Pesquisa em laboratório com drogas (Divulgação/Divulgação)
AFP
Publicado em 12 de outubro de 2018 às 13h57.
O LSD, uma droga que ainda é ligada ao movimento hippie, volta pouco a pouco ao âmbito da pesquisa médica, 75 anos após sua descoberta em um grande laboratório farmacêutico suíço.
Antes de se tornar a droga recreativa associada ao Festival de Woodstock, aos artistas dos anos 1960 e a suas inúmeras criações psicodélicas, a substância alucinógena criada em 1943 foi um medicamento experimental, muito utilizado na psiquiatria.
Mas seu uso foi interrompido depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre seu consumo abusivo e pediu para os governos tomarem medidas a respeito.
O ácido, que a ONU considera um psicotrópico ilícito desde 1971, ficou à margem da pesquisa médica durante cerca de 40 anos, para desagrado do doutor Albert Hofmann (1906-2008), um dos pais do LSD, que sempre defendeu as virtudes terapêuticas de sua descoberta.
Mas, anos depois, a droga está a caminho da reabilitação.
"Em 2006, foi organizada uma grande conferência em Basileia sobre o doutor Hofmann por ocasião do centenário de seu nascimento", explica Hannes Mangold, comissário de uma exposição na biblioteca nacional suíça, em Berna, dedicada ao livro deste químico suíço intitulado "LSD: meu filho monstro".
Cientistas do mundo inteiro escreveram, então, a seus governos para lhes solicitar permissão para retomar suas pesquisas, especialmente para estudar os efeitos da droga no tratamento de depressões profundas ou no acompanhamento de pacientes com doenças incuráveis.
Entre os poucos estudos autorizados desde então, se destaca um realizado por Peter Gasser, psiquiatra e psicoterapeuta da pequena cidade suíça de Soleure.
O objetivo dessa pesquisa, executada com 12 pacientes, é entender como o LSD pode ajudar os pacientes a superar sua ansiedade depois de terem sido diagnosticados com câncer em estado avançado.
O estudo, financiado por uma organização californiana, a Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês), está na segunda fase - na qual comprova a eficácia das substâncias usadas nos testes clínicos.
"Tudo isso acaba de começar, mas é possível que o LSD possa voltar na forma de um medicamento", considera Mangold.
O LSD, acrônimo do termo alemão Lysergsäurediethylamid (dietilamida de ácido lisérgico), nasceu durante experiências com o esporão-do-centeio, um fungo que ataca espigas de centeio e que o laboratório suíço Sandoz utilizava à época para fabricar um fármaco contra a enxaqueca.
Enquanto manipulava um dos alcaloides presentes no esporão-do-centeio para descobrir suas propriedades, o doutor Hofman experimentou uma sensação estranha. Para eliminar as dúvidas, ele ingeriu uma grande dose da substância e teve fortes alucinações.
Arthur Stoll, chefe de pesquisa da Sandoz, propôs então a seu filho, psiquiatra em Zurique, testar a substância com seus pacientes, antes que o laboratório decidisse distribuí-la em maior escala com fins experimentais.
O folheto entregue na década de 1950 aos médicos que queriam ingerir o LSD explicava que a substância causava uma espécie de psicose artificial e temporária, que lhes permitiria entender melhor os pensamentos de seus pacientes. Em relação aos pacientes, esse tratamento milagroso permitiria reduzir a ansiedade e as neuroses obsessivas.
Mas o LSD deixou o campo da medicina e se espalhou nos círculos artísticos e literários, sob a influência de personalidades como o professor de psicologia Timothy Leary, demitido de sua cadeira em Harvard por compartilhar a droga com estudantes, e o escritor americano Ken Kesey, o autor de "Um estranho no ninho".
Em seus arquivos, a rádio-televisão suíça RTS encontrou um relatório de 1966 no qual três voluntários testaram o LSD diante da câmera para mostrar os efeitos da substância.
"Não tem gosto de nada", disse o primeiro voluntário, um pouco desapontado, ao tomar uma grande dose da droga, antes de começar a descrever suas alucinações.
Ele se sentia "como em um aquário", disse ao médico e à equipe de televisão. "Eu olhei para você como se vocês fossem algas", acrescentou, explicando que a droga liberou sua criatividade.
No fim da década de 1960, as autoridades começaram a proibir o LSD, inclusive na Suíça, em 1968. Hofmann decidiu então escrever um livro para defender sua invenção.
"LSD: Meu filho monstro" é "um um documento absolutamente fascinante, a meio caminho entre um livro de química e um tratado metafísico", diz Mangold, que encontrou várias edições da obra para a exposição em Berna.
O curador da exposição sobre Hofmann reconhece, no entanto, que o livro é bastante enviesado. O médico "escreveu este trabalho a fim de trazer novos argumentos no debate sobre LSD" e ao longo de sua vida tentou dar uma visão positiva sobre a substância - mesmo que para isso tivesse que esconder alguns aspectos questionáveis.
"Se conseguirmos usar melhor, em uma prática médica relacionada com a meditação, as capacidades do LSD de induzir experiências visionárias, sob certas condições, então eu acho que eu poderia parar de ser uma criança monstro e tornar-se uma criança prodígio", escreveu o químico em seu livro.