Cientistas desvendam como funcionava o “portão do inferno” romano
Em um templo pagão, uma força misteriosa ceifava animais, mas poupava sacerdotes. Agora, cientistas finalmente descobriram o truque por trás do ritual
Victor Caputo
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 às 15h39.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2018 às 17h20.
Por vários séculos antes de Cristo, a cidade romana de Hierápolis, no atual território da Turquia , atraiu peregrinos de todos os cantos do Império. Lá, garantiam as autoridades pagãs, ficava a verdadeira entrada do inferno: um portal de pedra posicionado na frente do acesso a uma pequena gruta. Em volta, arquibancadas suntuosas abrigavam os fiéis que queriam assistir a um ritual comum – o sacrifício de animais.
Guiados pelos sacerdotes – que, segundo o geógrafo grego Estrabão, eram homens castrados –, bois e vacas saudáveis andavam rumo ao portal. Quando entravam lá, se debatiam e caiam mortos, quase instantaneamente. Os sacerdotes, por outro lado, saiam vivos.
O público ia ao delírio. Afinal, geralmente é preciso matar o animal com as próprias mãos para sacrificá-lo. Uma morte assim, no automático, era a melhor prova de que Plutão, deus dos mortos e das riquezas do solo, havia gostado do presente.
Mas será que gostava mesmo? Em 2011, arqueólogos que exploravam o sítio arqueológico de Hierápolis perceberam que a gruta funciona a pleno vapor até hoje: se um passarinho entra lá de bobeira, cai morto na hora. Isso chamou a atenção de Hardy Pfanz, especialista em vulcões da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha.
As ruínas da cidade ficam diretamente acima de uma área de intensa atividade geofísica – as fontes termais da região, inclusive, eram usadas pelos romanos para fins medicinais. Pfanz descobriu que, sob o templo, uma fenda no chão libera constantemente dióxido de carbono (CO2) na gruta.
Durante o dia, o gás tóxico, por causa do calor do Sol, sobe e se dispersa na atmosfera. Durante a noite, porém, ele fica próximo ao chão – formando uma espécie de “lago” transparente de 40 cm de profundidade ao redor do portão. Os detalhes estão em um artigo científico.
O pior horário é o anoitecer, quando a concentração de CO2bate 35%. O boi, que naturalmente anda com a cabeça mais baixa que um ser humano, ficava em contato com mais gás que o sacerdote. Tonto por causa da intoxicação, se inclinava até mergulhar o focinho completamente na faixa letal de 40 cm. E aí morria. Nas palavras de Pfanz: “Eles meio que sabiam que o hálito letal dos guardiões do inferno atingia uma altura máxima muito bem definida”. Calhou que a força sobrenatural não podia ser mais natural.
Este texto foi publicado originalmente no siteSuperinteressante.