Chris Buck: antes de desenvolver a cerveja-vacina, cientista foi quem descobriu esses vírus (Reprodução/Science News)
Estagiária de jornalismo
Publicado em 30 de dezembro de 2025 às 06h23.
Um virologista do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos transformou sua cozinha em laboratório para criar uma cerveja que também funciona como vacina.
Chris Buck, que descobriu quatro dos 13 poliomavírus conhecidos por infectar humanos, desenvolveu uma bebida fermentada com leveduras geneticamente modificadas capazes de produzir anticorpos contra esse grupo de vírus associados a diversos tipos de câncer e problemas graves em pacientes imunossuprimidos. Buck contou essa história para o portal americano Science News, que também ouviu críticos.
Buck testou a cerveja-vacina em si mesmo após um comitê de ética do Instituto Nacional de Saúde (NIH) vetar seus experimentos no ambiente de trabalho. Os resultados, publicados em dezembro na plataforma Zenodo.org sem revisão por pares, mostram que seu organismo produziu anticorpos contra várias cepas do vírus sem efeitos colaterais. Familiares que consumiram a bebida também não relataram problemas.
A inovação divide a comunidade científica. Enquanto alguns especialistas veem potencial para democratizar o acesso a vacinas e reduzir o medo da imunização, outros alertam para os riscos de contornar protocolos de segurança estabelecidos. "Não podemos tirar conclusões baseadas em testes com duas pessoas", criticou Michael Imperiale, virologista da Universidade de Michigan.
O projeto começou há 15 anos, quando a equipe de Buck no NIH iniciou o desenvolvimento de uma vacina injetável contra poliomavírus. Esses vírus infectam até 91% das pessoas antes dos 9 anos e podem causar complicações graves em transplantados, incluindo a perda do órgão doado.
Buck decidiu explorar uma via alternativa após perceber que leveduras vivas conseguiam transportar partículas virais vazias através do estômago até o intestino, onde elas estimulam a produção de anticorpos.
A estratégia permitiria classificar a vacina como alimento ou suplemento dietético nos EUA, evitando os longos e custosos processos de aprovação farmacêutica. "Se você pode comer algo, pode vendê-lo como produto de suplemento dietético", argumenta Buck. O virologista fundou uma empresa sem fins lucrativos, a Gusteau Research Corporation, para produzir e distribuir as leveduras modificadas.
Especialistas em bioética como Arthur Caplan, da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, consideram o momento político atual especialmente inadequado para vacinas DIY (faça-você-mesmo), dado o crescimento do movimento antivacina nos Estados Unidos.
Buck, no entanto, relata ter visitado um hospital pediátrico onde crianças com cistite hemorrágica causada pelo vírus BK gritavam de dor tão intensamente que foi necessário instalar isolamento acústico. "Há crianças gritando no fundo da minha mente depois daquela experiência", disse ele ao Science News.