Pesquisadores brasileiros buscam vacina contra a febre maculosa
Conduzido pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP e publicado na revista Parasites & Vectors, estudo conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Agência de notícias
Publicado em 16 de junho de 2023 às 16h10.
Última atualização em 16 de junho de 2023 às 16h10.
Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) e publicado na a revista Parasites & Vectors demonstrou a possibilidade de “silenciar a expressão gênica da principal proteína inibidora da apoptose [morte programada das células] no carrapato-estrela”, transmissor da febre maculosa. Com a metodologia, reduz-se o crescimento da bactéria e torna-se o aracnídeo mais resistente à infecção. A pesquisa é baseada em estudos anteriores que mostraram que a bactéria Rickettsia rickettsii inibe a apoptose favorecendo o crescimento do carrapato, dando mais tempo para a bactéria se proliferar e infectar novas células.
De acordo com a professora do Departamento de Parasitologia do ICB-USP e coordenadora do estudo, Andrea Cristina Fogaça, a alimentação dos carrapatos foi reproduzida em laboratório, com sangue de coelhos infectados e não infectados por Rickettsia rickettsii e, independentemente da infecção, os parasitas morriam ao se alimentar, o que indicou a possibilidade não só de bloquear a infecção como de conter e diminuir população nos hospedeiros.
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“O que meu grupo de pesquisa estuda são as interações que acontecem entre o carrapato e a bactéria que causa essa doença. Nosso objetivo com a pesquisa foi o de entender quais são as interações e as moléculas que são importantes para a interação entre a bactéria e o vetor, porque queremos identificar alguns potenciais alvos para o desenvolvimento de vacinas, tanto para diminuição da população do carrapato como para o bloqueio da transmissão da bactéria”, explicou a pesquisadora.
Ainda não há previsão para a produção de uma vacina contra a febre maculosa, porque novos estudos serão conduzidos nesse sentido. “Não temos no horizonte próximo a perspectiva de uma vacina disponível. E se tivermos e quando tivermos, vamos conseguir uma redução da população do carrapato. Eu acredito que essa proteína levará também a proteção dos animais que são utilizados pelo carrapato para se alimentar, como cavalos, e termos uma redução da população de carrapatos que transmitem a bactéria”, disse.
Os próximos passos da pesquisa são confirmar que a alimentação sanguínea é realmente o fator que promove a apoptose pela produção de espécies reativas de oxigênio e, possivelmente, expandir os experimentos para outras espécies de carrapato.
A pesquisa foi conduzida com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O que é a febre maculosa?
Trata-se de uma doença infecciosa febril aguda. Ela pode causar quadros críticos, com alta probabilidade de morte. A doença recebe esse nome porque provoca febre no paciente, além de ser caracterizada pela presença de manchas vermelhas na pele - as máculas.
"É uma doença muito grave. Se o médico não cogitá-la e não iniciar o tratamento rapidamente, o risco de morte é alto", reforça o infectologista Marcelo Simão, chefe do serviço de moléstias infecciosas do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Para ter ideia, no ano passado, foram confirmados 62 casos de febre maculosa no estado de São Paulo, sendo que pelo menos 44 pacientes morreram (letalidade de cerca de 75%). Em três casos, não foi notificada a evolução do quadro clínico do paciente e, em outros 15, foi registrada a cura.
Qual a relação com o carrapato-estrela e como ocorre a transmissão?
Essa espécie, uma vez infectada pela bactéria Rickettsia rickettsii, é a responsável por transmitir a febre maculosa. O carrapato-estrela tem como principal hospedeiro a capivara, animal que vive em áreas de banhados e beiras de rios. Bois e cavalos também podem ser portadores de carrapato-estrela infectado.
Para ocorrer a transmissão da doença, o carrapato infectado precisa ficar pelo menos quatro horas fixado na pele da pessoa, segundo o Ministério da Saúde. O problema é que os micuins -- carrapatos jovens e pequenos -- também são transmissores e são difíceis de serem vistos a olho nu. Não existe transmissão da doença de pessoa para pessoa.
Sintomas da febre maculosa
A doença começa de forma repentina com um conjunto de sintomas semelhantes aos de outras infecções: febre alta, dor no corpo, dor da cabeça, falta de apetite e desânimo.
"Nesse momento, é comum confundir a febre maculosa com outras doenças, como leptospirose e dengue", informa Marcelo Simão.
Depois, aparecem pequenas manchas avermelhadas que crescem e se tornam salientes. Essas lesões, parecidas com picadas de pulga, tendem a provocar pequenas hemorragias sob a pele.
É essa manifestação que, segundo o consultor da SBI, serve de principal alerta para a febre maculosa. "Esse sintoma surge porque a bactéria causadora da doença ataca os vasos sanguíneos. Eles se rompem, e acontece a hemorragia", descreve.
As manchas vermelhas aparecem em todo o corpo, incluindo a palma das mãos e a planta dos pés. Os sintomas levam, em média, de sete a 10 dias para surgirem. Mas cabe lembrar que há pessoas que podem ser assintomáticas.
Como é o diagnóstico da febre maculosa?
Diante das queixas do paciente -- como febre alta, dores e, sobretudo, erupções vermelhas na pele -- e dos relatos sobre áreas visitadas e eventuais picadas de carrapato, o médico precisa desconfiar da febre maculosa e solicitar um exame de sangue.
De acordo com Simão, é importante que o médico procurado -- na maioria das vezes, um clínico geral -- consulte um colega infectologista, que certamente pensará na possibilidade da febre maculosa. "É a área dele", diz. "Às vezes, médicos de outras especialidades não conhecem ou não lembram dessa doença. Só que ela evolui muito rápido", acrescenta.
Qual é o tratamento para a doença?
O tratamento deve ser iniciado rapidamente e é feito à base de antibióticos específicos: é possível usar a doxiciclina ou o cloranfenicol. Se houver demora para começar o tratamento, há sérios riscos de que os medicamentos não surtam mais o efeito desejado.
Como evitar a febre maculosa?
A primeira orientação é entender se você está visitando uma área conhecida por ter bastante carrapato-estrela. De acordo com o consultor da SBI, hoje, no Brasil, as regiões mais preocupantes nesse aspecto são o entorno de Campinas e Belo Horizonte, além do interior do Rio de Janeiro.
"Quem for andar em uma dessas áreas, precisa usar botas e colocar a calça por dentro do calçado, porque aí o carrapato não tem como se fixar na pele" aconselha o médico.
Para facilitar a visualização dos carrapatos, o ideal é priorizar roupas claras ao entrar em locais de mato. Fora isso, é essencial sempre verificar o corpo para confirmar se não há um carrapato grudado na pele.
Existe uma época mais perigosa para pegar a febre maculosa?
Embora não seja uma doença sazonal, a febre maculosa é mais comum entre os meses de junho e novembro, período em que predominam os micuins.
Quem pode pegar a febre maculosa?
Qualquer pessoa que estiver em área endêmica, e com a pele exposta. "Se você for picado, não demore a procurar um médico para receber orientações", reforça Simão. Ainda de acordo com ele, existem técnicas para desgrudar o carrapato do corpo. "Não dá para fazer de qualquer maneira".