Cresce número de cidades que recebem imigrantes, diz "atlas da imigração"
Mudanças no fluxo de imigrantes têm contribuído para reconfigurar os padrões da migração internacional para o país
Victor Caputo
Publicado em 12 de abril de 2018 às 11h00.
Última atualização em 12 de abril de 2018 às 11h01.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.432 tiveram ao menos um registro de imigrante internacional, como boliviano, haitiano e, mais recentemente, cubano e venezuelano, entre 2000 e 2015. Esses novos fluxos de imigrantes, que têm chegado com maior frequência e intensidade ao Brasil nos últimos anos, têm contribuído para reconfigurar os padrões da migração internacional para o país.
A constatação é de um levantamento realizado por pesquisadores do Observatório das Migrações em São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ), publicado no Atlas Temático – Observatório das Migrações em São Paulo, apresentado em 6 de abril em evento na FAPESP.
A pesquisa, financiada pela FAPESP, investigou os fluxos de migrações internacionais no Estado de São Paulo nas últimas décadas com o objetivo de subsidiar políticas públicas que assegurem a inclusão, a garantia de direitos e o acesso aos serviços públicos por essas populações.
O projeto completou 10 anos e está em sua segunda fase. Na primeira etapa, os pesquisadores analisaram o fenômeno migratório no Estado de São Paulo no período entre 1794 e 2010. Na segunda fase, iniciada em 2014 e que se encerra no fim de 2018, estudam as migrações internas e internacionais contemporâneas também no Estado de São Paulo entre 2010 e 2018.
“Embora o foco do trabalho seja São Paulo, também analisamos os cenários nacional e internacional para entender como o Brasil e, mais especificamente, o Estado de São Paulo se inserem na rota das migrações internacionais”, explicou Rosana Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp e coordenadora do projeto.
“Nosso objetivo é que os gestores possam ler e interpretar as informações que compilamos de diversas bases de dados para subsidiar a implementação de políticas públicas voltadas ao acolhimento dos imigrantes nos âmbitos municipal, estadual e federal”, disse.
De acordo com dados tabulados pelos pesquisadores, entre 2000 e 2015 foram registrados 879.505 imigrantes internacionais no Brasil, dos quais 367.436 foram registrados no Estado de São Paulo. O maior fluxo migratório para o Brasil nesse período foi de bolivianos, seguido por norte-americanos e haitianos, aponta o levantamento.
“A maior participação de bolivianos entre os imigrantes internacionais no Brasil nos últimos anos se deve à implementação do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, em 2009, que possibilitou a documentação dos imigrantes dessa nacionalidade no Brasil”, disse Baeninger.
Em sua maioria, os imigrantes internacionais registrados no Brasil nos últimos anos são homens, com idade entre 30 e 34 anos, e entram no país principalmente a partir das fronteiras nacionais nos estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima e Amapá.
A maior parte dos imigrantes que entra no país por essas regiões não permanece nela e se espalha por outros estados, indicou o estudo. “As migrações internacionais no Brasil passam, necessariamente, pelas fronteiras”, afirmou Baeninger.
“Talvez esse dado tenha sido pouco explorado na questão das migrações no Brasil nas últimas décadas porque as migrações fronteiriças eram vistas como migrações de vizinhança ou latino-americanas. Mas, ao olhar mais detidamente os fluxos migratórios que adentram o país pelas fronteiras, temos constatado que são migrações transnacionais”, disse.
Ampla distribuição
Os imigrantes internacionais estão distribuídos por todos os estados brasileiros. Em Sergipe, por exemplo, 43 municípios registraram a presença de imigrante internacional entre 2000 e 2015, e no Ceará 119 municípios também tiveram pelo menos um registro no mesmo período.
Os 8.437 venezuelanos que registraram residência no Brasil nesse mesmo período, por exemplo, estão presentes, além das regiões de fronteira, como a situada em Roraima, também na maior parte dos estados.
“Isso rompe com o imaginário de que a rota das migrações internacionais no Brasil passa pelas fronteiras, segue para as metrópoles, principalmente das regiões Sul e Sudeste do país, e se espalha para outros estados”, disse Baeninger.
No caso de São Paulo, dos 645 municípios paulistas 489 registraram a presença de imigrantes internacionais. Em 2016, o número saltou para 580 municípios com a presença de imigrantes, constataram os pesquisadores.
“Esse dado é fundamental para pensar em políticas sociais de acolhimento dos imigrantes, porque, embora as explicações sobre as migrações possam ser encontradas no âmbito global, as ações de atendimento à população migrante vão ocorrer no âmbito dos municípios”, disse Baeninger.
A exemplo do que ocorre em todo o país, a principal origem do fluxo migratório para São Paulo entre 2000 e 2015 foi a Bolívia, seguida pela China e os Estados Unidos. Já no período mais recente ocorreu um decréscimo da presença de europeus e norte-americanos no estado e aumentou a de cubanos, venezuelanos e angolanos, além de refugiados oriundos da Síria, Congo, Colômbia, Mali, Angola, Iraque e Líbano.
Esses novos fluxos migratórios de imigrantes com visto humanitário, como no caso dos haitianos, de solicitantes de refúgio com protocolo de permanência provisória, como os sírios, e de latino-americanos com visto temporário de residência no país possibilitaram que a imigração internacional no Estado de São Paulo, que até os últimos 15 anos estava muito concentrada na capital, passasse a estar presente em todos os municípios paulistas, avaliou Baeninger.
“Essas novas migrações têm reconfigurado em um curto espaço de tempo as migrações internacionais em São Paulo e no Brasil, como um todo, onde se tem, cada vez mais, a presença de migração não branca, particularmente negra e indígena”, disse.
Dados on-line
Durante o evento foi lançada uma versão digital do Atlas Temático – Observatório das Migrações em São Paulo, hospedada no site do Nepo da Unicamp, que reúne parte de dados encontrados na versão impressa da publicação.
Na ocasião, também foi lançado o site da cátedra Sérgio Vieira de Mello, criada recentemente pela Unicamp em parceria com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur) com os objetivos de difundir o ensino universitário sobre temas relacionados ao refúgio e promover a formação acadêmica e a capacitação de professores e estudantes nesse tema.
“Nossa ideia também é atrair professores refugiados que possam vir para a Unicamp colaborar com a formação de recursos humanos e com a pesquisa no Estado de São Paulo”, disse Marcelo Knobel, reitor da Unicamp.
Participaram do evento representando a FAPESP Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente, Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico, e Fernando Menezes, diretor administrativo.
“O trabalho realizado pelo Observatório das Migrações em São Paulo e que resultou na publicação do Atlas Temático é um caso emblemático de pesquisa que tem impacto imediato, porque fornece subsídios às políticas públicas”, disse Krieger.
A apresentação da publicação também contou com a presença da deputada federal Bruna Furlan e do deputado estadual Carlos Bezerra Jr., que preside a comissão dos direitos da pessoa humana, da cidadania, da participação e das questões sociais da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Na opinião do deputado estadual Bezerra Jr., o Atlas Temático – Observatório das Migrações em São Paulo é um instrumento que permite qualificar o debate sobre a migração no Brasil e as políticas públicas voltadas ao apoio aos imigrantes estrangeiros no país.
“O Atlas representa um instrumento importantíssimo de aporte de dados para que as políticas públicas possam ser feitas da maneira que acreditamos ser a ideal, se antecipando aos problemas”, disse.
De acordo com o deputado, está atualmente em discussão na Alesp o Plano Estadual de Migrações, que pretende estabelecer diretrizes para que o Estado de São Paulo possa estabelecer e implementar políticas públicas nessa área.
“A omissão do Estado no acolhimento aos imigrantes estrangeiros tem um preço alto, porque amplifica tragédias humanitárias, não garante direitos elementares e começa a criar na população local um sentimento de que aqueles que estão vindo irão colapsar os sistemas públicos, que não se prepararam para receber essas pessoas. Aí cresce a xenofobia”, disse Bezerra Jr.
“Migrar é um direito humano, e São Paulo tem um papel importantíssimo no desenvolvimento de políticas sociais para acolher os imigrantes estrangeiros”, disse o deputado.