Brasileira cria teste que detecta vírus da Aids em tempo recorde
O paciente poderá fazer o exame com o sensor apenas uma semana após ser infectado pelo HIV
Marina Demartini
Publicado em 16 de fevereiro de 2017 às 17h17.
Última atualização em 16 de fevereiro de 2017 às 17h34.
São Paulo – Uma cientista brasileira criou um novo teste que pode revolucionar o diagnóstico de HIV. Priscila Kosaka e um time de pesquisadores do Conselho Nacional de Investigação da Espanha (CSIC) desenvolveram um biossensor que pode detectar o vírus da Aids durante a primeira semana após a infecção.
Geralmente, o exame tradicional só deve ser feito após um mês de exposição a alguma situação de risco, como sexo sem camisinha ou compartilhamento de agulhas. A espera se deve à janela imunológica, um período em que o corpo ainda não produziu anticorpos suficientes para serem encontrados, segundo o site do departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do governo brasileiro.
Há duas maneiras de se detectar o HIV no sangue. A primeira é a partir da identificação do RNA viral com testes de amplificação de ácido nucleico. Com esse exame, existe um limite de detecção de 20 a 35 cópias de RNA por mililitro de sangue, uma concentração que pode ser encontrada duas semanas após a infecção. Apesar de muito sensível, esse exame é extremamente caro.
A segunda técnica consiste em detectar uma proteína do HIV-1, a p24, quando ela alcança 10 picogramas por mililitro de sangue. Essa concentração pode ser atingida aproximadamente entre três e quatro semanas após a infecção. O que Kosaka e os pesquisadores fizeram foi pegar esse último teste e aprimorá-lo.
No exame, o soro (material obtido a partir da coagulação do sangue) é depositado no biossensor, que já está preparado para encontrar qualquer partícula de proteína p24. “O sensor é como um trampolim de piscina. Ele vibra com uma determinada frequência quando há algo sobre ele”, explica Priscila Kosaka, em entrevista a EXAME.com. Desse modo, é possível medir a massa das proteínas.
Em seguida, nanopartículas de ouro são colocadas sobre o sensor. “Elas possuem ressonâncias ópticas que fazem as proteínas brilharem”, diz Kosaka. De acordo com a cientista, a combinação da estrutura mecânica do biossensor com as nanopartículas de ouro faz com que o exame seja 100 mil vezes mais sensível à proteína p24 do que o teste tradicional. “A especificidade é tão alta que a taxa de erro é quase mínima.”
Todo esse processo leva menos de cinco horas para ser feito e os resultados clínicos podem ser obtidos no mesmo dia.
O que impressiona, no entanto, é o tempo necessário para que o teste seja feito. A nova tecnologia possibilita que o exame seja feito apenas uma semana após a exposição ao HIV. Nesse período, segundo Kosaka, a quantidade de vírus no sangue cresce rapidamente.
Assim, ao saber da contaminação, o paciente poderá iniciar o tratamento antes de a carga viral aumentar. Esse início precoce da terapia antirretroviral pode beneficiar na contagem de células CD4, que organizam a resposta imunológica do corpo. “Logicamente, a detecção também é crítica para a prevenção da transmissão do HIV”, conta a cientista.
Uma grande aplicação do teste, de acordo com Kosaka, é para os bancos de sangue. Como o exame de HIV é grátis e necessário antes da doação de sangue, muitas pessoas que estão com dúvida se têm ou não a doença fazem o teste.
No entanto, com os diagnósticos atuais, se o indivíduo foi contaminado há menos de um mês, o exame não irá sempre detectar o vírus. “A nossa tecnologia irá evitar que outra pessoa receba sangue contaminado.”
Além disso, o biossensor também está sendo aplicado na detecção precoce de certos tipos de câncer , como leucemia mielóide, câncer de pulmão e câncer de mama.
Quando chega ao mercado
O biossensor já foi patenteado pelo Conselho Nacional de Investigação da Espanha e está licenciada a uma empresa. Kosaka conta que ainda é preciso validar a tecnologia com amostras humanas antes de o teste chegar ao mercado. “Iniciaremos os estudos clínicos e esperamos que até o final deste ano possamos aprovar o uso do sensor em amostras humanas.”
Depois dos testes clínicos, é preciso esperar a aprovação de leis da Europa e dos Estados Unidos. “O plano é que o biossensor esteja disponível para hospitais e instituições do governo dentro dos próximos quatro anos”, diz a cientista.
Kosaka não sabe dizer quanto o teste irá custar. No entanto, ela garante que o objetivo é que ele seja barato. “Além disso, o exame também irá diminuir custos de cirurgia, tratamento e a chance de cura é maior em alguns casos de câncer.”