Exame Logo

Estudo brasileiro resolve controvérsia sobre grafeno

Questão dizia respeito ao cálculo da estrutura eletrônica geral de defeitos em folhas de grafeno

(AlexanderAlUS/Wikimedia Commons)

Lucas Agrela

Publicado em 3 de janeiro de 2018 às 13h21.

Última atualização em 3 de janeiro de 2018 às 13h33.

Um estudo conduzido no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) resolveu controvérsia que há muito se arrastava na comunidade internacional de pesquisadores dedicada à investigação de defeitos em folhas de grafeno .

A controvérsia dizia respeito ao cálculo da estrutura eletrônica geral do defeito. Essa configuração, que comporta muitas variáveis, era descrita de diferentes maneiras, conforme o pesquisador e o modelo adotado. A solução, igual para todos os modelos e compatível com os dados experimentais, foi obtida pela chilena Ana María Valencia García e sua orientadora de doutorado, Marília Junqueira Caldas , professora titular do IFUSP.

Veja também

Artigo assinado pelas duas pesquisadoras foi publicado na revista Physical Review B . E os editores da revista escolheram uma das figuras do artigo para integrar a seção Kaleidoscope, que contempla o aspecto estético das imagens publicadas.

García recebeu bolsa de doutorado da Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (Conicyt), do Chile, enquanto Caldas contou com apoio do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo), financiado conjuntamente pela FAPESP e pelo CNPq.

“Havia divergência na comunidade sobre se a vacância – isto é, a ausência de um átomo de carbono da rede cristalina – provocava um momento magnético fraco ou forte. E sobre quão forte seria a interação magnética entre vacâncias. Essa divergência era especialmente estranha pelo fato de seus protagonistas serem todos eles excelentes pesquisadores, de renomados institutos internacionais. Descobrimos que os valores divergentes decorriam de diferentes métodos de simulação utilizados”, disse Caldas à Agência FAPESP.

No estudo de cristais, “vacância” é o termo empregado para caracterizar a situação em que falta um átomo na rede cristalina. Nesse caso, os átomos ao redor precisam se rearranjar e estabelecer novas ligações, de modo a compensar o átomo faltante. Formam-se no local configurações de elétrons chamadas de “orbitais flutuantes”.

Há três variáveis importantes associadas ao fenômeno: a densidade eletrônica (como os elétrons se distribuem); os níveis eletrônicos (patamares de energia ocupados pelos elétrons); e o momento magnético (o torque produzido nos elétrons por um campo magnético externo).

Caldas explica que há duas maneiras de calcular a estrutura eletrônica geral da região da vacância, ambas derivadas da mecânica quântica: o método de Hartree-Fock (HF) e a teoria do funcional da densidade ( Density Functional Theory – DFT).

“Na DFT, o cálculo é obtido fazendo cada elétron interagir com a densidade eletrônica média, que inclui ele mesmo. No HF, o operador utilizado exclui o próprio elétron e considera somente sua interação com os demais. O HF proporciona resultados para a estrutura dos elétrons com maior precisão, porém o cálculo é muito mais trabalhoso”, disse.

“Muitas vezes, os dois métodos são combinados, por meio de funcionais híbridos. Os funcionais híbridos são mencionados pela literatura especializada desde o final do século passado. Eu mesma já havia trabalhado com eles tempos atrás em um estudo sobre polímeros. Porém, nunca haviam sido utilizados no caso do grafeno. O que Ana María e eu fizemos foi descobrir o funcional híbrido que melhor descreve o material em pauta. Aplicado aos diversos modelos, por meio de simulação computacional, nosso funcional híbrido produziu, para todos eles, o mesmo resultado, que bateu com os dados experimentais”, disse.

Dark Earth

Além de ter possibilitado a solução de controvérsia que perdurava há anos, e de ter uma de suas imagens selecionada pelo valor estético, outra peculiaridade interessante da pesquisa foi o problema que a motivou.

“Chegamos ao tema a partir do interesse suscitado por um material chamado ‘terra preta do índio’ [ anthropogenic dark Earth ou ADE em inglês]. Trata-se de uma terra escura e muito fértil existente na Amazônia, que retém a umidade mesmo em altas temperaturas e permanece fértil mesmo sob chuvas intensas”, disse Caldas.

É um material de origem antropogênica, composto por retalhos de terrenos cultivados pelos primitivos habitantes da Amazônia há pelo menos dois milênios.

“Sabia-se que esse material, tão interessante, resultava de empilhamentos de nanoflocos de grafeno. E foi o interesse pela ‘terra preta do índio’ que nos levou ao estudo do fenômeno da vacância em folhas de grafeno”, disse Caldas.

A pesquisadora destaca que a vacância em folhas de grafeno oferece um horizonte de aplicação tecnológica, pois é no defeito e não na estrutura íntegra que a informação pode ser codificada. Para alcançar esse horizonte, no entanto, muita pesquisa terá ainda que ser realizada.

O artigo Single vacancy defect in graphene: Insights into its magnetic properties from theoretical modeling (doi: https://doi.org/10.1103/PhysRevB.96.125431), de A. M. Valencia and M. J. Caldas, está publicado em: https://journals.aps.org/prb/abstract/10.1103/PhysRevB.96.125431 .

* Esta notícia daAgência FAPESPfoi publicada anteriormente em inglês no Eurekalert ( https://www.eurekalert.org/pub_releases/2017-12/fda-src121917.php ) e divulgada em diversos sites, como o Phys.org (https://phys.org/news/2017-12-controversy-electron-defects-graphene.html).

Acompanhe tudo sobre:GrafenoPesquisas científicasUSP

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Ciência

Mais na Exame