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Starbucks como ponto de encontro é modelo ameaçado por coronavírus

A ameaça do vírus aos trabalhadores da empresa também pode ser significativa

Starbucks: mudanças diante de pandemia (Qilai Shen/Getty Images)

Starbucks: mudanças diante de pandemia (Qilai Shen/Getty Images)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 26 de março de 2020 às 07h00.

Última atualização em 27 de março de 2020 às 00h27.

Para milhões de pessoas, visitar a Starbucks é um ritual diário. Mas estes são tempos extraordinários para uma das marcas mais populares do mundo.

Conforme o vírus ia contaminado dezenas de milhares de pessoas na China, a empresa fechou mais de duas mil lojas. Quando ele chegou aos Estados Unidos, o primeiro surto sério foi em Washington, o estado natal da cadeia de cafés. E, no início de março, a Starbucks se tornou uma das primeiras grandes empresas americanas a ter um funcionário infectado.

"As últimas semanas foram tempos desafiadores para todos nós. Estamos todos aprendendo à medida que avançamos", disse Rossann Williams, a executiva que supervisiona os 200 mil trabalhadores da empresa nos Estados Unidos.

A Starbucks há muito vende sua imagem de ponto de encontro social – um "terceiro lugar" entre o trabalho e a casa, um símbolo de normalidade para milhões de pessoas que compram café todos os dias. Suas lojas movimentadas são projetadas para construir uma comunidade e promover a interação entre clientes e baristas.

Nos últimos dias, no entanto, essa filosofia esbarrou na ameaça de uma pandemia que se espalha rapidamente, deixando as pessoas ansiosas com reuniões em locais públicos e causando ondas de choque na economia global.

Agora, os cafés estão começando a se esvaziar, enquanto as autoridades de saúde pública pedem que as pessoas trabalhem em casa e evitem multidões. Para os trabalhadores do setor de serviços, como os baristas da Starbucks, a ameaça de infecção é especialmente grave.

Visando tranquilizar o público, a Starbucks proibiu os clientes de usar seus próprios copos e estabeleceu um regime intensivo de limpeza, exigindo que os funcionários lavem as mãos e desinfetem superfícies onde há "muito toque" a cada meia hora. Protocolos ainda mais rigorosos podem ser adotados em breve se a situação piorar, afirmou Williams, como luvas e máscaras faciais obrigatórias para os funcionários ou a remoção de cadeiras e mesas. Ela disse que as lojas nos Estados Unidos podem ser temporariamente fechadas em casos extremos.

O surto já está prejudicando o fluxo de caixa da Starbucks. Embora mais de 90 por cento de suas lojas chinesas tenham sido reabertas, a empresa disse aos investidores recentemente que espera que as vendas na China neste trimestre caiam cerca de 50 por cento, ou até US$ 430 milhões, em comparação com o ano anterior. A empresa disse que era muito cedo para dizer como o vírus afetaria seus negócios fora da China. O preço de suas ações caiu mais de 25 por cento no último mês.

A ameaça do vírus aos trabalhadores da empresa também pode ser significativa.

"Eles são os que têm mais chance de exposição, porque lidam com o público, e também são mais propensos a retransmitir o vírus", disse Elise Gould, economista sênior do Instituto de Política Econômica.

Além disso, tendem a não ter seguro-saúde ou licença médica remunerada. "Isso expõe a desigualdade econômica que já existe", observou Gould.

Em cinco de março, a Starbucks fechou temporariamente uma loja perto do Museu de Arte de Seattle depois que um teste detectou o contágio de um funcionário. A notícia chegou aos líderes da empresa às 21h. Às 9h da manhã seguinte, a loja tinha sido completamente higienizada, e reabriu em nove de março. Todos os funcionários que trabalharam em estreita colaboração com a pessoa contaminada foram orientados a ficar em casa por duas semanas, recebendo salário.

Em seu marketing, a empresa há muito destaca seus esforços para promover o bem-estar de seus empregados, a quem chama de "parceiros".

Mesmo quando suas lojas na China foram fechadas, a Starbucks continuou a pagar à maioria de seus trabalhadores assalariados, um grupo que inclui muitos baristas, de acordo com demonstrações financeiras recentes.

E, em 11 de março, a Starbucks disse a seus trabalhadores nos Estados Unidos que forneceria até duas semanas de licença remunerada a qualquer empregado infectado com o vírus ou que tivesse contato com um colega de trabalho ou membro da família que estivesse com o vírus. (De acordo com sua política previamente estabelecida, a Starbucks permite que os funcionários acumulem uma hora de licença médica para cada 30 horas trabalhadas: um barista trabalhando 23 horas por semana acumularia cerca de cinco dias de licença ao longo de um ano.)

Ainda assim, em entrevistas, os funcionários da Starbucks expressaram a preocupação de que as medidas de segurança reforçadas estivessem em desacordo com a realidade. Poucos questionavam a sabedoria dos novos protocolos, mas alguns diziam que as políticas estavam colocando mais pressão sobre os funcionários que já se sentiam sobrecarregados.

Um funcionário da área de Seattle, que pediu anonimato para falar francamente sobre a empresa, disse que não era realista que os empregados realizassem todo o processo de limpeza a cada 30 minutos quando as lojas estivessem movimentadas. Outro, da área de Atlanta, que também se recusou a divulgar seu nome, disse que os deveres de limpeza tinham afastado os trabalhadores do balcão, criando filas mais longas e multidões maiores que podem ter aumentado inadvertidamente o risco de contágio, mesmo com a empresa tentando controlá-lo.

Por trás da tensão na Starbucks está o modelo de equipe enxuta da empresa, uma característica comum das lojas de varejo e fast-food, em que os gerentes buscam minimizar o número de trabalhadores atribuídos a cada loja, muitas vezes com a ajuda de um software que prevê o tráfego de clientes. O objetivo em geral é ter apenas um número suficiente de funcionários para suprir a demanda, e não mais, deixando pouca margem de erro.

Como muitas outras empresas, a Starbucks dá aos gerentes "orçamentos de mão de obra" rigorosos, e ao longo dos anos alguns disseram que foram repreendidos por superar o limite.

"O modelo enxuto pode ser bastante implacável. Os gerentes de lojas terão muito mais dificuldade em gerenciar as faltas nas lojas que adotam esse modelo em comparação com outras lojas que não o fazem", disse Saravanan Kesavan, especialista em varejo da Universidade da Carolina do Norte.

Williams, a executiva da Starbucks, disse que os gerentes tinham liberdade na contratação dos funcionários de suas lojas em qualquer nível que acreditassem ser apropriado, dadas as tendências de negócios e os orçamentos de mão de obra.

"Os bônus não têm nada a ver com o que gastam ou investem em mão de obra. Os gerentes de loja são cem por cento incentivados a aumentar a receita, deixando clientes e parceiros felizes", afirmou ela.

As indústrias de fast-food e do varejo sabem há muito tempo que são vulneráveis a epidemias. Mas, às vezes, menosprezam a ameaça.

Pouco depois do surto de Sars em 2003, a possibilidade de uma pandemia foi a primeira ameaça aos negócios que a Starbucks listou na seção "fatores de risco" de seu relatório anual de 2005. Em sua mais recente demonstração anual aos acionistas, no entanto, a empresa colocou o risco de pandemia bem abaixo na lista, após o enfraquecimento das condições econômicas, a mudança no gosto dos consumidores, o aumento dos custos imobiliários e os desastres naturais ou causados pelo homem.

Williams disse estar confiante em que as lojas continuarão sendo um local de encontro, apesar da crescente ansiedade em relação à pandemia.

"Meu instinto me diz que, quando passarmos por isso, as pessoas vão querer voltar à normalidade. Não acredito que algo possa impactar negativamente a santidade do 'terceiro lugar' das lojas Starbucks. Nunca mudou em 50 anos, e acho que não vai mudar nos próximos 50."

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