Repórter
Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 14h43.
Cientistas conseguiram, pela primeira vez, coletar e examinar o ar exalado por baleias selvagens no Ártico com o auxílio de drones equipados com placas de Petri esterilizadas.
A análise do material — conhecido como “bafo” — confirmou a presença de um vírus potencialmente fatal para esses animais, indicando que o morbilivírus cetáceo já circula acima do Círculo Polar Ártico, uma área considerada estratégica para a conservação marinha.
O método foi aplicado em baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae), cachalotes (Physeter macrocephalus) e baleias-comum (Balaenoptera physalus). A técnica representa um avanço no acompanhamento da saúde de grandes cetáceos, pois elimina a necessidade de captura ou de procedimentos invasivos.
Em comunicado, Terry Dawson, professor do King’s College London, no Reino Unido, e um dos autores do estudo, destacou que o uso de drones permite identificar patógenos em animais vivos sem provocar estresse ou danos físicos.
Os pesquisadores fizeram coletas no norte da Noruega, na Islândia e em Cabo Verde. Durante as expedições, os drones eram posicionados sobre os espiráculos no momento em que as baleias vinham à superfície para respirar, capturando gotículas respiratórias que depois passaram por análises moleculares em laboratório.
Os pesquisadores também usaram amostras complementares, como secreções nasais, biópsias de pele e, em um caso específico, material obtido diretamente do espiráculo. Os resultados do estudo foram publicados nesta quinta-feira, 18, na revista científica BMC Veterinary Research.
As análises confirmaram a presença do morbilivírus cetáceo em grupos de baleias-jubarte no norte da Noruega, em um cachalote que apresentava sinais de debilidade e em uma baleia-comum encalhada. O vírus é altamente contagioso e pode infectar diferentes espécies de cetáceos, como baleias, golfinhos e botos, causando danos graves aos sistemas respiratório, neurológico e imunológico.
Identificado pela primeira vez em 1987, o morbilivírus já foi relacionado a diversos episódios de encalhes e mortalidade em larga escala ao redor do mundo. A comprovação de sua circulação em regiões árticas aumenta as preocupações, especialmente durante o inverno, período em que grandes concentrações de baleias se reúnem para alimentação em áreas que também recebem aves marinhas e atividades humanas.
O patógeno chama atenção pela facilidade de transmissão e pela capacidade de infectar múltiplas espécies, o que amplia seu alcance geográfico. Essa característica permite que o vírus acompanhe rotas migratórias naturais, conectando populações distantes e favorecendo sua dispersão pelos oceanos.
Outro fator crítico é a dificuldade de identificação precoce. Em muitos casos, os animais infectados apresentam sintomas discretos ou pouco específicos, o que contribui para a disseminação silenciosa dentro de grupos sociais densos. Quando os sinais clínicos se tornam evidentes, o vírus costuma já estar amplamente disseminado.
O morbilivírus também compromete o sistema imunológico dos cetáceos, aumentando a suscetibilidade a infecções secundárias e a outros agentes patogênicos presentes no ambiente marinho. Essa combinação ajuda a explicar por que surtos associados ao vírus tendem a ser rápidos e extensos.
Do ponto de vista da gestão ambiental, não existem vacinas ou tratamentos disponíveis para populações selvagens de cetáceos. Assim, a vigilância contínua permanece como a principal estratégia de mitigação.
Nesse contexto, a detecção do vírus em áreas árticas reforça a preocupação de que regiões antes consideradas relativamente isoladas passem a integrar a dinâmica global de disseminação do patógeno, com possíveis efeitos de longo prazo sobre espécies já pressionadas por mudanças ambientais aceleradas.
Além do morbilivírus, o estudo identificou a presença de herpesvírus em baleias-jubarte na Noruega, Islândia e Cabo Verde. Não houve detecção do vírus da gripe aviária nem da bactéria Brucella sp., ambos já associados a encalhes de cetáceos em estudos anteriores.
Para os pesquisadores, os resultados reforçam a importância de um sistema integrado de vigilância da saúde dos oceanos, considerando que agentes infecciosos podem atuar em conjunto com fatores como aquecimento global, poluição e alterações na oferta de alimento.
A expectativa é que o uso recorrente de drones permita a identificação antecipada de riscos sanitários, antes que surtos atinjam populações inteiras. De acordo com o Helena Costa, autora principal do estudo e pesquisadora da Nord University, a prioridade agora é ampliar o monitoramento de longo prazo para compreender como múltiplos fatores de estresse podem influenciar a saúde das baleias nos próximos anos.