Semanas de moda adotam formato “figital”: meio físico, meio digital
Desfiles masculinos em Milão começam com apresentação da Prada, sob impacto da quarentena imposta pelo novo coronavírus
Ivan Padilla
Publicado em 14 de julho de 2020 às 07h15.
Última atualização em 14 de julho de 2020 às 07h40.
A semana de moda masculina de Milão começa hoje, terça-feira 14, depois das temporadas de Londres e Paris, com um novo nome: Milano Digital Fashion Week. Mais do que uma nova nomenclatura, o evento inaugura um formato inovador: o “figital”. Trata-se de uma combinação dos ambientes físico e digital, uma realidade imposta pela quarentena do coronavírus .
Os 37 desfiles serão realizados do jeito tradicional, com os modelos nas passarelas em pontos diversos de Milão, vestindo as peças pensadas e confeccionadas em segredo nos últimos meses, dentro de uma concepção própria, enredos com começo e meio, até a etapa final nas araras das lojas.
Só não haverá a conhecida plateia de críticos de moda, revendedores e clientes convidados, aqueles que gastam fortunas e recebem de mimo a oportunidade de ver de perto sua grife favorita. Ou pelo menos não aquela plateia enorme, com 400 espectadores, como acontecia até o começo deste ano.
Algumas ruas e avenidas milanesas terão telas enormes transmitindo os desfiles em tempo real. Assim como em Londres e em Paris, os organizadores da semana de moda de Milão, no caso a Camera Nazionale della Moda Italiana, oferecem agora um aplicativo desenvolvido com a ajuda de Accenture, Microsoft e PwC.
Pelo dispositivo será possível assistir às apresentações em vídeo das grifes. Cada marca terá seu próprio showroom virtual. O usuário poderá acessar ainda salas temáticas com curadoria de personalidades, uma sala institucional com entrevistas de empresários e dois espaços dedicados a novos estilistas, o International Hub Market e Together for Tomorrow.
As primeiras marcas a desfilar em Milão serão MSGM, Prada, Moschino e Philipp Plein. Amanhã, dois desfiles serão realizados com a presença física de poucos convidados. A Etro apresentará a coleção masculina e a pré-coleção feminina no Four Seasons Hotel, enquanto a Dolce & Gabbana mostrará suas peças nos jardins abertos do campus universitário do Humanitas Research Hospital, que recebeu doações da grife italiana destinadas ao combate da covid-19.
Os outros dias continuarão com desfiles das grandes marcas italianas, como Ferragamo, Tod's , Gucci, Ermenegildo Zegna e Missoni. Tudo como antes, do jeito que o mundo da moda gosta, ou quase.
"A Milano Digital Fashion Week é uma resposta dinâmica à complexidade de hoje. É uma ferramenta ultra inspiradora, projetada para apoiar, em vez de substituir, o calendário de moda físico, que será retomado e continuará sendo vital para promover o Made in Italy ", afirmaram os organizadores, em comunicado.
O formato “figital” é um meio termo entre as necessidades dos organizadores de desfiles de moda, mais apegados ao calendário tradicional, e as grifes que previam incialmente fazer eventos apenas digitais. A cadeia da moda sempre dependeu de desfiles luxuosos para chamar atenção dos jornalistas especializados e despertar o desejo dos clientes finais. Pelo visto, essa cadeia não se romperá.
No início da pandemia, diversas marcas chegaram a cancelar as chamadas apresentações resort, ou de meia-estação, entre as temporadas de moda de inverno e de verão, entre abril e maio. O conceito da fashion week chegou então a ser colocado em discussão.
Algumas marcas se anteciparam à propagada morte das semanas de moda. Em abril, a Saint Laurent afirmou que não participaria da semana de moda feminina em Paris, em setembro. A Off-White também cancelou a apresentação em Paris e anunciou uma mostra individual em janeiro.
A Michael Kors vai pular a próxima semana de moda de Nova York, em setembro, deixando a apresentação para fim de outubro ou início de novembro. Mesmo a Gucci, que estará presente agora nos desfiles masculinos em Milão, reduziu de cinco para dois desfiles ao ano, sem se prender à sazonalidade.
Como pano de fundo das decisões das marcas e das organizações das semanas de moda está o impacto real nas vendas e a incerteza do futuro desse mercado, devido à pandemia do novo coronavírus. As vendas globais no segmento de moda devem cair 20%, segundo o estudo Global Fashion & Luxury Private Equity and Investors Survey 2020, elaborado pela consultoria Deloitte, divulgado ontem.
Na China o impacto deverá ser menor, em torno de 5%. Mas na Europa o tombo deve chegar a 30%. Nesse cenário pantanoso, o formato “figital”, inovador sim, mas sem ser radical, parece ser a resposta mais segura de um segmento que se equilibra entre o desejo desfilado na passarela e o preço estampado na etiqueta.