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Como a raiva pode nos ajudar a tomar melhores decisões

É isso mesmo: às vezes, ficar bravo nos ajuda a focar no que mais desejamos

Raiva: segundo estudos da área, pessoas irritadas tomam decisões mais rapidamente e com maior objetividade (DeanDrobot/Thinkstock)

Felipe Giacomelli

Publicado em 30 de setembro de 2019 às 05h50.

Última atualização em 30 de setembro de 2019 às 05h50.

Você está indo ao shopping para comprar um computador novo. No caminho, um carro corta à sua frente, quase causando um acidente. Você chega na loja com raiva. Seria melhor se acalmar antes de fazer a compra?

A pesquisa de Michal Maimaran da Kellogg School sugere que não. Diversos estudos realizados por Maimaran e colegas mostram que a raiva pode levar os consumidores a fazer escolhas mais voltadas a objetivos.

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E não é só isso: Maimaran  e seus colaboradores Uzma Khan,da Universidade de Miami, e Alexander DePaoli, da Northeastern University, mostraram que esses consumidores irritados demoravam menos tempo para fazer sua escolha, e eram menos propensos a transigir e estavam mais satisfeitos com suas escolhas do que os que estavam com medo, tristes ou neutros.

Em suma, a raiva pode tornar sua experiência de compra mais focada e proveitosa.

“Geralmente consideramos a raiva como algo negativo, no sentido de que ela tem um efeito negativo sobre nós e, portanto, inibiria a busca de nossos objetivos", diz Maimaran, professora associada de pesquisa de marketing. “Contudo, a raiva pode, na verdade, ser benéfica para nós. É algo surpreendentemente contraintuitivo”.

Sentimento de controle total

Gostamos de pensar que somos seres humanos racionais que sempre tomam decisões coerentes aos nossos objetivos. Entretanto, é claro, nem sempre é o caso. Quando temos diversas opções disponíveis, os consumidores muitas vezes ficam travados pensando nas compensações, e por fim comprometem seus objetivos originais.

“Quando os consumidores não conseguem decidir o que escolher, geralmente acabam desistindo de escolher ou optam por uma opção intermediária, que pode ficar aquém do seu objetivo desejado”, diz Maimaran.

Ao mesmo tempo, as emoções também podem afetar sistematicamente a tomada de decisão. Por exemplo, pesquisas anteriores mostraram que pessoas com raiva sentem-se mais determinadas e no controle de suas decisões. Isso levou Maimaran e seus colegas a questionar o fato de que, quando os consumidores estão com raiva, eles realmente fariam escolhas que melhor corresponderiam aos seus objetivos.

Consumidores irritados focam mais nos objetivos

Para realizar a pesquisa, os pesquisadores desenvolveram seis estudos para examinar a forma como a raiva afeta as escolhas dos consumidores.

No primeiro estudo, um grupo de participantes on-line foi instruído para pensar em velocidade, e outro grupo focou em capacidade, ao lerem um texto sobre um carro que enfatizasse a velocidade ou a capacidade, respectivamente. Um terceiro grupo não recebeu nenhuma instrução.

A seguir, metade das pessoas de cada grupo foi incitada a sentir raiva por meio de fotos de rostos de pessoas demonstrando raiva, pedindo que escrevessem sobre uma ocasião pessoal em que sentiram raiva. Essa opção não foi dada a outra metade dos participantes.

Todos os participantes tiveram então a opção de escolher entre dois laptops com opções diferentes de velocidade e capacidade. Os participantes irritados que haviam sido preparados com o objetivo de velocidade classificaram o laptop mais rápido como a melhor opção, comparados aos que não foram incentivados a sentir raiva e comparados com os participantes irritados que não foram preparados com nenhum objetivo.

O mesmo aconteceu com os participantes irritados que foram preparados para levar em conta a capacidade do computador em jogo.

“Isso mostra que, mesmo quando se está preparado para pensar em velocidade, não necessariamente significa que a escolha será a opção rápida", disse Maimaran. “Você também precisa ficar com raiva para escolher a opção que melhor se adequa ao objetivo pelo qual foi preparado".

Como a raiva afeta as decisões tomadas

Em seguida, os pesquisadores quiseram entender se foi a raiva especificamente que causou o comportamento dos participantes em relação aos objetivos, e não apenas emoções negativas. Assim, compararam os efeitos da raiva com os do medo.

Os participantes descreveram um momento em que sentiram raiva ou medo.  Depois foram orientados a escolher entre dois objetos diferentes. Todas as vezes, a escolha era apresentada com um objetivo definido, como por exemplo, "você está querendo uma lanterna fácil de carregar".

Os participantes incentivados a sentir raiva tendiam a escolher objetos que se alinhavam com esses objetivos do que os participantes com medo. As pessoas no estudo também avaliaram seu próprio estado emocional, ou seja, quão animados, entediados ou estressados estavam. Esses diversos estados não afetaram suas escolhas.

Os pesquisadores descobriram que outro grupo de participantes era menos propenso a adiar a decisão sobre comprar duas passagens aéreas quando estavam com raiva do que quando se sentiam tristes. Esses participantes também alternaram entre as duas opções de passagens menos vezes e levaram menos tempo para escolher.

Outro experimento mostrou também que quando estavam com raiva, os participantes eram menos propensos a aceitar outra coisa a não ser a que queriam e, em vez disso, escolher opções transigentes ou intermediárias.

Consumidores irritados são mais satisfeitos

Os consumidores irritados ficam mais satisfeitos com as suas escolhas?

Nos estudos finais, Maimaran e seus colegas testaram o seguinte caso: os participantes do estudo tinham que escolher entre biscoitos ou um prêmio em dinheiro. Uma semana depois, as pessoas foram contatadas para conversar sobre o seu grau de satisfação com suas escolhas.

As que foram incentivadas a sentir raiva ficaram mais satisfeitas com as escolhas de prêmio do que os participantes que expressaram tristeza ou neutralidade. Maimaran e seus colegas replicaram esse resultado e ofereceram a um outro grupo de participantes a escolha de vales-presente para restaurantes, e descobriram que os consumidores irritados estavam mais satisfeitos com sua escolha.

“A conclusão é a seguinte: os consumidores irritados não só tendem a optar por se satisfazer com o que realmente desejam, demoram menos tempo para escolher e fazem escolhas mais consistentes com os seus objetivos, mas também ficam mais satisfeitos com o que escolhem”, diz Maimaran.

Uma ferramenta “complicada”

Como um todo, os resultados indicam que a raiva pode ser uma ferramenta importante para os profissionais de marketing, contanto que seja usada de maneira sutil e inteligente.

"Você não quer que os consumidores fiquem com raiva do seu produto ou empresa", diz Maimaran. “Você não pode usá-la como alvo emocional de multi-uso. Apenas mostramos que, em certas circunstâncias, a raiva pode ter resultados benéficos”.

Já se usa a raiva como ferramenta para orientar certos comportamentos. As campanhas políticas, por exemplo, costumam usar a raiva contra o outro candidato para levar os eleitores às urnas. Maimaran disse que os gestores podem usar tática semelhante se seus funcionários estiverem zangados com as decisões da empresa, como congelamentos de salários ou demissões.

Se essas decisões forem uma resposta a fatores externos, como a situação da economia ou uma redução na demanda por produtos, os gestores poderão redirecionar a raiva dos funcionários para outra direção e usá-la para orientar a equipe rumo aos objetivos da empresa.

"Pode ser complicado mas, sempre que possível, os gestores devem considerar o uso da raiva para direcionar os funcionários para caminhos positivos", diz Maimaran.

As pessoas também devem considerar o grau de raiva que têm ao tomar decisões. Obviamente, há momentos em que o melhor é se acalmar antes de enviar um e-mail irado. Mas há outros momentos em que a raiva pode ajudar a pessoa a se concentrar naquilo que é realmente importante.

“É contra intuitivo, porém pode haver situações em que tomamos a decisão certa quando estamos com raiva", diz Maimaran. “A raiva pode nos ajudar a tomar boas decisões".

Texto publicado originalmente no site Kellogg Insight, da Kellog School of Management

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