Experimento obtém emaranhamento de ondas luminosas com um único laser
O emaranhamento ocorre quando grupos de partículas ou ondas interagem de forma que o estado quântico de cada uma não pode ser descrito independentemente
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2018 às 13h50.
Última atualização em 15 de agosto de 2018 às 14h37.
O físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), um dos gigantes da ciência contemporânea, considerava que o “emaranhamento” era a propriedade mais interessante da mecânica quântica, aquela que realmente diferenciava o mundo quântico do mundo clássico.
O emaranhamento ocorre quando grupos de partículas ou ondas são gerados ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula ou onda não pode ser descrito independentemente, pois depende do conjunto, por mais distantes que as partículas ou ondas se encontrem em relação a outras.
Um experimento feito no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) obteve o emaranhamento de seis ondas luminosas, geradas por uma fonte simples de luz laser, conhecida como oscilador paramétrico óptico.
Artigos a respeito foram publicados no dia 13 de agosto em Physical Review Letters – Hexapartite entanglement in an above-threshold Optical Parametric Oscillator – e em Physical Review A – Exploring six modes of an optical parametric oscillator. Os artigos foram destacados em notícia nos sites das duas publicações.
“Nossa plataforma permite a geração de um emaranhamento maciço de muitos modos ópticos, com frequências diferentes, mas bem definidas, como que conectando os nós de uma grande rede. Os estados quânticos assim produzidos podem ser controlados por um único parâmetro, a potência do laser externo que bombeia o sistema”, disse Marcelo Martinelli, um dos coordenadores do experimento, à Agência FAPESP.
Professor do IFUSP, Martinelli é o pesquisador principal do Projeto Temático “Explorando informação quântica com átomos, cristais e chips”, financiado pela FAPESP, no âmbito do qual o experimento foi realizado.
“O emaranhamento é uma propriedade que envolve correlações quânticas entre sistemas distintos. Essas correlações são um trunfo que pode tornar os computadores quânticos superiores aos computadores eletrônicos tradicionais na realização de tarefas como simulações ou fatoração de números primos – sendo esta uma operação fundamental para a segurança de dados no mundo moderno. Por isso, a geração de sistemas com múltiplos componentes emaranhados é um desafio importante para a implementação das ideias da teoria quântica da informação”, disse o pesquisador.
Mais velocidade de processamento
Em trabalhos anteriores, a equipe do IFUSP havia obtido, com o oscilador paramétrico óptico, o emaranhamento de dois e de três modos. O trabalho realizado agora dobra o espaço disponível para a codificação de informação.
Essa ideia fica mais fácil de compreender por meio de uma analogia. O bit clássico é um sistema de dois estados, mas que pode assumir apenas um estado de cada vez, correspondentes ao número zero (0) ou ao número um (1). Tal é a base da lógica binária. Já o bit quântico – ou qubit – pode assumir, também, uma superposição dos dois estados. E isso possibilita codificar mais informação no qubit do que no bit clássico.
O emaranhamento permite correlacionar vários qubits de forma não local. A não localidade é uma característica intrínseca da natureza e um dos grandes diferenciais entre a física quântica e a física clássica, que só admite correlações locais.
Martinelli explicou como esse princípio geral se realiza no experimento em questão. “A energia total do processo é fornecida por um laser. O feixe de luz produzido por esse laser, incidindo em um cristal, gera outros dois campos, que mantêm as características do laser: luz intensa, monocromática, com frequências bem definidas. Assim, o sistema passa a ser constituído por três campos intensos. Cada campo intenso acopla um par de campos extremamente tênues. De modo que os seis campos ficam acoplados com o campo principal. E apresentam correlações mais fortes do que aquelas que se conseguiriam usando-se lasers independentes”, disse.
A máquina que gera os estados emaranhados – o oscilador paramétrico óptico – é formada por um pequeno cristal entre dois espelhos. O cristal tem 1 centímetro de comprimento e a distância entre os espelhos não chega a 5 centímetros. No entanto, como o resfriamento é uma condição necessária no processo, o conjunto todo é colocado em uma caixa de alumínio, no interior da qual é feito vácuo, evitando a condensação e o congelamento do sistema.
A informação que pode ser codificada por uma única onda é limitada pelo princípio da incerteza. Nesse caso, as variáveis amplitude e fase da onda se comportariam com as análogas das variáveis posição e velocidade da partícula, consideradas por Werner Heisenberg (1901-1976) na formulação do princípio.
“Com o emaranhamento, parte da informação de cada onda particular é perdida, mas a informação global do sistema se preserva, de forma compartilhada. Devido ao compartilhamento, quando observamos uma única onda, somos informados, ao mesmo tempo, sobre todas as outras cinco. Cada feixe vai para um detector. E essa distribuição da informação em unidades independentes permite ganhar velocidade de processamento”, disse Martinelli.
As seis ondas formam um conjunto. Ao se obter informação de uma delas, obtém-se informação sobre o sistema global. Ao se alterar uma delas, altera-se o sistema como um todo.
O artigo Exploring six modes of an optical parametric oscillator pode ser lido em https://journals.aps.org/pra/abstract/10.1103/PhysRevA.98.023823
O artigo Hexapartite entanglement in an above-threshold Optical Parametric Oscillator pode ser lido em https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.121.073601#fulltext