofreram mais com a síndrome (Nasa/Divulgação)

Espaço: os astronautas que fizeram longas viagens sofreram mais com a síndrome (Nasa/Divulgação)

Marina Demartini

Marina Demartini

Publicado em 4 de dezembro de 2016 às 08h00.

Última atualização em 5 de dezembro de 2016 às 09h20.

São Paulo – Cientistas podem ter encontrado a causa de uma síndrome que afeta 70% dos astronautas da Nasa. Um estudo da Universidade de Miami, nos EUA, explica por que muitos desses profissionais retornam à Terra com problemas de visão após missões de longa duração no espaço.

Chamada de deficiência visual por pressão intracraniana, a condição provoca o achatamento dos globos oculares. Com isso, a pessoa tem dificuldade de ver objetos mais distantes e pode até perder a visão.

Os pesquisadores acreditam que a visão embaçada dos astronautas está relacionada ao líquido cefalorraquidiano que envolve o cérebro e a medula espinhal. Segundo eles, o fluido está se acumulando em locais indevidos do cérebro e esmagando os globos oculares dos astronautas.

Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram exames cerebrais feitos por sete astronautas antes e depois de passarem meses na Estação Espacial Internacional. Depois, eles compararam esses exames com os de nove astronautas que fizeram viagens curtas pela Nasa.

Os pesquisadores notaram que os astronautas que fizeram viagens de longa duração tinham mais líquido cefalorraquidiano dentro das cavidades do crânio que prendem os olhos do que os profissionais que fizeram viagens curtas.

Na Terra, esse fluido serve para amortecer o cérebro e a medula espinhal quando uma pessoa está sentada, de pé ou deitada. Contudo, de acordo com os cientistas, o sistema não consegue entender de imediato a falta de mudanças de pressão na postura do astronauta devido à microgravidade do espaço. Por isso, o líquido é distribuído de maneira incorreta.

“A pesquisa fornece, pela primeira vez, evidências quantitativas obtidas de astronautas de curta e longa duração que apontam para o papel primário e direto do líquido cefalorraquidiano nas deformações globais observadas em astronautas com síndrome de deficiência visual”, explica Noam Alperin, um dos autores do estudo, em um comunicado.

A pesquisa foi apresentada na reunião anual da Sociedade Radiológica da América do Norte em Chicago, nos EUA. Como ela ainda precisa passar por uma revisão independente, ainda não é possível confirmar se seus resultados estão 100% corretos.

Contudo, para Noam Alperim, identificar a origem da deficiência visual por pressão intracraniana é importante para que a visão dos astronautas não sofra danos irreversíveis. “À medida que o globo ocular se torna mais achatado, os astronautas podem se tornar míopes.”

Histórico da síndrome

A primeira vez que a Nasa identificou a síndrome foi em 2005. Na época, a agência descobriu que o astronauta John Phillips começou a ter dificuldades para ver após seis meses em órbita. Os exames revelaram que a parte traseira de seus olhos estavam se tornando mais lisas e o nervo óptico estava inflamado.

Várias teorias sobre a causa da síndrome surgiram desde então. A principal está relacionada com a redistribuição de fluidos vasculares, como sangue e linfa, na microgravidade. Segundo a Nasa, pouco mais de dois litros desses líquidos deslocam-se das pernas dos astronautas para suas cabeças quando estão no espaço. Para os cientistas, isso poderia significar que o acúmulo dos fluídos pode ter aumentado a pressão do cérebro e afetado os olhos.

Os cientistas estavam confiantes que poderiam ter descoberto a causa da síndrome quando um estudo no ano passado mostrou resultados bem confusos. Os pesquisadores notaram que a pressão intracraniana cai durante períodos de gravidade zero. Eles observaram isso quando mediram os sinais vitais de quatro pessoas durante um voo parabólico, que atinge gravidade zero por cerca de 25 segundos.

Viagem a Marte

Segundo a Nasa, os cientistas querem encontrar uma solução para a síndrome antes que a primeira missão a Marte – que está programada para 2030 – aconteça. Uma viagem ao planeta vermelho pode levar pelo menos três anos, ou seja, cinco vezes mais tempo do que uma viagem para Estação Espacial Internacional.

Michael Barratt, astronauta e ex-chefe do programa de pesquisa humana da Nasa, disse ao jornal Washington Post que a deficiência visual por pressão intracraniana é apenas o primeiro sinal de como a microgravidade afeta o corpo humano.

Barratt não está sozinho. Também em entrevista ao Washington Post, o médico da agência espacial americana Richard Williams disse que a falta de conhecimento sobre a condição é a maior ameaça contra a ciência. Para ele, a única maneira de obter mais informações sobre o assunto é enviando mais pessoas ao espaço. “Quanto mais tempo permanecemos no espaço, mais vamos aprender.”

Acompanhe tudo sobre:AstronautasEspaçoMarteNasaPesquisas científicasSaúde

Mais de Ciência

Cientistas constatam 'tempo negativo' em experimentos quânticos

Missões para a Lua, Marte e Mercúrio: veja destaques na exploração espacial em 2024

Cientistas revelam o mapa mais detalhado já feito do fundo do mar; veja a imagem

Superexplosões solares podem ocorrer a cada século – e a próxima pode ser devastadora